junho 18, 2011

PAULO SANT'ANA


A desistência
(...)
O contrário absoluto do entusiasmo é o tédio. E a ameaça terrível que contém o tédio é a desistência.

A desistência é uma tentação, não existe nada mais tentador para quem esteja dominado pelo tédio que a desistência.

A desistência ameaça perpetrar-se quando um a um vão se somando os fracassos.

Quando vão se fechando todas as portas, surge a desistência como uma hipótese de solução.

Quem sou eu para condenar os desistentes?
Quem sou eu para pregar a insistência, depois que uma vida cansa de bater nos rochedos rudes?

Há que se buscar forças que se pensou que não se tinha para evitar a desistência.

A vida nada mais é do que o destino nos testando para sabermos que recursos ainda temos para evitar a desistência. (...)


Zero  Hora,22/5/2011

PERIGOS DE OUTONO



Tarde vazia na minha rua. Uma moto passa devagarzinho.
Vai até a esquina. Volta. Estaciona embaixo do hibisco na calçada.
Um rapaz, sentado na moto, espera.
Vou até à janela e confiro a vizinhança. Tudo  fechado.
Um deserto de outono.
Propício para o azar. Um arrepio no cangote, sabe cumequié, dona Leda?
O rapaz na moto. Eu na janela já pela terceira vez: confiro.
Devo ligar para a polícia?
Moto parada na frente de casa. Muito estranho.
Quase todas as casas já foram assaltadas. Só na nossa quadra!
Faltam apenas duas. E uma delas é a minha.
O  motoqueiro me observa com o canto dos olhos. Não diz nada.
Boné com aba virada na cabeça. Um perigo.
Pelo menos não é touca ninja. Mas onde escondeu o capacete?
Ele também me olha, desconfiando da minha desconfiança.
Eu me afasto da janela. Porem esqueço minha sombra e ele percebe.
Será que grito? Grito como?
Berrar por socorro a uma e meia da tarde soa tão ridículo.
Melhor ligar para a polícia.
Elemento motorizado, em frente a minha casa observando tudo.
*
Ainda lembro que no mês passado, três desses elementos estranhos, noite escura, pularam o muro do vizinho.
Sem hesitar, chamei a Brigada. Vieram imediatamente.
Apontei aflita a esquina: já desceram por ali e acho que ouvi passos no pátio.
No pátio do vizinho? Do outro lado da rua?
Escutei sim! Tenho certeza.
Os soldados  espiaram com os ouvidos. Nada.
Mas seguiram atrás da minha indicação.
Nem cinco minutos, retornaram: eram dois garotos e um rapaz.
Tinham os bolsos cheios de frutas.
Colhiam ingás no vizinho. Dos galhos que pendiam na calçada...
Respiro aliviada. Agradeço. Peço desculpa, dê por conta do medo, os assaltos, o arrepio no cangote, sabe cumequié, d. Leda!
Sim, os soldados gentis da Brigada Militar entenderam.
*
Desta vez, resolvo não chamar a polícia para tirar satisfação do motoqueiro quase quinze longos minutos, parasitado em frente a minha casa.
Mas foi só me distrair e quando espio novamente a moto no local – sem o motoqueiro.
A rua de outono deserto, já disse, eu sei, mas agora os passos em frente a garagem e meu coração dispara, a boca seca, taquicardia. Muitos passos. Uma quadrilha?
Não. Não. Não.
Era o pessoal que vinha instalar um split na minha casa e o motoqueiro esperava o patrão.
Quequitem, d. Leda?
Até o Palocci tem cara de bonzinho e a senhora viu no que deu.

Publicado: jornais A Hora, Opinião e site Região dos Vales

junho 17, 2011

ANA PELUSO

by Banski

“nunca se sabe porquê se escreve
num mundo de escreventes.
se come onde todos têm fome.
ou se respira.

mas tem ar à beça, ainda.”

TRILHA SONORA

 

TEMPO DE PICNICAR...

 .cada um traz consigo uma luz da infância, muito particular. quando a vida aperta, sacamos a lanterna da tenra idade para iluminar a rotina. tem gente grande, quase sessentão, que procura um pátio para jogar bola de gude. e trapaceia. outros comem dois sorvetes, um atras do outro. escondido. meu amigo tira de cima do armário uma caixa de álbuns de figurinha. e chora. tem quem apenas olhe velhas fotografias. e rasga...

eu faço piquenique.e me esbaldo. quando tenho muita saudade da infância, arrumo a cesta e convoco as amigas que enxergam o mundo por frestas, como eu. por isso adoro essas tardes preguiçosas de outono. e se as amigas não podem vir à colônia, vou a capital. sempre há de se achar uma sombra de figueira para estender a toalha e repartir o pão. e o vinho, claro!

O QUE VI EM BUENOS AIRES?

Vi prédios do século XVII, XVIII bem conservados, vi gente patriota, famílias unidas nos protestos e reivindicações, pessoas fazendo tai chi nas praças e as praças cercadas, vi muito ambulantes e camelôs, vi índio sul americano fantasiado de apache, vi um homem beijar a imagem de Nossa Senhora no átrio de uma igreja. Por vias da dívidas fiz o mesmo e disse idem, idem...

Um casal apaixonado se beijando dentro de um restaurante em San Telmo e vi uma senhora sair de dentro de uma loteria e fazer o sinal da cruz.

Vi um casal secando as lágrimas enquanto aplaudia Maria  Graña cantando “Uno”: "a luta é cruel, mas luta e sangra...". E vi um um homem vomitar quase em cima dos meus pés dentro do metrô, para em seguida me roubar 200 pesos sem eu notar...

Um solitário falando com a própria imagem no espelho,  em frente uma igreja e outro velho antiquário esperando os fregueses em uma lojinha entulhada de cacarecos e sobre ele um imenso quadro que retratava  o casamento da morte: um esqueleto vestido de noiva.

 Vi um Jorge Luis Borges em cada café que entrei...
... e foi em Buenos Aires que percebi o verdadeiro significado das palavras do escritor: “A pátria é algo que se sente, que não se pode definir. Eu a sinto muito profundamente. Se a definimos, estamos diluindo-a em palavras.”
E vi turistas alemães, americanos, japoneses, brasileiros...

junho 16, 2011

JOÃO UBALDO RIBEIRO


“Já vi muita vaidade perfurada como um balão,
murchada em questão de poucas décadas, simplesmente.
Então, sempre penso: nada como um dia depois do outro.
Sempre penso que o mundo dá muitas voltas
e tudo é muito relativo,
realmente.”

BLOOMSDAY


Ulisses, de James Joyce é construído em dezoito capítulos, cada um cobrindo aproximadamente uma hora do dia, começando por volta das 8 da manhã e terminando em algum ponto após 2 da madrugada seguinte.

E cada um dos capítulos tem seu próprio estilo literário e se refere a um episódio específico da Odisséia de Homero.

Esta combinação de escrita caleidoscópica com uma estrutura extremamente formal e esquemática é uma das maiores contribuições do livro para o desenvolvimento da literatura modernista do século XX.

Hoje é o dia de “Bloomsday” em todo o mundo – mundo que lê Joyce evidente - em homenagem ao escritor irlandês: 16 de junho de 1904, ano  em que se desenrola a história de “Ulisses” e marca a caminhada do protagonista, Leopold Bloom, por Dublin, na Irlanda.

Eu não li. E acho que nunca vou ler.
E não conheço ninguém que leu.
Isso que é triste.

HOLDEN








ADORO. ADORO!

PROTESTO EM VENÂNCIO AIRES


Ontem fui a Venâncio Aires. De quebra, um a passeata silenciosa dos funcionários do hospital da cidade. Salários atrasados, clima ruim... Foi bom ver que ainda existe gente que se rebela contra o sistema e as injustiças. Como em todo lugar, só os médicos enchem os bolsos de grana. O resto que se exploda. 

junho 13, 2011

FERNANDO PESSOA


“Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar 
com o que eu sou:
Viver não é necessário; 
o que é necessário é criar.

HOMENAGEM DO GOOGLE:123 ANOS DE FERNANDO PESSOA


"Não se acostume com o que não o faz feliz,
revolte-se quando julgar necessário. 
Alague seu coração de esperanças,
mas não deixe que ele se afogue nelas. 
Se achar que precisa voltar, volte! 
Se perceber que precisa seguir, siga! 
Se estiver tudo errado, comece novamente. 
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a. 
Se perder um amor, não se perca! 
Se o achar, segure-o!"

Fernando Pessoa

TANGUEANDO

.na minha  segunda noite em buenos aires peguei meu homem pelo braço e arrastei para uma aula de tango. ele gemeu, mas foi. e eu no maior entusiasmo. saí da minha cidade com o endereço na carteira: parakultural, na calle scalabrini ortiz, 1331. um salão tradicional, mas não turístico. pelo menos, não tanto. de alienígenas só um casal alemão e nós dois. o resto do pessoal era da cidade mesmo. fiz como elas: levei meu sapatinho de salto baixo na bolsa. chegando lá, tirei os tênis.
a aula era para iniciantes. das 19 às 21. 


em seguida, com outro profe, uma turma mais avançada até às 23h.
e aí começava uma milongueira para quem quisesse dançar. 
não ousei.
a minha aula? primeiro, os passos individuais. rodando pelo salão, braços em posição porem sem par. depois, mais um passo em quatro tempos, aí sim com o partner. adorei tudo. aula de tango precisa muita concentração. deve ser bom para a memória. aliás, lembrei do al pacino em perfume de mulher. dava muito para ter alguns anos de volta.
pelo menos naquela noite.
foi especial.


LIVRO DE CABECEIRA


Cidade de Ladrões
Cidade pequena, cidade grande
As caras e as máscaras
O Livro das Bestas
Indignai-vos!
Todos os homens são mentirosos
Fogo na cidade

...foram os sugestivos títulos que vi na feira do livro da sommer, no shopping da br 386, aquele que não pode ser uni, mas unic. deusmeu!

O primeiro livro eu daria para a prefeita de Lajeado. É um romance do David Benioff. Apesar do nome sugestivo narra  os desafios da vida em tempos de conflitos.

O segundo do Jack Keurack, pai da geração beat,  presentearia Beto Fluck, secretário de obras. A cidade grande retratada é Nova York, atraindo como um polvo esfomeado todos aqueles que buscam um futuro e uma identidade. 

O livro de Eduardo Galeano, com certeza, enviaria para o vereador Tóri.

O vereador Sergio Knipoff receberia, em casa, o livro de Stéphane Hessel. Vendeu  1 300 000 exemplares na França em apenas 4 meses.

Ao Mozart Lopes, secretário de obras que me lembra muito o Pallocci,  enviaria pelo correio, a história secreta de Alejandro Bevilacqua, que se matou no exílio em Madri, escrito pelo excelente Alberto Manguel.

O último, escrito por Lauro Martines, enviaria ao promotor Fioriolli, na esperança dele entrar para a história dessa cidade, como um vitorioso.


Ler é sempre muito inspirador. Eu compro livro pelo título. Um dia trouxe para casa "O amor é fodido". Deu no que deu...

junho 12, 2011

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca." 

DOMINGO DORMINDO


minha cidade é microscopicamente culta. mas tem duas feiras do livro. ahã. nessa q acaba hj até o veríssimo veio. ele e a rostirolla, aquela que só enrola. sem preconceitos. mas distância. então comprei uns livros. de entrevistas. arthur dapieve e um outro das melhores do jornal rascunho.  sendo meu mundinho tão restrito nada melhor do que se ver íntima dos grandes.  e daí? tem gente q é íntima do pessoal da caras. tb trouxe um outro saramago. e mais dois da região. comprei e não paguei. não tem mais visa, só no cash. dipindurei. agora, o melhor livro veio caminhando e me esperou no portão da garage, envelopado: “quem soltou o pum?” amei o jogo de palavras e intenções criadas pelos autores  > e as observações entre as paginas que minha amiga fez: “literatura infantil sempre me faz mais inteira, mesmo que aos pedaços...” coisa boa. Precisava dizer para ela q no dia dos namorados sonhei q morria afogada na banheira. a água cobrindo meu rosto,os cabelos grudando na cara, aí consegui abrir os olhos e vi a tampinha da banheira. quando consegui arrancar  a tampa do ralo, acordei. coisa... bem no dia dos namorados. será sufoco? será?

RENÉ, SIBILA & EU





Somos humanos ou somos coisa? – perguntei ao meu all star enquanto caminhava sobre o valão cloacal da cidade que habito. 
Tempos úmidos e neurônios tiritando: será que não somos uma maquininha de moer carne? 
Ou seremos apenas um mero ipad? 
Ou um liquidificador simplificado? 
Um bicho? 
Uma preguiça, um pavão, um porco?
Nãoooo.
Sois uma “coisa pensante” disse um tal de René, filho do seu Descartes.

Sim,  como pensantes temos uma alma. 
E talvez uma linda alma.
E bicho? Bicho tem alma. Tem?

Tem, só que a bicharada é desprovida de moral.
Ta certo: é aí que a gente se diferencia dos animais, se afasta e se supera.
Nem todos claro! 
Tem besta humana com alma estuprando criancinha, derrubando mata virgem e comprando nosso voto.
Então ta, ô René,  a gente acredita que o homem é um ser pensante, que sabe dialogar, que segue um código moral, quase sempre  precário, porém o Homem sabe da sua existência. E bicho?

Bicho não conversa.
Não troca receita, não faz fofoca.
Não  dá conselho, não passa informações, não sabe baixar download de filmes e música.
Nossos bichos, nossos afetos.
Mas nós somos coisa pensante - que governa uma cidade, um país.
Sendo que alguns se acham no direito de governar o planeta.
Eu não consigo nem governar minha casa.
Desculpe, os neurônios trincaram de vez.
*
Por falar nisso, dias atrás minha amiga Sibila, a mais trágica de todas, segurando a cuia quente nas mãos  desabafou:

- Eu tomo todos os dias uma pílula de conformismo ao levantar.
Olhei com uma tristeza para ela.
- E quando vou me deitar, tomo dois. E tu?
- Eu engulo um omeprazol – respondi conformada com a delicadeza das minhas tripas. 
- É... Porque para viver com tanta bandalheira nessa vida só tendo estômago -  e Sibila deixou escapar um suspiro de apagar círio no altar e serviu outro chimarrão.
*
Enquanto pensava no conformismo da Sibila - atitude de quem se conforma com todas as situações –  tratei de me afastar do valão fedido.
Uma coisa é se conformar com as questões divinas e governamentais.
Outra é aceitar que a vida dá, a vida tira. 
Inclusive uma paixão.
*
- Nova paixão pra que?
- Pra chacoalhar a alma, Sibila!
- A gente é apenas um cabide.
Desisto. 
Às vezes, Sibila contagia.