Guardachuvadelaura
março 23, 2023
RUY CASTRO
Trecho do seu discurso de posse:
“A casa dos operários da palavra, não é apenas dos seus artistas...
Em pouco tempo, o fogo e a roda foram assimilados como se sempre tivessem existido.
Mas a palavra, não.
Ela continua a ser uma grande e permanente descoberta.
Uma descoberta pessoal, exclusiva de quem está sendo ungido por ela, um Big Bang individual.
Neste exato momento, em toda parte, há alguém descobrindo a palavra e a fórmula secreta de que ela se compõe --a soma do símbolo, do som e do significado.
E as palavras são muitas.
A palavra dita, a palavra escrita, a palavra impressa.
A palavra exata ou a palavra mágica.
A palavra aos gritos ou sussurrada;
a palavra só pensada, nunca pronunciada;
ou a palavra à força silenciada.
Tudo é a palavra e a palavra é tudo.
Às vezes ouvimos que "uma imagem vale por mil palavras."
Mas, como desafiou Millôr Fernandes, tente dizer isso sem palavras.
É um privilégio estar sendo aceito nesta instituição, cuja matéria-prima é a palavra.”
BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS
A revista Rascunho entrevistou o mineiro,
Bartolomeu Campos de Queiroz, de quem nunca ouvi falar...
Nos seus mais de 40 livros, vários traduzidos no exterior, o escritor se vale de “uma linguagem que consegue ser, ao mesmo tempo, simples e densa”.
É autor do Manifesto por um Brasil Literário. Venceu diversos prêmios literários como o Prêmio Cidade de Belo Horizonte; o Prêmio Jabuti, recebeu o Selo de Ouro, da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil; 9ª Bienal de São Paulo; 1ª Bienal do Livro de Belo Horizonte; Diploma de Honra da IBBY, de Londres. Com o livro Index, foi o vencedor do Concurso Internacional de Literatura Infanto-Juvenil.
Trechos na Rascunho:
PREOCUPAÇÃO COM O PÚBLICO
Não tenho preocupação com o público.Vocês já assistiram ao filme "A festa de Babete"? É isso, ela foi para a cozinha e fez o melhor que ela podia. Só isso. Vou para o escritório e faço o melhor que posso. Àquela hora não tem destinatário. Se tiver destinatário, não é mais literário.
DICA
Quando escrevo, preciso ler o texto em voz alta para
saber se ele cabe na minha respiração. Às vezes, ao ler o texto em voz alta,
percebo que é preciso transformar uma frase em duas, colocar um ponto final,
dar um jeito porque está muito longa.
VERDADE MAIS PROFUNDA
A memória é o nosso grande lugar.
Na memória tem tanto o que vivi quanto o que sonhei ter
vivido.
Não acredito em memória pura. Toda memória é ficcional.
MISSIVA
“A carta é um escrito
que alguém envia a um ausente
para lhe fazer ouvir
seus pensamentos.”
Antoine Fauretière, em 1690.
Caríssima,
o termômetro explode em 47º por aqui. Águas senegalesas
vertem das minhas axilas, debaixo dos seios, na linha central da nuca. E todos
esses arroios se encontram aos meus pés como se em um lago salgado de algum
emirado árabe.
Ah... Os leques! - completamente inúteis, minha irmã! E assim não tenho coragem de abandonar o casarão.
À noite, a brisa úmida do rio vem para salvar meus sonhos. É quando deixo a janela aberta - um convite aos mosquitos. Cubro-me com panos encharcados. Caso adentre alguma criada desavisada, bem provável que fuja esbaforida. Devo parecer uma múmia.
Ontem, a carroça do gelo dos Irmãos Bopp não passou por aqui. Haja
serragem suficiente para segurar a dureza das pedras nesse inferno. Portanto,
caríssima irmã, estou há três dias sem uma gota de champanhe. Perdoe essa carta
tão mínima. Mas até escrever, derrete minhas intenções espirituais nessa São
Gabriel de Lajeado.