Guardachuvadelaura
agosto 17, 2018
OBITUARIO
Desci na rodoviária.
Para quem não conhece as redondezas da minha cidade: em frente ao
presídio, ao lado do cemitério.
(Escolha como quer desembarcar nessa vida...)
Na câmara mortuária, um velório.
Pouca gente.
No proclama - João da Silva.
Sim, apenas, João da Silva.
Quantos Joãos da Silva nessa cidade? No país?
(Aproximadamente 122.000.000
resultados em 0,56 segundos)
Quantos Joãos da Silva você
conhece?
Meu avô era João, meus irmãos, um
filho, um neto, alguns amigos.
Nenhum João da Silva.
Prenome e sobrenome: remete à simplicidade, à suor, calos
nas mãos, ranhuras na sola dos pés.
Morreu de morte morrida?
Ou no corredor do Sus?
De desgosto, de desesperança?
Morreu de tanta ambição?
Morreu velhinho?
João da Silva. Ver o cpf. Atestado de óbito. Carimba-se.
É tudo o que se sabe. Agora, descansa junto aos vermes.
agosto 16, 2018
MUSEU DO ALJUBE: SEM MEMÓRIA NÃO HÁ FUTURO
O Doi-Codi de Portugal chamava-se PIDE.
Andando pelas ruas de Lisboa,
descobrimos por acaso, próximo à Sé...
Um museu para honrar a Resistência
contra o fascismo,
durante a ditadura portuguesa.
Inaugurado em abril de 2015.
Não deixe de visitar.
Visita guiada as 15 horas.
As fotos falam do meu assombro e emoção:
legendas dispensaveis.
A vista da Baixa:
Não me espantaria
se o passado voltasse ao Brasil.
Composição gráfica do rosto de Amável Vitorino
com fotografias dos rostos de centenas de presos políticos.
“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”
Sophia Andresen,
poeta portuguesa
Rua de Augusto Rosa, 42
E no Brasil?
Quando será revelado
o que temos direito de saber?
MAMMA MIA: LÁ VAMOS NÓS DE NOVO!
Entro no cinema vazio. Sessão das duas. Minto, na ultima
fila, na carreira da letra J, uma criatura e seu rosto iluminado pela luz
branca de um celular.
Tenho 10 min para descansar.
Ou para ler o livro que acabei de comprar.
Cinemas deveriam ser como cavernas: escuras e silenciosas. Só que não: uma música irritante toca alto. Não consigo me concentrar. Nem descansar.
Entra um casal com um saco gigante de pipoca – aqui não,
aqui não, aqui não, meu deus.
Entra uma senhora. Senta quatro carreiras abaixo da
minha. O cheiro do seu perfume chega até onde estou. É enjoativo. Cheiros,
cheiros, cheiros. Sou uma chata.
Entra uma excursão de meia-idade: 14 mulheres de algum clube
suspeito escalam vagarosamente cada um dos
degraus iluminados. Sobem, sobem e param na fila G. A minha.
Todo o cinema vazio e elas escolhem sentar justo
na minha fila?
Educada, levanto para passarem com suas bolsas e sacolas, ruidosas
e perfumadas como um bando de estudantes tagarelas.
O filme começa. ABBA foi brega e sempre será. O filme é uma bosta. Mas, vale
rever Cher e não havia outro naquele horário.
Sou uma chata, mereço.