Guardachuvadelaura
setembro 18, 2023
JOSÉ LUTZENBERGER AVISOU
Lutzenberger e as inundações:
há 49 anos, um depoimento
revelador
"Em março de 1974, o Rio Grande do Sul enfrentava enchentes históricas, o que fez José Lutzenberger (1926-2002), um dos maiores ambientalistas do país, escrever um texto sobre suas causas e consequências."
A filha Lara e a biógrafa Lilian Dreyer recuperaram o artigo para a republicação na Zero Hora.
"A leitura revela a impressionante
atualidade das reflexões, indicando que os problemas recentes do clima não
surgiram assim tão de repente."
Durante as catastróficas inundações de março de 1974, quem observasse o mar desde a barra do Rio Mampituba ou do alto dos morros de Torres podia ver água vermelha como tijolo novo, mais vermelha do que a do Guaíba no inverno.
Observada de perto, a transparência da água era zero, como a do café
com leite. A praia, até onde se podia avistar, ao Norte e ao Sul, estava
coberta de detritos: aguapés, ramos, troncos e cadáveres de reses, porcos e
galinhas. Em toda parte, populares com suas carroças juntavam lenha, cortando e
rachando troncos com o machado. Alguns, com a maior naturalidade, carneavam
animais mortos, levando a carne e deixando as entranhas.
Se as atitudes dessa pobre gente atestam a miséria de sua existência, a repetição das calamidades provocadas pelas enchentes confirma o que há tempo já se podia prever.
Se hoje os estragos são imensos e os mortos se contam às centenas, não tardará o dia em que os flagelados e os mortos totalizarão milhões.
Somos incapazes de aprender com nossos erros.
As advertências dramáticas da natureza de nada valem.
Insistimos no consumo de
nosso futuro.
Antes das interferências irracionais do homem, cada local
tinha a cobertura vegetal que convinha às condições do lugar, pois essa
cobertura era resultado de seleção natural implacável através das longas eras
da história da evolução.
Um bosque intacto é um perfeito regulador do movimento das águas.
A folhagem das árvores e do sub-bosque, das ervas e samambaias, o próprio musgo e os detritos que cobrem o chão freiam a violência do impacto das gotas da chuva.
No bosque são não há solo nu.
A capa de restos vegetais em decomposição é um cosmos de vida variada e complexa, com vermes, moluscos, escaravelhos e outros insetos, centopeias e miriápodes, aranhas e ácaros, pequenos batráquios e répteis e até mamíferos.
A complementar o contínuo
trabalho de desmonte, há os fungos e as bactérias, que mineralizam o material,
devolvendo ao solo os elementos nutritivos que as plantas dele retiraram."
DO MEU CADERNINHO
E lá estava eu. Precisava atravessar a ponte. Várias pessoas sobre ela, em cima de carros e carroças, carregadas de coisas, uma caravana em fuga. Desisto da travessia e dou meia volta. Caio num atoleiro. A lama quase me engole e sobe até meu peito. Tento me livrar, me debato. Vejo minha amiga e grito o nome: x, me ajuda. Ela ri e diz "te vira, não posso me sujar"... "Orra - eu grito - deixa de sacanagem, ajuda aqui!" e estendo meu braço. Ela só olha e volta a conversar com outras. Acordo com os dentes trincados. E com a certeza de q tem uns q a gente nunca vai poder contar, por mais amigas q pareçam. Os sonhos são clarividentes, queira ou não, a Pasternak.