dezembro 03, 2010

ROBERTO BOLÃNO

ilustra by Helena Bloomqvist

“nem em minhas piores bebedeiras

eu perdi um mínimo de lucidez,

um sentido da prosódia e do ritmo,

uma certa ojeriza diante do plágio,

a mediocridade ou o silêncio.”

PALOMA NEGRA

Clica. É a trilha sonora para ler Rotina...

ROTINA

.acorda com vontade de matar passarinho. não acha as havaianas embaixo da cama. um pressentimento: dia ruim? vai até o banheiro. olha no espelho. a merda daquela ruga não estava ali, ontem. não estava mesmo. expurga o mijo da manhã, escova os dentes e o canino ainda dói do tratamento do canal. canino pq? lembra cães, claro. porque não tem um cachorro? – perguntou o genro um dia. sim, por que? sai do banheiro e vê seu homem anestesiado. seis horas da manhã. na cozinha, a louça da noite anterior. ignora. faz um suco, faz um café, cobre com manteiga uma fatia de pão velho. orra, porque ninguém comprou pão ontem? vai para o computador com o jornal debaixo do braço e o café se equilibrando no pires. a casa em silêncio. no computador acessa primeiro o som da amy. suspira. a quarta-feira será boa? toca o telefone. não atende. marca um happy hour por email naquele buteco sebento. confere as horas. sete e meia. confere os blogues, os sites jornalísticos onde só dá o bope, a favela do alemão e o fazdeconta que a gente é herói. remenda o próprio blog. o homem levanta. ela foi comida por aquele homem. ontem. que bebe um café morno. sozinho. ela ouve os sinais de vida na casa. ele aparece na porta. sorri. beija. e sai para trabalhar. ela tranca o portão. oito e meia. roupa na maquina. lavar a louça? não. computador. toca o telefone. não atende. pendura roupa no varal. outra maquinada. chimarrão com a amiga. volta. pendura mais roupa. outra maquinada para aproveitar o sol quente. arrumar a cama? não. pra que se vai deitar de novo? cozinha. strogonof. chimarrão. blogue. emails. leite condensado no strogonof. merdaaa. porque as caixas de creme de leite são parecidas com as de leite condensado? porque o condicionador é igual ao shampu? almoço horrível. louça na pia. toca o telefone. não atende. volta para o computador. toca a campainha. atende. um ladrão? confere o portão. como entrou no meu jardim? pulou a cerca? pulou. mas jura que não é ladrão. é apenas um assassino. matou um cara que estuprou uma mulher. cumpriu três anos e meio no presídio da cidade vizinha. ela não tem paciência para ouvir a lenga. ele quer dinheiro para fazer novos documentos. ela manda esperar. volta. volta com um revólver que era do pai. aponta. grita para o homem sair do jardim da casa dela. ele fica branco. ela grita que se ele não é ladrão, ela é. se ele é assassino, ela também é. e se ele fode com os outros, ela também fode. e puxa o gatilho. e o homem pula a cerca e sai correndo. ela grita da janela. se eles são doido de pedra, ela também é. daqui pra frente, assim. dente por dente, olho por olho, louco por louco. guarda o revolver. volta para o computador. toca o telefone. atende. um homem liga atrás de um curso à distância. tem a voz bonita. engano. ela pensa em algo. sem tempo para fantasias às três horas da tarde. um sabiá bate de encontro à janela e segue voando, tonto. ela desliga o computador e recolhe mais roupa do varal. toma uma chuverada e sai sem conferir a ruga novinha adquirida naquela manhã. antes se enche de femme sem imaginar o que ainda pode acontecer na sua vidinha entediada de dona de casa na fajuta colônia em plena quarta-feira?

novembro 29, 2010

ALBERT SCHWEITZER

"Dar o exemplo

não é a melhor maneira de influenciar os outros.

É a única."

O LIVRO

“Um livro nasce de uma insatisfação, nasce de um vazio, cujos perímetros vão se revelando no transcurso e no final do trabalho. Seguramente escrevê-lo é preencher este vazio”

Enrique Vila-Matas

* Escrever um blog também.

AGUINHA DO JORDÃO

A água benta muda o interior do ser humano, diz a bíblia. O que será que há de mudar, Isabel? Mais forte? Mais guerreira? Menos preconceituosa? Mais solidária? Menos egoísta? Para a Igreja o batismo não deixa de ser uma morte. Batizada, a criança ressuscita para entrar na casa de Jesus. Ou algo assim. Gosto de pensar na água como fonte poderosa de vida, que mata a sede, purifica o organismo e lava o corpo do suor de cada dia. Que deve ser poupada para que todos possam compartilhar, no futuro. À benção, meus orixas! À benção, São João Batista! Que os céus se abram e que o Espírito Santo não abandone a galera toda. Também quero ouvir: "Tu és aquele meu filho singularmente amado, em ti tenho posto toda a minha complacência" - São Marcos 1,9. E foi isso. 18 crianças batizadas naquele domingo que começou com uma brisa boa, virou mormaço, virou chuva. Agora, elas só voltam para fazer a primeira comunhão. E olhe lá.