dezembro 03, 2010

ROTINA

.acorda com vontade de matar passarinho. não acha as havaianas embaixo da cama. um pressentimento: dia ruim? vai até o banheiro. olha no espelho. a merda daquela ruga não estava ali, ontem. não estava mesmo. expurga o mijo da manhã, escova os dentes e o canino ainda dói do tratamento do canal. canino pq? lembra cães, claro. porque não tem um cachorro? – perguntou o genro um dia. sim, por que? sai do banheiro e vê seu homem anestesiado. seis horas da manhã. na cozinha, a louça da noite anterior. ignora. faz um suco, faz um café, cobre com manteiga uma fatia de pão velho. orra, porque ninguém comprou pão ontem? vai para o computador com o jornal debaixo do braço e o café se equilibrando no pires. a casa em silêncio. no computador acessa primeiro o som da amy. suspira. a quarta-feira será boa? toca o telefone. não atende. marca um happy hour por email naquele buteco sebento. confere as horas. sete e meia. confere os blogues, os sites jornalísticos onde só dá o bope, a favela do alemão e o fazdeconta que a gente é herói. remenda o próprio blog. o homem levanta. ela foi comida por aquele homem. ontem. que bebe um café morno. sozinho. ela ouve os sinais de vida na casa. ele aparece na porta. sorri. beija. e sai para trabalhar. ela tranca o portão. oito e meia. roupa na maquina. lavar a louça? não. computador. toca o telefone. não atende. pendura roupa no varal. outra maquinada. chimarrão com a amiga. volta. pendura mais roupa. outra maquinada para aproveitar o sol quente. arrumar a cama? não. pra que se vai deitar de novo? cozinha. strogonof. chimarrão. blogue. emails. leite condensado no strogonof. merdaaa. porque as caixas de creme de leite são parecidas com as de leite condensado? porque o condicionador é igual ao shampu? almoço horrível. louça na pia. toca o telefone. não atende. volta para o computador. toca a campainha. atende. um ladrão? confere o portão. como entrou no meu jardim? pulou a cerca? pulou. mas jura que não é ladrão. é apenas um assassino. matou um cara que estuprou uma mulher. cumpriu três anos e meio no presídio da cidade vizinha. ela não tem paciência para ouvir a lenga. ele quer dinheiro para fazer novos documentos. ela manda esperar. volta. volta com um revólver que era do pai. aponta. grita para o homem sair do jardim da casa dela. ele fica branco. ela grita que se ele não é ladrão, ela é. se ele é assassino, ela também é. e se ele fode com os outros, ela também fode. e puxa o gatilho. e o homem pula a cerca e sai correndo. ela grita da janela. se eles são doido de pedra, ela também é. daqui pra frente, assim. dente por dente, olho por olho, louco por louco. guarda o revolver. volta para o computador. toca o telefone. atende. um homem liga atrás de um curso à distância. tem a voz bonita. engano. ela pensa em algo. sem tempo para fantasias às três horas da tarde. um sabiá bate de encontro à janela e segue voando, tonto. ela desliga o computador e recolhe mais roupa do varal. toma uma chuverada e sai sem conferir a ruga novinha adquirida naquela manhã. antes se enche de femme sem imaginar o que ainda pode acontecer na sua vidinha entediada de dona de casa na fajuta colônia em plena quarta-feira?

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