fevereiro 28, 2025

HILDA HILST


 “Queria te falar, te falar...

Desses nadas do dia a dia

que vão consumindo a melhor parte de nós,

queria te falar do fardo quando envelhecemos,

do desaparecimento,

dessa coisa que não existe,

mas é crua,

é viva,

o Tempo.


 Em homenagem as Fernandas: 
Montenegro e Torres.

VIRGINIA WOOLF

(Collage "Zulmira", em A falecida, de Nelson Rodrigues, 1953, Laura Peixoto)


 “Você pode escrever para si mesma ou para um pequeno círculo de amigos íntimos; pode escrever porque sente que é um alívio da dor; porque sente que é uma necessidade, porque é um gesto de amor.

Mas a verdade é que as palavras que você coloca  no papel tem o poder de moldar o mundo, de mudar vidas, de acender chamas em corações que nunca conheceram a luz.

Escreva, mesmo quando duvidar de si mesma, mesmo quando o medo sussurrar que suas palavras não importam. Porque há alguém lá fora, alguém que precisa exatamente do que você tem a dizer.

E é essa conexão, essa coragem de compartilhar sua verdade, que faz de você não apenas uma escritora, mas uma guerreira da alma.”

* "Um teto todo seu" – 1929.

DO MEU BLOQUINHO


Era um bar. Parecia diferente, não sei, mas um bar. Sem mesas. Cadeiras mais baixas que as normais. Dezenas delas, de pés cortados, espalhadas no piso coberto por uma camada de areia. Sombrio, luzes pequenas e embutidas no teto como refletores malquebrados, de teatro decadente. Mas era um bar. E um  rapaz atendia no balcão. O nome do bar? Casablanca. Como no filme. As pessoas sentadas nas cadeiras quase batiam os joelhos no rosto. Outros acomodados no piso arenoso. Suavam apesar dos três ventiladores de teto. Perto de um balcão, quase em frente ao banheiro, uma palmeira seca, coitada. Vi Tom de relance, com um copo de uísque na mão. Quando me aproximei, ele sorriu. E foi se apagando, sumindo, como um espectro. O rapaz que atende no bar ligou um rádio, mexeu no dial e ouvi é, só tinha que ser com você... Elis cantava. É isso que dá tomar só meio rivotril.
 

KAFKA


 

ÚTIL ATÉ O FIM


 

"Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te de que este corpo nasceu do amor de duas almas, sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens. 

Por certo amou e foi amado, e sentiu saudades dos que partiram. 

Acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem que por ele se tivesse derramado uma lágrima sequer. 

Seu nome só Deus o sabe, mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade que por ele passou indiferente."

A Oração ao cadáver desconhecido é praxe em aulas de anatomia no Brasil. 

*

Será que no curso de medicina da Univates também rezam?

 *

 Li na Revista Piauí, que o Human Anatomy Center, de São Paulo, importa cadáveres e paga bem.

Os corpos são submetidos à técnica fresh frozen, ainda pouco difundida na América Latina.

Congelados a temperaturas baixíssimas logo depois da morte, os cadáveres não precisam ser submetidos a conservantes tóxicos como o formaldeído. Disso resulta que os músculos e tecidos não ficam enrijecidos, como costuma acontecer em corpos tratados com produtos químicos.

Os fresh frozen oferecem aos cirurgiões a possibilidade de treinar operações em um corpo maleável, parecido com os que encontrarão na mesa de cirurgia.

("A morte de Sócrates" por  Jacques-Louis David, 1787, no Museu Metropolitano de NY)

A importação é o recurso que resta porque, no Brasil, poucos estabelecimentos aplicam a técnica. Faltam até mesmo cadáveres embalsamados no modo tradicional, com formol.

Atualmente, de acordo com a Sociedade Brasileira de Anatomia (SBA), há 41 programas de doação voluntária no país, todos ligados a faculdades de medicina.

Só a partir de 2019 começou o uso de corpos congelados no Brasil. Em São Paulo, hoje, além do Human Anatomy Center, o Instituto de Treinamento de Cadáveres (ITC) e a Faculdade CTA recorrem ao método.

A doação voluntária de corpos para a ciência foi regulamentada no Brasil em 1992 e ainda é pouco conhecida pela população.

 

(Moema, do poema "Caramuru", por Victor Meirelles, 1866, no MASP)

* Vou doar o meu  aos alunos da Medicina da Univates. Assim, quando verem uma chapa do tórax não vão se enganar, trocando a imagem do coração por uma do pulmão... Ahã.

Sempre pensei em virar adubo para uma árvore, mas serei mais útil, em uma mesa de dissecação para os bisturis da galera mexerem à vontade.

 

("Criança morta", de Cândido Portinari, 1944, no MASP)

Como proceder?

Para doar o corpo a uma faculdade, é necessário manifestar a vontade de doar em vida, e, após a morte, a família deve autorizar a doação. 

Testamento.

Escritura pública com registro em cartório.

Testamento vital (diretivas antecipadas de vontade).

Termo de Intenção ou Escritura Pública, assinado por duas testemunhas.