setembro 11, 2023

FERNANDO BIRRI

Arquivo Tete Kerbes: Arroio do Meio, 1956. 


 “A utopia está lá no horizonte.

Me aproximo dois passos,

ela se afasta dois passos.

Caminho dez passos

e o horizonte corre dez passos.

Por mais que eu caminhe,

jamais alcançarei.

Para que serve a utopia?

Serve para isso:

para que eu não deixe de caminhar.”

CADERNO DE ASSENTAMENTOS


Ontem falaram que o rio subiu muito. Cobriu quase toda a maxambomba. Desabrigou muita gente. Há quantos anos o Taquari encharca  a terra e lava até as raízes das Paineiras? Como se a gente não soubesse que enchente é moeda de troca para os políticos promoverem a "bondade". Leio no calendário Fischer, no mês agosto, uma epígrafe da Madame de Scudére: "as ações  sempre foram e hão de ser sempre mais sinceras que as palavras." E não é? -  p. 204.

DO MEU BLOQUINHO

1967. Depois do tufão, uma enchente no potreiro do canal.

*

 O vale deixou de ser lajeado pra ser aguado. Na foto antiga, a prova que sempre vivi a enchente. Fui sua cria. Agora, a destruição muito mais violenta. As águas cresceram, são adultas. Ou, os olhos da infância não percebiam a tristeza e o desespero.  Diz o escritor Eduardo Galeano que a memória guardará o que valer a pena. Que a memória sabe de mim mais do que eu e que a memória não perde o que merece ser salvo. Vidas, quase 50 e outros tantos, desaparecidos. Porque bens um dia se repõem: a rodoviária. A escola. O hospital. O moinho. O curtume. A olaria. O clube. O banco. A praça. A farmácia.  A casa do seu Durvalino, a casa da dona Iméria que viram telhados subirem em outros telhados. Escadas que não levam a lugar algum. Paredes sem quartos. Templos sem Cristo, dessacralizados. Árvores de raízes nuas. Cães desnorteados. Os fios dos postes como varais de espectros. Novas colinas de solidariedade surgiram: de roupas, calçados, cobertores, de água, de material de limpeza, de comida. Mas também de escombros enlameados. Os donativos não param de chegar e tem voluntário que se acha mais voluntário que outro. Pessoas que vagam desnorteadas, e quando o rio se acomodou no seu leito de vida, as águas dos olhos, de espanto, dor, medo e desesperança. Você não viu, porque você continuou na sua bolha confortável e quentinha. Você não mexeu um dedo porque você é bom de vomitar preconceitos e fazer montagens fotográficas.  E eu? Eu sei que não adianta soprar em flauta rachada. E não devo perder tempo com quem não tem leitura. Veja as psicólogas e veterinarias: boas para criar fraudes e exibir em suas redes. E chegaram os políticos para trazer alento e quem sabe grana, mas recebidos com pedradas online. E eu perdi as estribeiras. E eles perderam também. E o ódio bateu no portão. E vi uma arma que gritava vaca, puta, tu vai ter o que merece. E vi o dono do restaurante japonês fugir.  Sim, a enchente deixa todo mundo abobado, mesmo. E uns, de espumar de raiva. Muito loucos no terceiro vale mais fértil e triste do mundo.

CRISTO, FALA


Sua verdadeira face? Esse encontra-se no Mosteiro de Santa Catarina, no Sinai, Egito -  um presente do imperador Justiniano em algum ano entre 501 a 600 anos d.C. Os cristos redentor e protetor, ocidentais, de cimento, espalhados pelo mundo, não correspondem a verdade. E esse? Também não. Mas me parece com mais importância histórica. 
 


 Nesse ultimo finde, a produtora cultural Maria Eugênya, no Twitter, postou que as lojas Riachuelo  botou à venda um modelito  muito parecido com o uniforme dos judeus nos campos de concentração nazistas, durante a 2ª Guerra.

Na legenda, ela diz:

 “O uso da estética violenta (holocausto, escravidão) pra gerar polêmica é uma das faces do marketing, não é novidade. Mas insisto que conhecer a história e a construção de pensamento crítico e preservação da memória falta pra muita gente ter no mínimo vergonha de achar isso aí ok.”

Como se sabe,  o dono da Riachuelo é bolsonarista. Não tem porque se espantar.