março 15, 2022

MIGUEL GANE

 



ARDE

"Não, quietinha não ficas mais bonita.

És linda quando lutas,

quando brigas pelo que é teu,

quando não te calas

e tuas palavras mordem,

quando abres a boca

e tudo arde ao teu redor.

 

Não, quietinha não ficas mais bonita,

ficas um pouco mais morta,

e, se algo sei sobre ti,

é que não vi ninguém,

jamais,

com tanta vontade de viver.


Gritando."

 


ORLANDO BRITO

 


“O INSTANTE PRECISO”

Sexta-feira morreu o fotógrafo Orlando Brito.

Aquariano dos bons. Dos muito bons! E mineiro.

Li que chegou a Brasília antes da inauguração. E foi por acaso que se viu um artista fotojornalístico com uma baita intuição!

Por suas lentes passaram todos os presidentes brasileiros desde Castelo Branco ao inominável de hoje.

“Seu trabalho abrange os temas da política e da economia, questões sociais, da vida urbana e do interior, terras, índios, esportes e, enfim, todos os assuntos.”

Um cara que viu tantos presidentes, milicos e civis, ainda teria muito pra contar, uai.

PREMIOS:

World Press Photo do Museu Van Gogh, de Amsterdã, na Holanda.

11 vezes, Prêmio Abril de Fotografia, inclusive o de Hors-Concours.

Prêmios de Aquisição da I Bienal de Fotografia do Museu de Arte de São Paulo-MASP e da Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba.

Tem suas obras no acervo de colecionadores institucionais e privados:

 Coleção Pirelli, do Museu de Arte de São Paulo-MASP; o Museu de Arte Moderna-MAN, do Rio de São Paulo; o Instituto Moreira Salles; a Enciclopédia de Artes Visuais do Instituto Cultural Itaú. E, ainda no Museu Georges Pompidou, de Paris.

Realizou inúmeras exposições individuais, publicou vários livros de fotografia.

Morreu jovem. Aos 72 anos.

“Fotografia não tem culpa.

São derivadas de algo existente,

são reproduções de algo visível.

Não se fotografa o nada.”

A passagem de Orlando Brito nesse inferno que vivemos não foi em vão.

1950-2022

Conheça um pouco da sua obra aqui:

https://o-brito.lojaintegrada.com.br/

https://orlandobrito.com/

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Itamar
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Dilma
O golpista
O inominavel
























CHARLES KIEFER

 

Ilustra by Marcelo Chamorro

“A angústia de escrever talvez advenha daí, dessa encruzilhada, dessa cicatriz e dessa impossibilidade de se permanecer escritor por muito tempo.

Não será por isso que o fluxo de consciência é tão prazeroso? Porque, em certo sentido, o fluxo, ao fazer jorrar o material inconsciente, é capaz de prolongar a duração do escritor e manter afastado o autor.

O autor, ao contrário do escritor, corre rapidamente em direção a outra mutação – transforma-se no profissional de literatura, no cronista, no contista, no romancista.”

* O escritor gaúcho Charles Kiefer é autor de Um Outro Olhar (1992), Museu das Coisas Insignificantes (1994), A Poética Do Conto (2004), uma coletânea de ensaios Para Ser Escritor (2010).Conquistou diversos prêmios literários, e  duas vezes o Jabuti.

ALVARO SANTI


 

Um domingo entre Lacônia e alguns livros

Hoje minha filha Clara veio almoçar comigo.

Após matar a fome e a saudade, entre o café e a sobremesa, assunto vem, assunto vai, mostrei pra ela um dos livros que ando lendo, “Engole esse choro”, da Laura Peixoto, “uma das pessoas que faz aquelas lives comigo, lembra?”

Aquela conversa de pai enchendo o saco para os filhos largarem o celular e lerem mais livros, sabe como é?

Falei que estava gostando porque apareciam cenas e personagens que me eram familiares, numa época em que eu era ainda muito criança pra entender qualquer coisa. Era como se alguns véus que cobriam aquela sociedade bastante fechada fossem erguidos. Nem todos, é claro.

Eu me referia especialmente à política e às consequências da ditadura de 1964, assuntos sobre os quais era recomendável calar, na minha casa e na cidade inteira. Pessoas que eram presas ou fugiam, denunciadas por vizinhos, com razões não muito nobres. Mas também as novidades do mundo globalizado: o rock, os cabeludos, as drogas...


Para ilustrar o contexto, falei para a Clara sobre o lajeadense Flávio Tavares, a quem fui apresentado em 2000 e que ao ouvir meu sobrenome logo perguntou pelo meu pai, de quem tinha sido colega de aula. Mostrei a ela o seu tocante livro “Memórias do Esquecimento”, e resumi como pude a biografia do autor, comentando que até hoje eu nunca vira um gesto de reconhecimento a esse notável homem público, escritor e jornalista por parte de sua cidade natal; e o que sua família deve ter sofrido na época.

 Lembrei até de contar à Clara (que é vegana) um detalhe específico do livro: o autor deixou de comer carne e relacionava essa decisão com a experiência de ter sido torturado.

Por tabela, lembrei logo de outro personagem que veio de lá do interior das grotas de Lajeado, que de colono virou marinheiro e depois guerrilheiro:

Avelino Capitani, que foi homenageado em uma canção de Jorge Benjor e também narrou sua história incrível em “A rebelião dos marinheiros”. Dele tampouco ouvimos falar em Lacônia, ontem ou hoje.

A folhear o livro do Flávio, Clara topou com seu sobrenome do meio, Hailliot, e contou que tinha estudado numa cadeira da faculdade a vida de uma certa Malvina Hailliot, de quem a sua professora era fã. Logo lembrei que tinha lido esse mesmo sobrenome no livro da Laura, e saquei que ela queria se referir à família do Flávio, mas como livro em papel não tem Ctrl+F já não achei em que passagens o personagem aparecia.

A Wikipedia veio em nosso socorro para ensinar que Malvina, uma professora ousada e à frente do seu tempo, dita anarquista, era avó do Flávio e tinha morado logo ali, em Cruzeiro do Sul. Ainda mostrei pra Clara umas fotos do famoso casarão dessa cidade, onde devo tê-la levado algum dia, quando criança, e fizemos planos de ir almoçar lá qualquer dia.

E finalmente, voltando ao início dessa viagem aonde a memória e a imaginação nos levaram, lembrei que a Laura mencionou que estava pesquisando sobre a vida dessa mesma Malvina.

Na mesma noite, terminei a leitura de “Engole esse choro” e já estou esperando o próximo livro dela.

MARCO DE ANGELIS