novembro 21, 2009

CLARICE LISPECTOR

Photo by Robert Doisneau

"Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. Minha pequena projeção fere o meu pudor. Inclusive o que eu queria dizer já não posso mais. O anonimato é suave como um sonho."
Crônica Anonimato
10.02.1968




Ilusão, pura ilusão! Tudo é ilusão.

O título é a tradução mais real para Vanitas vanitatum, et omnia vanitas para o versículo da Bíblia, no Eclesiastes - leio no livro "Reflexões sobre a vaidade dos homens" de Matias Aires.
Penso nisso quando vejo a matéria da Pita no A Hora. Essas entrevistas massageiam o ego...
Agora é difícil não associar com o que leio:

"É impossível viver em sociedade sem representar de vez enquando a comédia." - Chamford

Para a próxima quarta-feira, minha crônica trata da vaidade. Vai ser gozado... Primeiro, a vitrine nas paginas do jornal, depois minha impressão sublinhada pelo escritor português:

"É preciso que sejamos loucos e que deixemos muitas vezes a realidade das coisas, só por seguir a aparência e a vaidade delas." - Matias Aires

... e Pita voltou para o Informativo.
Por vaidade?
Ou ilusão?

novembro 18, 2009

CHARLES BUKOWSKI

Photo by Andre Kertesz




"mas se as vejo muito seguido
eu fico doente. É difícil alimentar
sem ser alimentado."




as últimas jabuticabas me comovem...

arquivo pessoal
*

e agora só na próxima estação. a estação que está por se inventar. por enquanto não tenho vontade ver ninguém. escutar ou falar. também existe sol na solidão e durante alguns dias quero o calor de meus próprios pensamentos. não quero dividir. quero ser mais egoísta possível: o meu ar, o meu tempo de pés descalços na grama. não tenho interesse em outras opiniões. fico com as minhas, vazias. mediocridade por mediocridade confabulo com essa que já entendo, que sei como lidar quando reconheço seu choro e as causas do vômito. e sei que tudo pode ser bem real. sim, estou prenha de um gnomo. um ser defeituoso, que carece de afeto. não penso em aborto, embora tenha medo de parir algo mais disforme do que eu possa suportar. o tempo mudou e as chuvas de primavera ameaçam minha sanidade. irritante, o telefone toca e ninguém atende. e por hoje é isso.

novembro 17, 2009

FERNANDO PESSOA

Photo by Pedro Lopes

Chove. Há silêncio


Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva

Não faz ruído senão com sossego.

Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva

Do que não sabe, o sentimento é cego.

Chove. Meu ser (quem sou) renego…
Tão calma é a chuva que se solta no ar

(Nem parece de nuvens) que parece

Que não é chuva, mas um sussurrar

Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.

Chove. Nada apetece…


Não paira vento, não há céu que eu sinta.

Chove longínqua e indistintamente,

Como uma coisa certa que nos minta,

Como um grande desejo que nos mente.

Chove. Nada em mim sente…


RECEITA PARA LAVAR PALAVRAS SUJAS

Lavadeira por Tina Modotti - 1927



Mergulhar a palavra suja em água sanitária.
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio-dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.
Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.

Dizem que limão e sal tira sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.

O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.

Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.

O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.

Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.

Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.

Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.

Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos.
À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.

Uma palavra limpa é uma palavra possível.



Autoria pressuposta: Viviane Mosé