maio 02, 2010

OS VELHOS CANTAM LADAINHAS E ORAÇÕES...


... contra males e bruxarias:
*
“Deus que te deu,
Deus que te criou,
Deus que te tire o mau olhado que contigo entrou,
pela graça de Deus e da Virgem Maria,
reza-se um Pai Nosso e uma Ave Maria.”

FILOSOFIA DE QUITANDA

O preço da batata disparou e a senhora no caixa suspira: antigamente era melhor. Era?
Era mesmo? – não posso deixar de pensar enquanto escolho um maço de rúculas e separo tomates envenenados e cor de laranja.

Antigamente, todo mundo tinha um canteirinho nos fundos de casa com alfaces livres de qualquer química. Hoje não existem fundos nem casa.
O que será que aquela senhora quis dizer com “antigamente”? Seriam anos 50, 60 ou 70? Nos tempos da valsa ou do tango ou da bossa-nova?

Cada um tem seu “antigamente” bem interiorizado: o meu foi quando o americano desceu na lua e as mulheres deixaram de ser apenas professoras e balconistas e resolveram assumir outras profissões mais, digamos, masculinas. Em seguidinha chegou a pílula na farmácia do seu João e aí tudo descambou como o preço da batata lá nas alturas.

Antigamente era melhor? – examino um brócolis japonês e mutante.
A confiança no fio do bigode, na figura paterna e no professor Haetinger. Não se questionava nem a Igreja - até que chegou aquele baiano magro cantando num festival “é proibido, proibir” para escândalo de todos na colônia. Alguns assimilaram.

Entra na fruteira uma mulher bonita, malhada e todo mundo suspira - antigamente o corpo também era mercadoria? Desculpe, mas ninguém quer passar por invisível na sociedade. Taí os BBB que não deixam dúvidas.

Quanto custa o kilo do mamão papaia? – pergunto para a moça no caixa enquanto confiro com inveja as carnes rígidas da morena. Ai, tanta academia, dietas, botox e ninguém pensando em se conhecer melhor, em auto-conhecimento. O que vale é o corpo, a imagem e o bolso e eu encolho a barriga automaticamente, jurando voltar para a Àpis ainda essa semana.

Putz, talvez antigamente fosse melhor mesmo, porque hoje quem manda é a propaganda na tevê impondo como ser feliz bebendo redondo, usando aquilo “que todo mundo usa” e vivendo a beleza do amor incondicional da Avon. Até parece que a gente é um traste mercadológico que não percebe nem sente nada. Ahã, a gente não quer ser; a gente quer parecer. Então, com que corpo eu vou para a balada hoje à noite, querida berinjela?

Andamos tão fúteis e ocos, tão pobres de espírito, com todo mundo sabendo da vida de cada um e passando adiante intrigas e fuxicos. Ah, se o cérebro pudesse ver sua imagem vazia no espelho, tão sem sentido na vida. Ah, e se ainda usassem a língua para exigir e cobrar das instituições os nossos direitos.

Antigamente era melhor?
Muitas dúvidas e o medo dos moranguinhos de estufa, grandes e falsos e ainda por cima com gosto de isopor.

Resumindo: não é tempo de consumir batatas.

Melhor, aipim.


* minha crônica nos jornais A Hora e Opinião desta semana.



ECHO AND NARCISSUS

John Waterhouse

.tô chegando a conclusão que blogues são as águas de narciso. ta demais, demais, demais - diria Eco. entro em alguns e o refrão umbilical é “eueueu” - tudo divino e maravilhoso atenção pra esse refrão cantava a gal. a conotação naqueles tempos soava diferente: é preciso estar atento e forte, não temos tempos de temer a morte. e o pau comendo nas esquinas capitais, enquanto a colônia se preocupava com baile de debutantes. acho q é por isso q ñ evoluí. por causa da eterna organza rendada ao redor. mas, hj os narcisos escrevem de frente para o visor q devolve o reflexo da imagem q tecla. tem gente q se ama mesmo. coisa doentia? olh’qui eu divino maravilhoso enquanto a terra desaba, o verde desbota e o amor se diluí como zygmunt tão bem escreveu. deixa pra la. ontem? sentada na frente do fdp racista, com o destino coçando meus pés, não sabia se ignorava tudo ou se chutava minhas próprias canelas. segui a intuição. saí de lá com hematomas. nada q um hirudoit não desmanche. ñ posso me responsabilizar pelas decepções dos outros. minha vidinha já tá um caco e eu só penso em ir embora. a obsessão escraviza e suspiro fundo sem perspectivas. “precisa arranjar um amante” ela disse: “um eiro. pedreiro, carpinteiro, jardineiro, porteiro, marinheiro. esses trepam bem. intelectual não sabe trepar. só teorizam e se masturbam psicanaliticamente.” de novo essa lenga? e os coveiros, pensei. escolher, fazer opções dá uma angustia, a úlcera só cresce. cada escolha uma responsabilidade. caralho. nem o eu-fantasma suportaria o peso do amante eiro. falar nisso na minha rua, quase todos os dias, passa um trapeiro fora do ar. ele atravessa as esquinas falando em voz alta num celular durante todo o tempo. já segui o cara para entender seu monólogo sem eco mas ele mistura as lógicas o tempo todo e gesticula com o outro braço feito hélice. um novo estranho que surge na colônia. ainda bem q existe o celular pra aliviar a solidão dele - mesmo não funcionando. sartre já dizia q o outro é o eu q não sou eu. na próxima vez q o outro passar por aqui vou pedir uma informação qualquer. quero ver se ele “desliga” o celular-mudo, atravessa a ponte q nos separa e fala comigo. também vive esse outro feito narciso. só q alucinado de verdade e enamorado de si. da sua voz no celular? sim, tem tantos ditos normais q adoram ouvir a própria voz. sei pq tenho dois pinicos em vez de ouvidos.