Guardachuvadelaura
maio 02, 2009
Fabula da sereia e os bêbados

Todos estes senhores estavam lá dentro
quando ela entrou completamente nua
Eles tinham bebido e começaram a cuspir nela
Ela não entendia nada, acabava de sair do rio
Era uma sereia que se tinha extraviado
os insultos corriam sobre a sua carne lisa
A imundície cobriu os seus peitos de ouro
Ela não sabia chorar por isso não chorava
não sabia se vestir por isso não se vestia
Tatuaram-na com cigarros e com rolhas queimadas
e riam até cair no chão da taberna
Ela não falava porque não sabia falar
Seus olhos eram da cor de amor distante
(...)
E de repente saiu por essa porta
Mal entrou no rio ficou limpa
Reluziu como uma pedra branca na chuva
e sem olhar para trás nadou de novo
nadou até nunca mais, até morrer.
Pablo Neruda
1958
O LEITOR QUE VIRÁ...
Culpas. A Alemanha expia as suas. Em “O Leitor” o jovem Michael mergulha num lago buscando um recomeço, uma nova vida, expurgando suas decepções, o passado recente.
O ano é 1958, o que me deixou muito perturbada.
O tema é um acerto de contas com a história. O meu tema...
“Todos sabiam” grita o colega de Michael “Nossos pais, os professores...”
Fiquei impressionada com o eco de meu próprio trabalho. É muita coincidência.
Também dias atrás escutei na Gaúcha que estão preparando um documentário sobre esse período na voz de seis personagens. Usaram os mesmos princípios de pesquisa: entrevistas, jornais, filmes, chegaram a citar os concursos de miss... Com uma diferença: eles sabiam e os meus personagens juram que não. E por nada saberem resta a vergonha.
Negam sua omissão histórica.
A impotência não carrega culpa; a alienação, sim.
Em 1992 fiz uma Oficina de Criação Literária.
Escrevi na época um conto sobre esse período. O coordenador disse que não tinha relevância, que era muito pontuado pela época. Desanimei. Sem encorajamento, não levei adiante.
Agora, me proponho fragilmente a resgatar.
Por tudo isso, “O Leitor”, com o ator revelação, o alemão David Kross, com a interpretação comedida de Kate Winslet e a boa surpresa da participação de Bruno Ganz, foi o filme da hora: preciso levar adiante meu projeto. Rever essa geração que descobria o sexo, as drogas e o consumo desconhecendo a obscura história a tão poucos quilômetros de distância...
Com tudo que tenho no sótão e no coração, embaralhado, impreciso, fantasioso e verdadeiro, filmes, cartas, o lúdico e o cruel, descascar a cebola como escreveu Günter Grass, mesmo que a minha cebola seja pequena e suas escamas mais superficiais.
Um canivete, por favor.
abril 29, 2009
EGITO GONÇALVES

dia a dia no tédio dos cafés
por aqui andaremos até quando
a fabricar tempestades particulares
a escrever poemas com as unhas à mostra
e uma faca de gelo nas espáduas
por aqui continuamos ácidos cortantes
a rugir quotidianamente até ao limite da respiração
enquanto os corações se vão enchendo de areia
lentamente
Dias de sol...
Calientes dias e a casa uma bagunça, a geladeira vazia, tulha cheia e eu apaixonada pelo um blog de um português: suas construções poéticas, suas imagens musicais. Chupando tudo e egoisticamente solapando daqueles que poderiam se interessar.
“Solapar”? Mas de onde tirei isso? Zeus, que dinossaura.
Por falar nisso, ontem encontrei um colega de colégio. De qual? Não sei mais, não importa. Vi o Ito sentado no fundo da sala, quieto, abrindo a boca só quando questionado e avermelhando das bochechas até as orelhas. Sempre simpatizei com aquele silêncio do Ito. Nos encontramos em frente do elevador. Sorri e fui logo largando: Que prosperidade, hein? Ou algo assim, em todos os sentidos de sua vida.
Ele sorriu e gentilmente disse que eu não tinha mudado. Sei. Continuo a mesma bocuda, acabava de completar a prova dos nove com aquele meu comentário impulsivo. E ele então lembrou que no colégio eu dizia para os professores o que muitos queriam dizer e não tinham coragem.
É? Tu lembra disso?
Lembro, respondeu.
Eu só recordo que os professores me botavam pra fora da aula e depois precisava assinar termo... E ao chegar em casa mais um berro para a coleção de gritos e surras.
Hoje o Ito deve ter conta no exterior, perdido um pouco na bolsa e a bocuda no miserê sem bolsa nenhuma. Dias de sol. Calientes dias...
abril 28, 2009
abril 27, 2009
Y LOVE FRIDA
Ontem assisti no Canal Futura um documentário sobre a pintora Frida Khalo. Já li muito sobre sua vida ingrata, apesar das viagens, das paixões, do sucesso. Apesar da rebeldia e orgulho de sua latinidade. Apesar das dores e traições. Física e espiritual.
Em julho deste ano completa 55 anos de sua morte.
Khalo casou duas vezes com Diego Rivera, namorou Trotski e outras mulheres.
Sua obra, dizem, antecipou-se ao movimento surreal. Não pintava sonhos, pintava sua própria alma.
Listem dez ícones femininos do século XX. Magdalena Carmen Frida Kahlo, com certeza faz parte dessa lista por sua garra, coragem e criatividade, por ter feito da dor sua impactante arte.
Em 2007 festejaram o centenário de seu nascimento.
Não vi nada por aqui.
BOA SORTE...
Agora me disseram que ele vai embora de Lajeado.
Abandona de vez esse cu de cidade que tão mal lhe tratou. Parte para começar uma nova vida em outra cidade. Morar perto de um filho que também seguiu a mesma profissão do pai.
Um homem que trabalhou durante anos nessa cidade, que foi perseguido nos anos 60, que foi menosprezado pelos colegas de profissão e que viu seus amigos partirem ou, pior, se afastarem por intrigas e preconceitos.
Agora me disseram que ele vai embora de Lajeado.
Começar uma vida nova aos 80 anos.
Que me sirva de lição e de exemplo.
E se por acaso alguém estiver lendo, que sirva para você também: sempre é hora de recomeçar um novo projeto, outro estilo de vida, um novo romance.
Com as lembranças a gente se vira: escreve blog, revisa diários, olha fotos antigas, aspira perfumes por aí... Recria novas lembranças.
Cerca de um mês atrás procurei por dr. Feier no seu consultório.
Ele me recebeu com muita simpatia e conversamos por alguns minutos depois de minha consulta. Quando saí, o seu consultório estava cheio.
Fiquei de voltar.
Perdi a vaga.
E ele se foi.
E eu continuo copa e raíz.
Caralho.
* Ilustração de Jorge Mayet
Fábula da morte?
"Era uma vez um pequeno coelhinho que queria fugir.
E disse à mãe que ia fugir.
A mãe respondeu que se ele fugisse, ela iria atrás dele, pois ele era o seu coelhinho.
O coelhinho disse que se ela fosse atrás dele, este tornar-se-ia um peixe num rio e nadaria para longe dela.
A mãe respondeu que, caso ele se transformasse num peixe, ela tornar-se-ia pescadora para o pescar.
O coelhinho disse que se ela se tornasse pescadora, este transformar-se-ia num pássaro para voar para longe dela.
Ao que a mãe respondeu que se ele voasse para longe dela, ela transformar-se-ia na árvore à qual este sempre regressaria..."
Margaret WiseBrown, autora do livro infantil "O Coelhinho Foragido", de 1942.