fevereiro 11, 2010

MADIBA in INVICTUS

Sou o senhor do meu destino,
Sou o capitão da minha alma.

DIVAGAÇÕES 40º...

Cinema é na capital.
Saio de um e entro no outro.
Depois quando volto para a realidade o ar não é refrigerado e alguém desligou a trilha sonora.
Numa das salas só eu e o casal dono do cinema.
Na outra, sozinha.
Sensação milionária com uma sala de projeção exclusiva.
Delícia.
Por aqui, desisti do mukifo no shopping.
Por falar em mukifo...
Minha turma dos anos 70... sacaneando com o fotógrafo Sebaldo!

... taí o carnaval de novo.
Taí essa pobreza de chorar tentando colorir o funesto carnaval de rua da minha cidade.
Terrível e desanimador.
Ah, não posso dizer isso? Não posso escrever?
E pensar, pode?


A questão não é achar um culpado: ta no DNA desse povo que sempre assistiu aos desfiles com uma empolgação de derrubar o mais esforçado puxador de samba.


Até hoje o comunicador se esguela no microfone: “vamos aplaudir, minha gente!”


No passado existiam quatro escolas que se esmeravam nos brilhos, no enredo, nas fantasias. Era a classe média e alta exibindo para a colonada a criatividade e o luxo, um luxo que acabou matando o carnaval – dizem.


A minha escola era mais modesta e reunia um pessoal ...ãnh... digamos alternativo, mas igualmente alienados. E ainda por cima nos chamavam de galinha, pode?

Pode.


A gurizada cresceu, os que carregavam mesmo as escolas nas costas desanimaram e ninguém se preocupou em passar o bastão para a pentelhada que vinha atrás.
Os pais não souberam transferir o seu prazer com o carnaval para os próprios filhos.
Hoje, na cabeça da gurizada Carnaval é verão e verão é Xangri-lá...


O povo?
Coitado do povo...
Não consegue se emocionar nem sonhar com o carnaval acinzentado da cidade pujante. Que carnaval é isso: fantasia. E às vezes um pouco de lança. Ou lance?
Cada gerente de bloco ou escola esta mais preocupado é com a grana que vai embolsar através do incentivo cultural e da premiação. Isso é tão antigo...

Coitado do povo. Só si fódi.

Mas também, quem manda não reclamar?


* JUNTANDO AS ESCOVAS...


Fiquei olhando as imagens de um casamento na vitrine do fotógrafo.

Os olhares felizes para o olho da câmera.
A noiva com os braços finos e os dentes brancos.
O noivo, de colarinho apertado, com as primeiras rugas na testa.
Melhor: marcas de expressão.

Corta: adivinhe quem escreveu essa sentença?

“A loucura e a razão estão perfeitamente delimitadas.
Sabe-se onde uma acaba e onde a outra começa.
Para que transpor a cerca?”

Corta e volta para a vitrine: não é insensatez rasgar dinheiro em festas onde a maioria sai dali criticando o vestido da mãe da noiva, a comida e o DJ?

Tem gente que chega a vender o carro para pagar a champagnhe da festa.

Tem noivo que nunca dançou na vida mas se expõe ao melodrama de um tango ensaiado.

Tem noiva racional que não tem amigos para convidar mas conhecidos para compor o álbum de fotografias.

Ah, casamento é do tempo do amor romântico: as pessoas se apaixonavam, casavam e aí conferiam a conta bancária. Discretamente.

Hoje não.
Começa pelo fim e muito abertamente: conta bancária, casamento, talvez a paixão.

Como disse brincando, mas disse, Maitê Proença num programa de tevê: “Eu só me apaixono por caras ricos!”.
Ao que retrucou a jornalista, Mônica Valdvogel: “Casamento é business: amor + dinheiro. Amor romântico só nos livros.
Uma brecha para a filósofa Márcia Tiburi: “Casam na igreja, mas não tem fé. Como aqueles que cursam uma faculdade, mas não tem educação, cultura.”

Opa, passou um filme na minha cabeça...
Mas também pensei nas amigas solteiras, separadas e viúvas: todas procurando um companheiro para dividir não só as contas, mas principalmente a solidão.

Como se não existisse a solidão a dois: dois computadores, dois televisores, dois quartos e cada um vivendo a sua vida, dividindo alguns amigos, se apoiando para esporádicos jantares de casais.
Casamento de vitrine: no apagar das luzes é preciso encarar o escuro do vazio a dois. As pessoas esquecem que conviver implica em intimidade. Coisa que nem sempre resiste a benção do padre.

Casamento como tábua de salvação ficou para trás, comentam elas enquanto jogam canastra nas terças-feiras.
Hoje a mulher se sustenta, paga sua própria cerveja, comanda seu destino e até filho pode ter sem a presença física do homem. Estão aí os bancos de esperma.
Elas se olham, concordam mas dizem que para facilitar o jogo um curinga sempre vem bem.

Odete está de casamento marcado com o Elísio.
Todas nós sabemos que Odete jamais olharia para um cara como o Elísio, feio, gordo e sem humor, se ele não tivesse o carrão e os cartões de crédito que tem.
Pior foi a Adelinha: casou, embarrigou e depois deu um pontapé no Wilmar, que paga uma bela pensão até hoje e ainda foi obrigado a deixar a linda casa para a ex que agora curte um garotão. Babaca, claro.

Sabe quem escreveu a frase lá em cima?
Machado de Assis.
Bárbaro, não é?
E ainda existem aqueles que insistem em transpor a cerca ao som de Ave Maria de Gounod.
* Minha crônica semanal publicadas nos jornais Opinião, de Encantado e A Hora, de Lajeado.

fevereiro 08, 2010

VINICIUS DE MORAES

"Quem de dentro de si não sai,
vai morrer sem amar alguém.”

CRUZ ALTA, ARRANCA, PISCAR...


arquivo pessoal
arquivo pessoal
*
Tô muito nostálgica mesmo...
Só quero relembrar meus anos dourados em Cruz Alta.
“Somos o que recordamos” escreve o pesquisador Ivan Izquierdo citando o filósofo Norberto Bobbio no artigo da ZH de hoje.

Graças a Zeus!

Enquanto as amigas passavam os verões em Xangri-lá, eu dourava a epiderme na beira da piscina do Clube Arranca, que tinha um trampolim de três andares. Era o máximo! Lembro até hoje do cheiro de cloro e do abafado vestiário do Arranca; da borda ao redor da piscina acimentada, sem azulejos; do frescor do matinho na entrada do Clube; de uma mesa de ping-pong numa área de lazer nunca terminada...


arquivo pessoal
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Pois, meu último verão em Cruz Alta aconteceu aos 13 anos. Nessa idade endócrina e de cabelos alisados descobri que a paixão pode acontecer simultaneamente com diversas espécies do gênero masculino. Então, foi um deus me acuda...

Carrego a culpa, assim como minhas primas talvez, que a casa do vô João foi vendida e nossas férias encerradas em definitivo, porque havíamos descoberto que nem só de orelha suja e nariz ranhento viviam os meninos.

Não havia mais tempo para ler. Não havia mais tempo para refletir em cima das jabuticabeiras.
Era tempo de agir e as guerrinhas de abacate podre cederam lugar aos amassos atrás de uma touceira de ananás.
Falo em ler porque antes dos 13 anos tracei tudo que tinha para ser folheado num quartinho, cuja janela desbeiçava no telhado. E li quase tudo de Monteiro Lobato, sendo a identificação com a boneca Emília total.

Como são as coisas... Navegando na internet, descubro - embora realmente não me lembre - que a boneca de pano desdenhava doutores e os sabichões, apesar de citar nas sua Memórias um filósofo que diz que filosofia " são coisas elevadas que os outros julgam que entendem e ficam de olho parado, pensando, pensando".

E o diálogo com o Visconde de Sabugosa?

“...a vida, Senhor Visconde, é um pisca - pisca.
A gente nasce, isto é, começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.
A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas.
Cada pisco é um dia.
Pisca e mama;
pisca e anda;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria filhos;
pisca e geme os reumatismos;
por fim, pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre - perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?”

Ai... Será que pisquei bastante? O suficiente?
Escreve ainda Izquierdo: “Por isso é tão desolador perder memórias, e nos preocupa tanto: porque perdemos parte do que nos pertence, parte de nós.”

Nunca posso esquecer de piscar!

OS IMPERDOÁVEIS

Em maio ele completa 80 anos e em função da data longeva e profícua assisti um documentário na tevê sobre a vida de Clint Eastwood. Entre tantas lembranças, o ator cita o faroeste Os Imperdoáveis, de 1992. Corri para a locadora.

Filme americano, faroestão, não é a minha praia. Um dos raros foi na época da faculdade de jornalismo na Unisinos: Era uma Vez o Oeste e assim mesmo por sugestão e insistência do meu professor da cadeira de Cinema. Lembrava pouco, apenas do longo plano fechado nos olhos verdes de Charles Bronson e a bela trilha sonora de Ennio Morricone que depois quase se repetiria em Era uma vez na América.
Taí três excelentes sugestões para quem vai curtir o feriado de carnaval embaixo de um ventilador ou split.

Mas Os Imperdoáveis é um baita filme. É do tempo em que mil dólares era uma boa grana. “Este filme ameaça quebrar todas as regras do gênero faroeste. O velho Oeste é retratado sem romance, sem glamour e a violência é mostrada em toda sua crueza.” – diz o diretor, o próprio Clint.
Verdade, a cena do herói caído na lama do chiqueiro dá o tom da decadência do pistoleiro aposentado e o tombo no cavalo é humilhante para qualquer caubói durão.


O filme tem uma bela direção de arte e a trilha sonora é de dar um nó na garganta. Gene Hackman, numa excelente atuação de xerife vaidoso e sádico, ganhou um Oscar naquele ano; também traz Morgan Freeman que eu adoro e ainda apresenta um viés revisionista do feminismo através das prostitutas do Saloon, aliás, algo bem inusitado nas pradarias do Arizona hollywoodiano.

É um filme que se preocupa com detalhes. E estes fazem toda a diferença, permitindo que a magia do cinema aconteça, nos libertando por uns instantes dessa vidinha entediante para uma viagem no Tempo, nesse caso, nos tempos das diligências.


Detalhes significativos como silêncio e horizontes e coadjuvantes: “Eu sempre sinto que nos filmes, os papéis menores são o termômetro. Os papéis maiores você pode garantir, mas os papéis menores é que sustentam tudo.” – confessa Clint Eastwood.
Sim, esses papéis menores dão credibilidade ao filme e fazem a gente esquecer a própria insignificância quando depara com o reles aspirante a caubói, Schofield Kid, que parte atrás de uma recompensa, atraindo o velho Munny para um confronto com seu passado degenerado, onde a “a violência corrompe a alma”.

Após este filme, Clint chegou a pensar que seria o último filme em que atuaria como ator. Não foi, já comprovado em Gran Torino.
Se você é daqueles que também assiste os créditos, descobrirá que Os Imperdoáveis foi dedicado a Sergio e Don.
Adivinha?
Sergio Leone, o diretor de Era uma Vez o Oeste.