junho 30, 2010

RALPH WALDO EMERSON

Photo by Muhammed Muheisent

*

Estamos sempre nos preparando para viver,

mas nunca vivendo.

DO MEU CADERNO DE EMBAÇAMENTOS...

1 - Quantas vezes a gente pode fracassar? Muitas vezes. E quantas vezes a gente pode desistir? Nunca. E quantas vezes a gente pode recomeçar? Sempre.

Obrigada espelho meu. Então? Fodam-se. Obrigada.


2 - Em tempo de msn e fotolog não levamos uma vida muito artificial?

Totalmente. Então? Você se fode. Obrigada.


3 - Enquanto gasto o tempo escrevendo. Duas ou três horas. Não posso deixar de pensar que são verdadeiramente duas ou três horas que estou deixando de viver. E que as melhores personagens estão lá fora esperando pelas minhas ficções. Então? Fudida? Isso. Obrigada.


4 - Dez e meia da noite. Sem foda. Obrigada.

BOLÃNO

Quando vivo, perguntaram ao escritor Roberto Bolãno, autor de Putas Assassinas, quais eram os cinco livros de sua vida. Ele respondeu que eram cinco mil: “Menciono estes só à ponta de lança ou por uma representação perversa.”


O Quixote, de Cervantes.
Moby Dick, de Melville.
A Obra Completa, de Borges.
O Jogo da Amarelinha, de Cortázar.
A Confederacy of Dunces, de Kennedy Toole.
Nadja, de Breton.
As cartas de Jacques Vaché.
Todo Ubú, de Jarry.
A vida, instruções de uso, de Perec.
O Castelo e O Processo, de Kafka.
Os aforismos de Lichtenberg.
O Tractatus, de Wittgenstein.
A invenção de Morel, de Bioy Casares.
Satiricón, de Petronio.
A Historia de Roma, de Tito Livio.
Os Pensamentos, de Pascal.


* Desta lista só li dois. E não lembro de nada.

URGÊNCIA

- Tô com coceira – disse ela.
- Onde?

- No meio das pernas.

- Onde?

- Nas dobras...

- Mas onde criatura?

- Na buceta, porra!

- Por que tu não fala logo, ô merda. Ainda vou ter que adivinhar?

- E aí faz o quê?

- Não sei.

- Arde pra caralho... Vontade de esfregar um sabugo.

- Também não te cuida.

- Liga pra farmácia.

- Peraí.


(o tempo é emergência quando se procura uma agenda de telefone e eu penso que ela não pode amar toda a humanidade. eu pensei amar? não. pensei foder. ela fode com todo cara que a olha. ela não fica, ela fode. espontaneamente, fode com todo cara que tem boca bonita. ela é fissurada em boca. e da boca para o pau o tempo é emergência porque ela lê feuerbach: “o homem é aquilo que come”. ela fode porque acredita que amor é sacrifício materialista e não convicção sagrada. pensei amor? não. então ela é uma baita putona que jura que uma boa trepada dispensa maiores intimidades. podia jurar que é adepta de sacanagem de espírito comunitário. bacanal mesmo.)


- É da farmácia?

- ...

- O... É a Dirce mesmo?

- ...

- Dirce, tudo bom?

- ...

- Dirce, o que ... assim ó...o seguinte... assim, explicar por telefone...

- ...

- Isso!

- ...

- Obrigada, Dirce!


(olhei para ela que segurava a xota com força e cara vulgar retorcida pelas dores dos pruridos.)


- E daí?

- Toma uma dose única de Fluconazol e passa Trok.

* em 17.2. para o blog http://www.subtextodocio.blogspot.com/



junho 27, 2010

FERNANDO BONASSI

“Agora, pra escrever pra teatro ou o que quer que seja, o que a gente precisa é viver, dar-se a vida, investigar, amar, tomar nos cornos, se ralar e observar o mundo por aí, contaminar-se com ele.
O resto está nos manuais.
Vivam por sua própria conta e risco moçada.
O resto é morte...”

QUASE PESADELO


Dias desses levei minha mãe até a Polícia Federal, em Santa Cruz. Foi buscar o passaporte.
Sentada na frente da funcionária, ela precisava só comprovar a identificação para retirar o documento. Andréia solicitou a minha mãe que pressionasse o dedo na tela. Fez. Imediatamente o computador acusou “falsidade digital”.

Ficamos surpresas. Nova tentativa, mesmo resultado. Sorrimos e ela experimentou o “seu-vizinho”. A maquina alertou novamente: falsidade digital.
Olhei dissimulada para minha mãe, maquiada e arrumada e com aquele jeito idôneo dela. Tenta o outro, coisa estranha - falei. Ela besuntou o dedo “pai de todos” com uma cera cor de rosa e levou o dedo novamente ao sensor que agora já parecia incriminar: falsidade digital.


Comecei a suar:
- Mas, tenho certeza de que é a minha mãe, viu moça?
Andréia, muito gentil, riu concordando:
- Vamos tentar o dedo indicador.
Falsid... piscou de imediato o monstro tecnológico.

Olhamos uma para a outra, suspiramos e percebi que Andréia encarou minha mãe de um modo diferente:
- O dedão, por favor.
Olhei para a tela sentindo o estômago embrulhado.
- Falsidade...
- ... digital?
- É.

Então comecei a reparar melhor naquela que se dizia minha mãe.
Sim, talvez não fosse ela. Uma sósia? Uma impostora? Por que não? Nós não moramos juntas há muito tempo e fazia dois dias que a gente não se via. Dois dias!


Observei os cabelos, cor e corte meio diferente. E o casaquinho de lã tweed? Minha mãe não usava casaquinho de tweed desde a morte da Jaqueline Onassis.
- Dona Ada, por favor, vamos tentar o mindinho da mão direita.
Suspirei aliviada. Enigma decifrado: a mãe nunca foi esquerdista. Nem mesmo quando a mãe dela, minha vó, exibia a vassourinha dourada do ptb do Jânio no peito. Por isso aquele diagnóstico de falsidade ideológica, ops, estou confundindo tudo: digital.

Novamente a meleca no dedo, Andréia paciente, minha mãe mais pálida do que o normal, eu desconfiada, o guarda se aproximando, o outro rapaz espiando por cima do computador, o ar pesado, o suor embaixo dos braços em pleno outono:
- Falsidade digital.
- Não é possível... – gemi e minha mãe arregalou os olhos.

Será que desde Lajeado eu tinha viajado com uma farsante que se passava por minha genitora? E se fosse a mãe de outro? E pior, uma terrorista?
Minha talvez-mãe parecia controlada, isso depois de lambuzar todos os dedos das duas mãos no sensor da máquina da polícia federal e revelar a sentença: falsidade digital.
Ela pediu licença para ir a toallete e eu conferi o guarda que conferia o teto e mascava um chiclete. As medidas de segurança são rigorosas na hora de entregar um passaporte.

Resumindo: quando eu já procurava o cartão do dr. Giuvan Azambuja e quase histérica segurava minha mãe pelo braço para me certificar que ela era ela mesmo, tudo por causa de uma droga de sensor, Andréia, calmamente explicou:
- Sabe o que acontece d. Ada, é que as digitais gastam com o tempo. Até produto de limpeza pode alterar as impressões nos dedos. A senhora trouxe o passaporte antigo?
Tranquei a respiração.

Sim, trouxe, Andréia conferiu, falou outras coisas que agora não lembro devido ao meu quase colapso, tudo certo, desculpe aqui e lá, a gente se despediu e nós voltamos para o carro.
A viagem de regresso toda em silêncio.
Minha mãe conferindo dedo por dedo. Eu suspeitando se realmente ela não fosse ela.

Mas... E se eu não fosse quem dizia que era?


* Minha crônica A Hora, Opinião...

BUKOWSKI



Leonor Waitlin e banda Marlang, namorada do Jorge Drexler

NÃO TENTE”
bem, aqui estou eu de novo
ouvindo as boas e velhas
músicas
de novo,
sentindo tristeza,
a boa tristeza à moda antiga
em que as lágrimas
não chegam a sair. bom. ouço mais um pouco.
a mente pode consumir quantidades mágicas de
memória
enquanto a noite se
desdobra
noite adentro,
enquanto outro charuto
é acesso,
como se pode ficar
terrivelmente amuado
quando velhas músicas seguem-se uma às outras,
rostos são lembrados,
rostos jovens, como fatias novas de uma maçã,
estão mortos agora,
quase todos
eles mortos
agora.
a aparente beleza e a aparente bravura,
se foram.
sentado aqui permitindo que meus melhores sentidos sejam diluídos pela melancolia,
um homem velho, lembrando de novo,
olhando de cima a baixo o bar imaginário
cheio de assentos vazios,
pensando naquela criança com os loucos
olhos vermelhos que sentava lá
enchendo o copo e enchendo e enchendo e enchendo de novo
ao ponto da imbecilidade,
agora lembrando,ouvindo
de novo,
permitindo a idiotice entrar de novo,
somos todos idiotas
para sempre
idiotizados
para sempre.
alegremente.
agora.