junho 27, 2010

QUASE PESADELO


Dias desses levei minha mãe até a Polícia Federal, em Santa Cruz. Foi buscar o passaporte.
Sentada na frente da funcionária, ela precisava só comprovar a identificação para retirar o documento. Andréia solicitou a minha mãe que pressionasse o dedo na tela. Fez. Imediatamente o computador acusou “falsidade digital”.

Ficamos surpresas. Nova tentativa, mesmo resultado. Sorrimos e ela experimentou o “seu-vizinho”. A maquina alertou novamente: falsidade digital.
Olhei dissimulada para minha mãe, maquiada e arrumada e com aquele jeito idôneo dela. Tenta o outro, coisa estranha - falei. Ela besuntou o dedo “pai de todos” com uma cera cor de rosa e levou o dedo novamente ao sensor que agora já parecia incriminar: falsidade digital.


Comecei a suar:
- Mas, tenho certeza de que é a minha mãe, viu moça?
Andréia, muito gentil, riu concordando:
- Vamos tentar o dedo indicador.
Falsid... piscou de imediato o monstro tecnológico.

Olhamos uma para a outra, suspiramos e percebi que Andréia encarou minha mãe de um modo diferente:
- O dedão, por favor.
Olhei para a tela sentindo o estômago embrulhado.
- Falsidade...
- ... digital?
- É.

Então comecei a reparar melhor naquela que se dizia minha mãe.
Sim, talvez não fosse ela. Uma sósia? Uma impostora? Por que não? Nós não moramos juntas há muito tempo e fazia dois dias que a gente não se via. Dois dias!


Observei os cabelos, cor e corte meio diferente. E o casaquinho de lã tweed? Minha mãe não usava casaquinho de tweed desde a morte da Jaqueline Onassis.
- Dona Ada, por favor, vamos tentar o mindinho da mão direita.
Suspirei aliviada. Enigma decifrado: a mãe nunca foi esquerdista. Nem mesmo quando a mãe dela, minha vó, exibia a vassourinha dourada do ptb do Jânio no peito. Por isso aquele diagnóstico de falsidade ideológica, ops, estou confundindo tudo: digital.

Novamente a meleca no dedo, Andréia paciente, minha mãe mais pálida do que o normal, eu desconfiada, o guarda se aproximando, o outro rapaz espiando por cima do computador, o ar pesado, o suor embaixo dos braços em pleno outono:
- Falsidade digital.
- Não é possível... – gemi e minha mãe arregalou os olhos.

Será que desde Lajeado eu tinha viajado com uma farsante que se passava por minha genitora? E se fosse a mãe de outro? E pior, uma terrorista?
Minha talvez-mãe parecia controlada, isso depois de lambuzar todos os dedos das duas mãos no sensor da máquina da polícia federal e revelar a sentença: falsidade digital.
Ela pediu licença para ir a toallete e eu conferi o guarda que conferia o teto e mascava um chiclete. As medidas de segurança são rigorosas na hora de entregar um passaporte.

Resumindo: quando eu já procurava o cartão do dr. Giuvan Azambuja e quase histérica segurava minha mãe pelo braço para me certificar que ela era ela mesmo, tudo por causa de uma droga de sensor, Andréia, calmamente explicou:
- Sabe o que acontece d. Ada, é que as digitais gastam com o tempo. Até produto de limpeza pode alterar as impressões nos dedos. A senhora trouxe o passaporte antigo?
Tranquei a respiração.

Sim, trouxe, Andréia conferiu, falou outras coisas que agora não lembro devido ao meu quase colapso, tudo certo, desculpe aqui e lá, a gente se despediu e nós voltamos para o carro.
A viagem de regresso toda em silêncio.
Minha mãe conferindo dedo por dedo. Eu suspeitando se realmente ela não fosse ela.

Mas... E se eu não fosse quem dizia que era?


* Minha crônica A Hora, Opinião...

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