junho 03, 2010

CARLITO AZEVEDO

“O amor é a única coisa que importa no fim das contas.
É a face mais luminosa da aventura do espírito humano sobre a Terra.
O amor gerou Clarice Lispector.
O amor gerou Chagall.
O amor gerou Spinoza e Oscar Niemeyer.
Quer se trate do amor à verdade, do amor pelo saber, ou do amor que se dá entre duas pessoas, quem não se deixou tocar por esse sentimento se tornou um inútil, uma versão diminuída e cretinizada do humano."





IMPLICÂNCIA OU CRIME?

Lembranças de criança?
É preciso um grande esforço para trazer de volta uma magricela do tempo de Grupo Escolar, volta e meia, em escaramuças na hora do recreio:
- Esqueleto ambulante!
- Taquarinha! Taquarinha!

Tumulto criado, atraques, lágrimas e joelho esfolado. Em casa, uma palmada bem dada para aprender a não brigar no colégio que isso não era coisa de guria direita.
- Pau de vira tripa!
- Taquarinha! Taquarinha!

Desforra? Fim de aula, guarda-chuvada e puxões de cabelos em quem nem tinha culpa, imagino. Em casa, mais palmadas. Até aprender.
- Taquarinha! Taquarinha!

Um dia pulavam corda no recreio, quando ouviu as risadas e a zombaria. Sem hesitar, deu uma laçada nas pernas dos meninos, das meninas e de quem mais próximo. Vergões, pranto e na hora do separa, separa, sobrou até para a profe Odete. De orelha esticada e vermelha, quase arrastada pelo corredor, um longo caminho até a sala da diretora. Isso são modos? Chama a mãe dessa guria e vamos resolver logo isso.
Castigo na sala de aula, escrever 100 vezes meninas ajuizadas não brigam, e mais o castigo em casa.
- Galinha, galinha!

Aos 13 anos, a angustia de adolescer. Agarrada aos cabelos uma da outra descem a escada do colégio evangélico rolando pelos degraus, aos berros de uma torcida parcial. Na frente de um diretor enfurecido, o veredicto: galinhas. E elas engolem.
#
O que mudou nesses 40 anos que separam um passado acomodado, mas não esquecido?
A discriminação? Os limites? A educação?
Tudo.
A começar pela nomenclatura: bullying. Tão terrível que acharam um jeito de americanizar a humilhação e a discriminação escolar. Deriva de “bully”: brigão, valentão, mandão; ameaçar, intimidar, assustar - informa o pequeno minidicionário Michaelis, que achei no fundo de um armário velho.

Fala daqui, fala dali, mais os jornais e as reportagens na tevê, capa de revista, o assunto bombando:
- Na minha escola não tem disso. Os professores não deixam ninguém humilhar ninguém – disse um jovem de Estrela. Tá, e quando eles não estão por perto?
- Que vergonha, a gente incomodava tanto as colegas... – lembrou um rapaz nos seus 25 anos.
- Minha turma pegava pesado com o pessoal que vinha do interior – confessou outro.

Não era diferente no passado, mas era exceção. Agora, passou a ser regra.
E as humilhações são filmadas, fotografadas e vão parar na internet. O mundo todo pode gritar em uníssono: Taquarinha! Taquarinha!
#
“Um estudante da 7ª série, de um colégio particular de Belo Horizonte, foi condenado a pagar uma indenização de R$ 8 mil a uma colega de classe por ter praticado bullying. A vítima relatou que, em pouco tempo de convivência escolar, o garoto começou a lhe colocar apelidos e fazer insinuações.”

Falha a família, falha a escola, mas que não falhe a sociedade.
* Minha crônica nos jornais Opinião de Encantado, A Hora de Lajeado, e site Região dos Vales.

junho 02, 2010

JAIME ROOS

Photo by Richard Averdon



“Dijiste que lloverá
todo um arte
y sin embargo
se están burlando de vos
se burlan de vos
y tu mirada es
tu mirada sigue siendo igual
lluvia com sol”



DANIEL BARBEITO E A SUBJETIVIDADE

Daniel Barbeito nasceu em Tarariras, Colonia, no Uruguai, em 1959.
Estudou tapeçaria e desenho textil na Escola de Bellas Artes de Montevideo.
Expõe desde 1981 e já passou por Nova Iorque e Vicenza na Italia; no Museu Arqueológico La Serena, no Chile; na Embaixada do Uruguai em Paris; no Centro Cultural da Recoleta em Buenos Aires e outros lugarejos.
Não impressiona meu olhar leigo. Fiquei sabendo depois. Alguns de seus trabalhos estão expostos em diversas galerias no exterior. Mas fui descobrir esta pequena tela em acrílico, 38x23, na Almacen La Carlota, em Colônia de Sacramento.



Lilian
nos atendeu e depois de muita negociação, saio feliz pelas antigas ruelas da cidade tombada pela Unesco, com minha tela barbeitana embaixo do braço.

É um prazer indescritível comprar uma obra de arte, um trabalho único de um artista que sem saber apresenta um significado muito pessoal para cada materialista anônimo.


Um homem e uma mulher abençoando um cavalo grande, bem no meio da tela, protegendo duas aves. Uma imagem onírica de família?


Li, para Jung a imagem do cavalo “simboliza a natureza primitiva e instintiva do homem” e a forma como um desenho se mostra para a gente, pode indicar a nossa atitude em relação ao inconsciente.



Para James Hillman, a imaginação não deixa de ser um grande animal. Olha aí meu cavalo! É por ele que me vejo? Onde desenvolvo os próprios sentimentos?

“Assim sendo, o cavalo é um equivalente de “mãe”, com uma tênue diferença na nuança do significado, sendo o de uma, vida originária e o de outra, a vida puramente animal e corporal. Esta expressão, aplicada ao contexto do sonho, leva à seguinte interpretação: A vida animal se destrói a si mesma.”

Carl Gustav Jung

Fonte:
http://webcache.googleusercontent.com/searchq=cache:zMKhfHr9x6IJ:www.symbolon.com.br/artigos/osimboloanim.htm+arquetipo+cavalo&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Tudo na vida é uma troca. Esse Barbeto por três noites de sexo e nada de vino, lanas ou dulce de leche... Nada de regalos. Mas, também na vida tudo passa. Não a arte, que sempre poderá lembrar as orgias que ficaram para trás. Se, somente se, a memória deixar...

@ "Gracias por la difucion en tu blog, me siento muy alagado.Es divertidopara mi ver las interpretaciones que hacen los espectadores de las obrasya que son ocultas hasta para mi, generalmente antes que la idea enpalabras me llega la imagen entonces la pinto y cuando veo que losespectadores encuentran simbolos e interpretaciones me doy cuenta que yano me pertenece o mejor aun, que hubo comunicacion. Otra vez gracias."

Barbeito

FUN FUN EM MONTEVIDEO

Numa noite de primavera, em 1992, o ator italiano Gian Maria Volonté sentou num canto do Fun Fun, se jogou numa cadeira para trás e deixando seu olhar vagar acima da fumaça dos cigarros, por entre as fotografias em preto e branco na parede do bar, disse:



"Este é um lugar onde vale a pena morrer de madrugada."



Era um pensamento gentil e de poética trágica expressada por um homem cansado.


Volonté poderia ter dito em qualquer lugar do mundo, mas disse no Fun Fun, este bar à média luz montevideano, uma mistura de pub de Glasgow com um museu da vida, que desde o dia 12 de dezembro de 1895 permanece fiel as mudanças do destino, ou seja, do Mercado Central para a rua Cidadela.

Seu fundador, Augusto Lopez, foi um apaixonado por tangos e criador de bebidas famosas, como a Uvita ou a secretíssima Pegulo, hoje não mais servida, e Miguelito, “um trago corto, dulce y com soda” considerado “muy apropiado para ñinos acompañados de sus padres”.



Miguel Angel Nieto numa jam session noite de 27 de maio de 2010



No Fun Fun, em 1933, Carlos Gardel cantou à capela e encantado deixou no bar seu sorriso e louvor as bebidas indeléveis de Augusto Lopez.

E qualquer um pode ainda vê-lo na parede do bar, em preto e branco.




Entre os visitantes lendários e freqüentes do Fun Fun já cantaram Pedro Figari, Julio Herrera y Reissig, Florencio Sanchez, Ringo Bonavena, Fito Paez e Joaquin Sabina.

* Minha livre tradução de um excerto do livro “Boliches Montevideanos – Bares y Cafés en la memória de la ciudad” – de Mario Delgado Aparaín, Leo Barizzoni e Carlos Contrera.