1 Fui a Jerusalém. Minha mãe pagou tudo. O
meu grupo de viagem de seis incluía ateus e crentes, realistas e otimistas. Os
que viajavam para conhecer lugares históricos e os que buscavam Deus. Se há um
lugar onde um descrente não deva ir é Jerusalém. Principalmente, claro, se você pertence ao
grupo dos ateus e realistas. A terra santa é entupida de gente, coisa de um milhão de visitantes por
ano, um calor sufocante, mas não úmido. A maior decepção foram as estações por onde
Jesus passou. Estão cobertas de quinquilharias turísticas e a gente quase passa
batido. Ah, sim, lamento dizer, Deus não estava em Jerusalém. E como estaria com tantas
contendas e até um muro de discórdia? Mas, se você insiste na viagem, não deixe
de visitar o Museu da História do Holocausto e o espetáculo noturno na Torre de
Davi, na cidade velha, que conta a história de Israel. Bem bacana.

2 Também fui a Belém, na mira dos
palestinos desde 1995. Belém significa a "cidade do pão". Foi quando conheci Nicolas, o nosso guia. Os ateus não
foram. Foi a única oportunidade durante toda minha viagem para Israel onde
consegui conversar sem papas na língua com alguém que vive por lá. Tudo virou
assunto: história, sexo e filosofia. E sem uma gota de álcool. Nicolas só
entendeu minha curiosidade e o atropelo de perguntas porque já morou fora do país
quando pequeno, com a família em Honduras. A desenvoltura indica que absorveu um pouco
da cultura latina. Regressaram quando a loja do pai incendiou e não conseguiram dar
a volta por cima. Nicolas tem 29 anos e fala um português surpreendente,
assimilado no trato com os turistas. É um árabe gentil, educado e com muito
senso de humor. Nada das imagens estereotipadas onde seus conterrâneos exibem na mão
direita um fuzil e na outra o Alcorão. Ou vice versa.

3 Nicolas contou que depois das últimas e
sérias confusões políticas na região, perdeu a liberdade de ir e vir de
Jerusalém. Antes trabalhava na capital de Israel. O que se faz aqui já que não
se pode beber em buteco, fazer festa ou sequer pegar um cinema? Nada,
respondeu. Nicolas trabalha como guia, joga bilhar, passeia de carro e acessa
internet. Estou preso dentro dessa cidade e minha alma também. Foi o único
momento triste de nossa conversa. Não era casado. Precisava dispor de um dote
de 40 mil dólares para se unir a noiva. Sem condições, disse. Então mora com a
família. Jura que em Belém não existe drogas nem prostituição. E os gays não se
revelam por medo da discriminação. Foi pela internet que ele conheceu
Florianópolis, Rio e Fernando de Noronha e passou a torcer pelo Grêmio. Desconfio
que se fossemos turistas cariocas, ele seria torcedor do Flamengo. Dias
depois, Serjão Seppi, jornalista de Encantado, mandaria para ele uma camiseta do tricolor.
Despedimos-nos com boas gorjetas para ajudar no dote de Nicolas. Ah sim, voltei
feito muambeira de quinquilharia. Mas nem os imãs de geladeira funcionaram.