Guardachuvadelaura
junho 01, 2024
DIARIO DA ENCHENTE
Julia Dantas, autora de “Ruína y Leveza” e
“Ela se chama Rodolfo”, mora em Porto Alegre. Também atingida pelas
águas, pensou em uma forma “confiável de sobrevivência e de conexão com os
outros” e com a jornalista Raphaela Donaduce Flores criaram o blog Diário da Enchente, à
exemplo do Diário da Pandemia.
Escritores foram convidados a compartilharem seus
textos.
“Eu estou aqui para tentar colocar em palavras o
que foi e o que está sendo viver essa coisa, mas há momentos que a linguagem
não alcança.” - diz Julia.
Participo com “A
eterna abobada da enchente”:
Saí de Lajeado debaixo de chuva.
Antes de chegar a Osório, o céu se abriu para o sol. E
comemorei, assobiando uma canção que ouvia na Rádio Cultura.
Segunda-feira, minha filha mandou a mensagem, mãe, o rio
tá subindo muito depressa.
Em quatro dias, o vale do Taquari, incomunicável.
Nem sei quantas inundações já vivi.
Lembro-me de uma que levou até as bolinhas de Natal.
Escaparam pela janelinha do porão, boiando lindamente num janeiro dos anos
70. De outra vez, a enchente pegou de surpresa o circo instalado no valão.
O gerente, e também domador, salvou o elefante e dois pôneis, atados em uma
árvore da praça. Em outra ainda, embarcamos na bacia de zinco feito bote
- depois, a surra. Sim, a desgraça dos adultos não é a mesma para as
crianças. O bom era que por um tempo não tínhamos aula porque as salas também
estavam submersas. Quando voltávamos à escola, o deboche, o bullying de hoje:
“abobada da enchente”, coisa antiga que só fui descobrir o porquê, já adulta.
Mãe, tu não passa mais na ponte. Fica aí.
A enchente do último setembro foi uma catástrofe. Agora
não encontro adjetivo para essa última, de maio de 2024 e acompanho a
destruição pelas redes sociais e noticiários.
No dilúvio do ano passado, arregacei as mangas, calcei
botas e corri de um ponto a outro. Nesse, lavo os olhos. Sei que há outras
formas de amparar conhecidos e desconhecidos. Mas o pix é frio, impessoal.
Ajuda que aquece é a ligação de uma prima distante, quer informações. Conseguiu
uma boa verba para a reconstrução de abrigos infantis, em Lajeado e Arroio do
Meio. O Volúpia, bar e espaço cultural lgbt, mais uma vez se organiza para ser
ponte entre desabrigados e voluntários. As sócias de um clube se unem para
adotar famílias inteiras – do aluguel até remédios. Outra turma foi para a
cozinha preparar marmitas. Outra, para entreter crianças nos pavilhões.
Mas há quem reclame dos flagelados que não ajudam, as que choram as
bolhas nas mãos de tanto empunhar os rodos. Lembro Chico Science, da Lama ao
caos: Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais
urubu ameaça... Sim, ainda precisamos lidar com a enchente de notícias
falsas, aluvião político, o lado B do verdadeiro lodo. Pena que uns não afundam
para sempre, penso como abobada que sou.
A correnteza marrom levou tudo: crianças, velhos,
animais, brinquedos, telhados, as paineiras que ainda resistiam ao abate
humano, à margem do Taquari. As águas volumosas dos nossos rios carregaram um
bairro todo, com suas casas e comércio. As ruas conectaram riachos que
inundaram o bar do tráfico e das prostitutas, a república dos senegaleses, a
lojinha do Mor, a associação comercial, o Sesc, as creches, o salão do Nilo, a
indústria de vinagre, o posto de gasolina, o bric de móveis usados, a igreja
matriz, a praça, prefeitura, a biblioteca, a banquinha de revistas.
Encharcou de lama o apartamento da professora, a casa do
maestro e a mansão do prefeito.
Desta vez não descontou só dos pobres, mas se vingou dos
ricos e de toda estupidez humana.
Sim, as águas vão baixar, deixando o rastro fétido
da morte e da corrupção.
Não sei se quero voltar.
Confira todos relatos em https://diariodaenchente.blogspot.com/
TRETA: NEYMAR X LUANA PIOVANI
Mas, a proposta estapafúrdia de privatizar é do ex-deputado federal Arnaldo Jordy com parecer favorável do relator, o senador Flávio Bozonaro.
Na Constituição: “a Lei Federal nº
7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, determina
que "AS PRAIAS SÃO BENS PÚBLICOS DE USO COMUM DO POVO, sendo assegurado,
SEMPRE, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido.
Abre-se uma exceção para trechos do litoral considerados de interesse de
segurança nacional.”
Bozonaro e sua gangue querem que a lei autorize a transferência dos territórios de marinha para ocupantes particulares (os milionários, né), Estados e cidades. ATUALMENTE, AS PRAIAS PERTENCEM À UNIÃO.
Na Barrinha, praia de Garopaba, talvez o Sirosky e seus cupinchas ficariam donos de tudo. Devem estar aplaudindo. Xô, farofada.
Na Ferrugem, o Bar do Zado promete...
É bom lembrar q há um bom tempo, a Praia Vermelha (entre o Ouvidor e Rosa) tinha como dono a família Johannpeter, e a gente não podia curtir o paraiso. Até q a justiça de Imbituba obrigou a deixarem a entrada livre, para quem quisesse. Foi construída uma guarita, uma trilha... E aquela paisagem deixou de ser exclusividade da família milionária.
Agora o asqueroso do senador bozonarento quer alterar. Grana à vista!, gritam os piratas.
A imprensa diz q Neymá apoia pq tem participação na Due Incorporadora, que deve construir o tal do “Caribe Brasileiro”, ou seja, 28 empreendimentos no litoral de Pernambuco e Alagoas. Por isso q Neymá apoia o projeto de privatização, seria beneficiado, claro.
E a Luana?
Nos seus stories instagramáticos direto de Cascais, chamou o boleiro de “mau-caráter” e “péssimo cidadão”. (Impossível não concordar...)
"O teor dessa PEC, no fundo, é a urbanização das orlas, os grandes empreendimentos. Quem vai lucrar? Não somos nós. Nós só vamos perder. Essa PEC precisa ser revista", opinou Ana Ilda Pavão, representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais.
DO MEU BLOQUINHO
Quando a gente desembarca na estação chamada Vida, traz na bagagem os dias contados. Parece contraditório? Mas é a minha percepção da realidade. Creio q foi Frida Khalo quem melhor concluiu q todos levam dentro de si, a própria morte. Bem sabia das dores e sequelas do seu acidente. Morreu cedo, aos 47 anos. Já eu só fui entender quando precisei dar título ao meu livro de crônicas, Crescer é morrer devagarzinho. Sim, a cada amanhecer pode ser a nossa bomba H. Como aconteceu com a minha sogra no amanhecer do ano novo. Pode ser no anoitecer ou no café da manhã. Cortando a grama como foi o caso de um conhecido. No sofá, assistindo a um jogo de futebol, no caso de outro. Morte por correnteza da enchente. Mortes sem tempo para despedidas. A pior das mortes é aquela da agonia, sempre em alerta por antecipação. Ou uma morte trágica, dessas que arrastam a escuridão interna - e você que me lê, não se precipite na condenação - alguns acabam buscando a luz, o livramento, no ato suicida. É o vazio da alma, o spleen, tão conhecido de Baudelaire, ou o nosso banzo ancestral, indígena. Alguém me contou que duas mulheres e dois adolescentes ficaram 4 dias dentro de um barquinho, amarrado a um poste, em Cruzeiro do Sul, sem nada para comer, nessa que se considera A Grande Enchente, assim, maiusculo. Uma delas só havia levado os seus cigarros e o isqueiro. Foram salvas pelos bombeiros. E assim, os casos que vou ouvindo. De desespero. De morte. Os dias contados.
UM BRASILEIRO SOBREVIVE A AUSCHWITZ
Andor Stern nasceu no bairro do Bixiga, em São Paulo, em 17 de junho de 1928.
Aos 3 anos, o brasileiro e sua família se mudam para a Índia. Dez anos depois, os pais se separaram. E Stern passa parte da sua infância na Hungria, próximo aos parentes.
Em 1944, aos 16
anos segue com todos para
Auschwitz. Quando a guerra termina, ele é o unico sobrevivente da família.
É o próprio Andor Stern que conta sobre a perversidade da vivência no campo de concentração:
"Uma mesma bacia de noite é penico, e de dia é o prato em que você come.
E você come como cachorro. Não tem garfo, faca, colher. Você
tem eczema, sarna.
A comida te causa uma eterna diarreia, o que, aliás, é
uma (das causas) que mais matavam as pessoas. No inverno, abaixo de 22, 24, 26
graus, quando você está 'vazando', você até gosta porque é quentinho. E você
não tem como tomar banho depois disso.
Você aceita a sujeira, a imundície. E você perde a
condição de ser humano.
Devora qualquer casquinha de batata. Só o que pensa é na fome. Você vira um zumbi."
Andor faleceu em abril de 2022, aos 94 anos. É considerado o único brasileiro nato a sobreviver ao holocausto - conforme o wikipedia.
A história na íntegra: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50790313
Com tantos escritores, cientistas, atores judeus que são contra o que o louco do Netanyahu está fazendo na Palestina, para nós, leigos, não é possível julgar só pelos noticiários. Mas não é difícil perceber a desumanidade dessa guerra.
Até parece que Netanyahu e Hitler compartilham o mesmo dna.