Foto do site da Prefeitura
“A gente sai da colônia,
mas a colônia não sai da gente!”
Quem já não ouviu ou disse?
O que tem de gente que mora e trabalha na capital e em
cidades grandes, mas deixou perdido, em algum canto, o chinelo velho para calçar quando um dia retornasse?
Foto do site da Prefeitura
Pouso Novo - descobri que o registro mais remoto da cidade data de 1920 e coube a uma escolinha do
tempo dos professores Conceta Paparelli e Júlio Martins, na Linha Forqueta.
Depois, em 1937, o vilarejo já é considerado um
distrito de Arroio do Meio.
Mas, bem antes de tudo, Pouso Novo seria uma picada de
passagem, que recebeu esse nome por inspiração de João de Souza Leite, no
início do século XX – ou fim do XIX?
Bom, tudo que não é registrado, acaba inventado...
De apelido, João Brasileiro, construiu uma casa-pousada –
local da Igreja Matriz - para os viajantes, mascates e tropeiros que
transitavam no comércio com suas
mercadorias até oas lonjuras dos campos de Soledade. Haja carroça, mula, cavalo pra mais de 60
km, tempo ruim, tempo bom.
Parece que tô vendo, a prosa sorumbática de dois peões
envoltos nos ponchos, com chapéus de barbicacho, botas enlameadas e esporas
gastas:
-Vamu pernoitar onde, seu Juvêncio?
- Naquele pouso novo lá em cima, seu Brandão.
- Pois muito bem. Ôôôô...
Foto do site da Prefeitura
Pouso Novo é uma jovem cidade, de 1988. Visite. Não vi
praça, mas vi um bosque maravilhoso que
foi preservado, bem em frente à igreja.
Foto acervo Laura/ Casa construída por Cirilo Pretto.
Ao entrar na cidade, logo depois do pórtico, desvie os
olhos, à esquerda:
Uma típica casa italiana de dois andares, e
cinco janelas.
A escadinha leva a porta central. Bem como a gente
desenhava na escola.
Doze filhos do seu Bufet já moraram aqui.
Um deles se extraviou por São Paulo e Brasília. Virou
cantor e negociante.
Quando se pisa em frente à porta, os sentidos são
acordados pelo odor másculo de fumo crioulo, de rolo, sabe qual? Mais um passo cauteloso e o cheiro dos grãos
nos baldes. Logo todos os aromas envolvem a gente, assim, de supetão. Ninguém
aparece para atender.
No interior do prédio, uma atmosfera sombria, alumiada
pela luz do dia que se intromete pelas janelas. Silenciosa, a casa me aguarda.
E eu por ela. Por alguém.
Logo os olhos se acostumam, o impacto é grande:
ferraduras para cavalos com bolas de bocha, ferramentas com vassouras, um
balcão refrigerado com quase nada dentro e um balcão antigo com “fazendas de
pelúcia em metro”, cadeiras e colchões com calças de jeans, parafusos e batatas
– uma confusão deliciosa que só um legítimo bolicho pode oferecer!
Ou bodega, como prefere Nico, o filho desgarrado q voltou
para a terra dos pais antes que a morte o levasse. Quando ele aparece, saído não sei da onde,
talvez do porão, descubro um sujeito bom de prosa que vai emendando um causo
atrás do outro:
“Sou descendente de franceses. Meu bisavô ou tataravô? –
era cozinheiro em Paris, fez um jantar e botou tudo na mesa e avisou os
convidados q se servissem. Ficou conhecido como seu Buffet. No Brasil, meu pai
já nasceu Buffe.” Sim, dançou o histórico serviço de tradição medieval,
francesa...
Recostado numa caixa, ao lado de um telefone do tempo do
império – funcionando! – dois ou três discos de vinil dos anos 80. Na capa, o
jovem Nico Terra. Aposentou o violão, mas o tino comercial o trouxe de volta para a casa fundada por seu pai.
- É que eu sofri um acidente de avião em 82.
- E sobreviveu?
- Mas fiquei surdo.
Aí deu pra musica.
- Mas acidente de verdade? Quando isso?
- Em 82, eu acho. O avião da Vasp caiu no aeroporto de
Brasília. Rachou no meio. Cada asa para um lado.
- E tu pra q lado foi?
- Eu tava no fundo. Não me machuquei, mas morreram uns.
Fui pesquisar. Verdade. “Um Boeing 737-2A1 (PP-SMY)
partiu-se ao meio durante pouso no Aeroporto Internacional de Brasília, no
Distrito Federal, matando 2 dos seus 118 ocupantes.”
Nico era bem capaz de desfiar, calmamente, uma dúzia de
histórias incríveis, em menos de uma hora. O amigo e auxiliar deve saber todas!
- Não tem placa com o nome o armazém, Nico?
- Pra que nome? Que bobagem, todo mundo sabe q é uma
bodega.
- Posso fotografar?
- Pode.
- Dá para acender a luz?
Ele se postou atrás do balcão, aguardou minha xeretisse.
Trocamos rápidas palavras, e saquei o cartão de débito. Pedi uma água e um pote
de melado para pipoca:
-Tem?
-Até tenho, mas não aceito cartão, nem pix. Senão deixa
de ser bodega.
- Que pena... Bha, nem sei mais a cor do dinheiro.
- Posso botar no caderno. Outra hora tu passa aqui e
paga.
Quando, quando eu voltaria para esses lados? Agradeci,
talvez outro dia, depois do Natal, nas férias de verão. Ele me olhou com seus
olhos azuis, franziu o cenho num trejeito de enfado. Abriu um armário e botou
um pote de melado na minha mão.
Lembrei-me do professor Fischer, em Princeton. Escreveu
sobre a confiança dos americanos, q nada some, ninguém mexe e q no Brasil...
Isso porque ele não conhece o filho do seu Buffe.
O bolicho do Nico não consta nos pontos turísticos de
Pouso Novo.
Mas você pode incluir depois de visitar a pinguela no
Fão, o caminho Perau Vermelho ou da Forqueta, depois de visitar a Cascata do
Moinho Canhada Funda. Mas ó, leve di-nhei-ro!
Para se hospedar?
Recomendo o Hotel do Gringo, na BR 386.
Bom passeio!