dezembro 12, 2009

GLÓRIA PEREZ

“Todos nós vamos viver o último capítulo,
nascemos sabendo disso.”

(na revista Contigo do Salão da Antonella...)

DESCARTE DO ANO

Tarde fisguenta, úmida, cinza. Tento por ordem nos caos da minha caverna. Não sei bem por onde começar... Esvazio o lixo. Para depois encher novamente. Devoro uns merenguinhos: preciso de açúcar na veia. Embaixo de papéis descubro o celular q pensei já perdido com apenas três semanas de uso. Sim, tenho um celular. Procuro papel para embrulhar um cd q comprei p presentar no Natal. Desisto e rasgo o celofane p escutar. É ótimo e renuncio ao amigo-secreto. E depois não tenho papel de presente. Mais merenguinhos... Um colar de contas, um chaveiro, grampos de varal, cartões. Cada um para uma caixa. Sento no chão separando papéis e jornais q me interessam. Acho meus gibis antigos e livros infantis. Os primeiros voltam p o gavetão, os livros p uma prateleira onde sei q vou esquecer. Guardo tantas coisas importantes: um rabisco onde leio na minha quase indecifrável caligrafia “Não sabemos se o universo pertence ao gênero realista ou ao gênero fantastico.” De quem é essa fulguração? De Borges? Ou de quem mais poderia ser? Dali? Khalo? Merenguinhos... O q tem realmente de valor nessas gavetas, prateleiras, caixas, caixinhas? Tudo tem voz. Tudo me cala e dá o sentido da minha profunda ignorância a cerca dos mistérios da vida e da literatura. O mundo é tecnopop e eu me preocupando em guardar papéis, recortes e jornais velhos. Nunca pensei que faria isso: no lixo uma revista Piauí. Jamais pensei q seria capaz. Poderia ter guardado p outro. Quem? Não conheço ninguém nessa cidade q compra e lê a Piauí. Por fim, levantei um bloco antigo de anotações p futuros contos e o que achei? Um chiclé... Mastigado e grudado na mesa. Vergonha. Suspiro: lá se vão três sacos de lixo - grande -com todos os papéis e jornais guardados durante 2009... e pra q? pra q? Ainda tenho uma prateleira dentro de um armário me encarando. Puxo tudo p fora: sacolas de papelão, de plástico, colcha velha, um pé de tênis desparcerado, a furadeira!, cartas do tempo em que se escrevia cartas, cartões novos e velhos e... noooossa!


Um cartão de 18 de junho de 1976. Um cartão dos meus queridos amigos. De quando eles foram embora para os States me abandonando nessa colônia onde vivo até hoje.
Lembro que chorei quando recebi.
Tinha 18 anos e queria correr o mundo e fugir dos julgamentos do povo e suas condenações hipócritas, preconceituosas e burras.

“É isso aí cabeças feita pra não dar bandeira” – escreveu Maneco.
Depois que a gente entra no sistema deles a gente se liberta mesmo.” – Jumbo.
“A presença de vocês pintô no astral” – Serjão.

Terminei com todo o pacote de merenguinhos.
Como descartar os anos 70?

dezembro 09, 2009

PAUL RICŒUR


"A amizade
é o meio pelo qual cada um de nós
aprende a conhecer-se a si mesmo
como um Outro."



JOVENS E FAMOSOS

Essas coisas de fama...

Li e não lembro onde que antigamente as pessoas que apareciam na mídia eram reconhecidas e alcançavam o sucesso pelo talento próprio: escritores, atores, desportistas, músicos. Até chegar as medalhas espetadas no peito, alguns anos para se conquistar o tal do “reconhecimento”. E quando ela chegava - a fama! - era porque o trabalho dera certo ou que as metas foram alcançadas e só então, uhú, os píncaros da glória: manchetes nos jornais e revistas, letreiros no cinema, longas resenhas críticas.

Hoje não. Tudo é fabricado. Tudo é imagem.
Tudo é cro-no-me-tra-do para alcançar os famosos 30 segundinhos. Claro que a gente também reconhece que muito desse sucesso depende de uma boa rede de contatos. Todo mundo querendo virar estrela, mito.

É para isso que todos correm atrás da fama. Homens e mulheres. Mais da fama, do que da grana. Importa o grito “Eu sei quem você é!”.

Pode pesquisar - não basta ser amado. Todos querem ser adorados!
E assim cada época sinaliza um modo de encarar a realidade. Parece que nunca fomos tão capacitados para nos amoldarmos a ela, para aceitarmos tudo sem questionar. Só os artistas “malucos” conseguem transcender esse marasmo.
Na internet descobri que dois rapazes montaram uma “casa” na lateral de um prédio e “moram” na parede. É arte ou é imagem?

Diz um psicanalista que no fundo, no fundo, toda essa motivação midiática, essa vontade de aparecer seja de que jeito for, se dá pelo sexo: os homens para ter mais parceiros e as mulheres para escolher o melhor parceiro. Ele, quantidade. Ela, qualidade. Aí a gente se expõe desse jeito em casas de big brother, se vira nos 30, sabadão sertanejo...

Só que junto com o sucesso, com a fama, com a adoração, o lado B: “Esse cara se sente superior a gente...” –e brota a inveja, muitas vezes o ódio.

E foi por isso que um fanático matou John Lennon, que ontem completaria 69 anos se vivo fosse.
Eu sei que é frase pronta, mas assassinado o mito permanece jovem e rebelde. (Putz, aos 40 se é jovem ainda?) Assim como Joana d’Arc, James Dean, Jim Morrison e outros “jotas” mais jovens, realmente.

Por falar em fama e projeção, vocês sabiam que no passado encomendaram ao escritor Dostoievski um texto didático para combater o alcoolismo entre os russos? Ahã.
Ele sentou e começou a escrever “Os Bêbados” que veio resultar na obra “Crime e Castigo”. Ou seja: de um folheto do SUS da época passou para a história como um dos maiores clássicos da literatura universal. Dez anos depois escreveria Os Irmãos Karamazov, considerado por Freud como a obra máxima da história. No mínimo, Dostoievski levou 45 anos para ser considerado o bambambã das letras na Russia.

Mas hoje não, bastam segundos de macaqueação no Youtube e já entramos para a galeria dos mais acessados e, portanto, famosos do planeta Terra.

Não esqueçam: tudo por causa daquela historinha de psicanálise, sexo, quantidade...


(Minha crônica publicada nos jornais Opinião, de Encantado e A Hora, de Lajeado.)