Guardachuvadelaura
junho 19, 2010
MEIO CALENDÁRIO...
Sopro balões. Cada balão cinco sopros.
Depois de 15 balões cheios – 75 sopros – fico tonta.
Sopro tanto que escapa todo o vento da minha cabeça e deixo de ser cabeça-de-vento, como dizia minha vó que o Senhor a aguarde e a tenha fora desse mundo-purgatório.
Meu pai foi quem ensinou a dar nó em balão. Reconheço que não é para todos. Precisa quase de um cursinho no Senac.
Saio pela casa atrás de cordão para amarrar os fofos e encontro um novelo cheio de nó. Tema de casa: não perca tempo desatando os nós da sua vida.
Corte. Recomece na outra ponta. Ou melhor: enterre o nó e faça um pedido.
Não tente compreender porque os nós aconteceram. Simplesmente pense que sem nós a vida seria muito sem graça... Seria uma vida horizontal. Um tédio.
Faço uma pausa na missão de encher balões e me detenho na pitangueira: um casal vaidoso de Saíra sete cores, uma mãe Sabiá com seu filhote, um tímido Sanhaço azulzinho, um Tico-tico metido a besta, duas Pombinhas rolas, um Bem-te-vi arisco. De noite, um gaviãozinho esperto sobrevoa a área. No telhado, dois gatos dissimulados rondam a copa da árvore e jogo um jabuticaba graúda espantando o bichano. Mas ele não se comove na minha defesa da passarinhada.
Se juntas duas árvores atraem tantas espécies de passarinhos, o que não atrairá um quintal de verdade? Um parque? Uma reserva?
Sem falar nas borboletas e nos beija-flores.
Esses devaneios foram registrados no início do ano.
Agora chegamos em Junho e espio o calendário:
um ano escancaradamente pela metade.
Até dia de 10 do próximo mês vamos respirar verde-amarelo. Ou não.
Taquicardia à parte, penso em reunir meu povo e preparar um bacião de pipocas com melado. Quer coisa melhor do que torcer em família? E a bandeira? Dipindurou?

A gente sabia que em 2010 viveríamos a neura euforia da Copa que logo adiante emendaria na angústia das eleições e toda aquela depravação política em horário nobre. Daí mais um pouco, ó... É Natal. Férias. Carnaval. Volta às aulas. Coe.... Páááááára!
Quem foi que ligou os meses na tomada?
* Minha crônica semanal nos jornais A Hora, Opinião e site Região dos Vales.
junho 14, 2010
MANABU YAMANAKA

A ESTRANGEIRA
A Outra era dona Antoninha – vamos dizer assim – que marchava entre as evoluções dos músicos, indiferente ao nosso espanto irônico e seduzida pelas vibrações dos tambores e reverberações dos metais, acompanhava tudo, alienadamente feliz.
Ou muito pelo contrário: inserida num todo se mostrava absurdamente feliz.
Posso imaginar a sensação dela.
Não deve ser muito diferente de alguém que no meio de uma bateria de escola de samba – alienada ou absurdamente feliz – acompanha no pé e com o corpo a batida forte dos surdos e tamborins. Tudo vibra e o som parece implodir o peito como se nossa carcaça fosse pele de um repique, de uma caixa de guerra ou qualquer outro instrumento da bateria. Tudo ressoa na maior harmonia.
Mas, naquela manhã ensolarada no Parque dos Dick, entre os fuzileiros, dona Antoninha era uma Outra, a estranha. Não confundir com a outra do mundo literário de Nelson Rodrigues, não falo da amante. Te liga aí.
Para a Filosofia existe o conceito de Estrangeiro, visto por uns como revitalizante social. Menos aqui na região, claro.
Então, assistindo dona Antoninha, autêntica e sensível, no meio da “maior banda do mundo”, distingui a Estrangeira: aquela que não segue os padrões esperados pela sociedade e sujeito as normas de interação.
Dona Antoninha, como outros conhecidos nossos, destoa, incomoda, constrange e por isso alguém da prefeitura ou de alguma entidade cortou o barato dela subtraindo-a do prazeroso envolvimento musical.
Na verdade, a presença do Estrangeiro – ligado? versão feminina: dona Antoninha – incomoda porque não sabemos de suas reações. Não temos acesso ao seu mundo interno e distante. A sociedade não suporta a condição dos transgressores de regras, como se essas não fossem quebradas, religiosamente, todo o tempo em casa, na escola, no trabalho, na rua. Mesmo naquele dia, com um atraso de 40 minutos. Só que ninguém ousou berrar – regra quebrada - transfiram eles daqui. Ou cancelem.
Pela sua simples existência, dona Antoninha não deixa de ser provocação, vivendo à margem da barra social e, na maioria das vezes, familiar.
Gosto muito de um filme chamado “As Confissões de Henry Fool” que mostra como dois personagens estranhos e deslocados na sociedade filtram o mundo de maneira diferente.
Para compreender como se relacionam as pessoas ao seu redor, um dos personagens do filme, Simon, precisará viver algumas experiências interessantes até alcançar um desenvolvimento social, até conseguir decodificar as relações de poder no seu mundo.
Fool e Simon são “estrangeiros”, são estranhos. E no entendimento geral, estranhos não tem voz. Nem vez.
Conceito comprovado ao expulsarem dona Antoninha do interior da “maior banda do mundo”...
À propósito, “As Confissões de Henry Fool” está disponível na Xok Vídeo.