março 27, 2013

MALA & PASSAPORTE


1 Fui a Jerusalém. Minha mãe pagou tudo. O meu grupo de viagem de seis incluía ateus e crentes, realistas e otimistas. Os que viajavam para conhecer lugares históricos e os que buscavam Deus. Se há um lugar onde um descrente não deva ir é Jerusalém. Principalmente, claro, se você pertence ao grupo dos ateus e realistas. A terra santa é entupida de gente, coisa de um milhão de visitantes por ano, um calor sufocante, mas não úmido. A maior decepção foram as estações por onde Jesus passou. Estão cobertas de quinquilharias turísticas e a gente quase passa batido. Ah, sim, lamento dizer, Deus não estava em Jerusalém. E como estaria com tantas contendas e até um muro de discórdia? Mas, se você insiste na viagem, não deixe de visitar o Museu da História do Holocausto e o espetáculo noturno na Torre de Davi, na cidade velha, que conta a história de Israel. Bem bacana.
2 Também fui a Belém, na mira dos palestinos desde 1995. Belém significa a "cidade do pão". Foi quando conheci Nicolas, o nosso guia. Os ateus não foram. Foi a única oportunidade durante toda minha viagem para Israel onde consegui conversar sem papas na língua com alguém que vive por lá. Tudo virou assunto: história, sexo e filosofia. E sem uma gota de álcool. Nicolas só entendeu minha curiosidade e o atropelo de perguntas porque já morou fora do país quando pequeno, com a família em Honduras. A desenvoltura  indica que absorveu um pouco da cultura latina. Regressaram quando a loja do pai incendiou e não conseguiram dar a volta por cima. Nicolas tem 29 anos e fala um português surpreendente, assimilado no trato com os turistas. É um árabe gentil, educado e com muito senso de humor. Nada das imagens estereotipadas onde seus conterrâneos exibem na mão direita um fuzil e na outra o Alcorão. Ou vice versa.
3 Nicolas contou que depois das últimas e sérias confusões políticas na região, perdeu a liberdade de ir e vir de Jerusalém. Antes trabalhava na capital de Israel. O que se faz aqui já que não se pode beber em buteco, fazer festa ou sequer pegar um cinema? Nada, respondeu. Nicolas trabalha como guia, joga bilhar, passeia de carro e acessa internet. Estou preso dentro dessa cidade e minha alma também. Foi o único momento triste de nossa conversa. Não era casado. Precisava dispor de um dote de 40 mil dólares para se unir a noiva. Sem condições, disse. Então mora com a família. Jura que em Belém não existe drogas nem prostituição. E os gays não se revelam por medo da discriminação. Foi pela internet que ele conheceu Florianópolis, Rio e Fernando de Noronha e passou a torcer pelo Grêmio. Desconfio que se fossemos turistas cariocas, ele seria torcedor do Flamengo. Dias depois, Serjão Seppi, jornalista de Encantado, mandaria para ele uma camiseta do tricolor. Despedimos-nos com boas gorjetas para ajudar no dote de Nicolas. Ah sim, voltei feito muambeira de quinquilharia. Mas nem os imãs de geladeira funcionaram.


0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial