outubro 31, 2010

JOÃO GUIMARÃES ROSA

Photo by Pedro Martinelli


"O Senhor saiba: em toda minha vida

pensei por mim,

forro, sou nascido diferente.

Eu sou é eu mesmo.

Divêrjo de todo o mundo...

Eu quase que nada não sei.

Mas desconfio de muita coisa."

Riobaldo

AMADURECERAM...

as bulitas escureceram.
e agora, ducicaram.
os passarinhos estão fazendo a maior festa.
mas de que adianta se ninguém mais sobe em árvores?

PELO FIM DO VOTO OBRIGATÓRIO

Viva a burilação eterna, a possibilidade:
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores

Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!

Ligia Fagundes Telles

outubro 27, 2010

BENE FONTELLES

“Antes arte do que tarde”


ARTIVISTAS, UNI-VOS!

“Agora é a hora dos ARTIVISTAS, mixagem de ativista político com o artista poético, e vice-versa, despertarem o acomodado brasileiro que dorme no berço esplêndido da inconsciência nacional.

O ARTIVISTA é aquele que vai dignificar sua escolha de ter vindo neste momento ao planeta e ao lembrar-se da sua Origem, exigir o melhor de sua herança Divina: a felicidade.

Nós merecemos uma Arte que nos inspire a um projeto mais humano e pacífico em nossa passagem de aprendizes da Terra.”

Bené Fontelles, Coordenador do "MOVIMENTO ARTISTAS PELA NATUREZA"

SE CONSELHO FOSSE BOM...

BYUN from thismustbetheplace on Vimeo.

Você fica olhando desanimado para as gavetas entulhadas de tralhas: lenços e meias desparceiradas misturados a papeis e carteiras velhas e mofadas, e ainda embalagens de remédios pela metade com sabonetes e camisetas com manchas do tempo. Vai procurar algo e precisa vasculhar entre aquelas porcarias que você guarda há tanto tempo e que nunca precisa. Ou usa. Talvez, até ache. Fecha as gavetas, fecha a porta do armarinho e vai tratar da sua vida, sem tempo para examinar aquelas “preciosidades” e jogar fora.

Respire fundo.

Assim é a sua história pessoal.

Cheia de escaninhos, gavetinhas e prateleiras abarrotadas de inutilidades. Tudo aquilo que o impede de viver. Você não tem tempo de examinar suas gavetas internas. As lembranças boas e ruins vão se acumulando. Você não faz nada para separá-las. Assim, você não se liberta. Adia uma semana. Meses. Os anos passam e... Nada.

Pode-se viver uma vida inteira guardando coisas que não precisamos.

Pode-se viver mal com coisas que perderam o sentido de ser.

Pode-se sofrer um infarto e emudecer e todo seu lado direito atrofiar. Claro que pode.

E você ainda viver muitos anos desse jeito sem conseguir se comunicar ao redor. Já imaginou trancafiado na sua própria desorganização? Com seu acúmulo de ressentimentos? De frustrações? De raivas? De cobranças?

Utilidade pública: limpe suas gavetas e guarde só o que realmente tenha significado na sua vida.

Antes que seja tarde.

* * *

Durante a caminhada pelo bairro ela viu os três velhos sentados na mesa, bebendo. A mesa estava na calçada e quase impedia as pessoas de caminharem. Quando chegou perto, não encarou os três, mas ouviu um deles dizendo “é química, é veneno, ta tudo envenenado.”

Ela ficou com vontade de sentar-se à mesa e escutar o resto da conversa. Mas continuou com seus próprios pensamentos em concordância com os bebuns: está tudo contaminado. Os jornais já alertaram. Pelo visto alguém mais leu.

O tomate perdeu o sabor e o cheiro. Graças aos agrotóxicos. Cenoura, idem.

O morango com gosto de isopor recebe um veneno chamado vinclozolina. O mesmo utilizado no feijão. E as galinhas que recebem ração com hormônios botam ovos com hormônios? Perigo, alerta: invisível, o alimento vai nos transformando. Vamos adoecendo. Até o espermatozóide está sofrendo mutações. Ela viu na tevê.

Utilidade pública: deixe os morangos, as maçãs, as cenouras, os verdes mergulhados numa solução de bicarbonato de sódio. Uma colher de sopa do pó para cada litro de água. Os vegetais devem ficar de molho por até meia hora e, depois, precisam ser lavados em água corrente. Cuidado com as bactérias que matam.

Agora você tem pela frente uma eleição. Talvez, o resultado não mude sua vida. Não mude o destino do país. Minha sugestão?

Jogue fora o que atrapalha sua vida e tente se alimentar com produtos sem agrotóxicos.

E vote convicto. Se, possível.

* Crônica de hj no A Hora




outubro 13, 2010

CARPINEJAR

“Envelheci…

tenho muita infância pela frente.”

DE VERDE, SÓ OS ANOS

Todas as paredes da minha infância foram engolidas pelo verticalismo dos prédios. Quase todas. Talvez fosse preciso esquecer a infância. Sim, talvez, para não suscitar inveja na criançada de hoje.

Caminhando pela Tiradentes escuto meu pai chegar na varanda do nosso chalé verde-escuro com venezianas vermelhas, obrigando o assoalho bem encerado ranger e denunciar sua presença a cada fim de tarde. Certa vez, um susto divertido: pipocou entre nossos pés com muito barulho os “peidinhos-de-adão” fazendo com que saíssemos em correria eufórica pelo pátio dos Fischer: laranjeiras, butiazeiro e jabuticabeira, passarinhada, um lagartão e um caminho secreto que dava no quintal da vizinhança. Existiu um tempo onde todas as crianças curtiam quintais, acreditem. Na frente desse chalé morava a família Schilling que tinha um Carlinhos que levava “guardachuvada” na cabeça sempre que implicava com meus seis anos. Agora se transformou numa rua sem graça, com prédios insípidos, mas que ainda devolvem os ecos de nossos risos inocentes.

Então nos mudamos para a Borges de Medeiros. Na casa azul-clara e janelas cinzas, um quartinho de lenha foi transformado em biblioteca e um porão maravilhoso em saleta de costura da minha mãe, onde no verão brincávamos com bonequinhas de papel e onde vi nascer uma ninhada de seis gatinhos. Havia um gramado com sombra de cinamomo onde me recuperei de uma hepatite. E havia parreira, um galpão, horta e um galinheiro. Ali montei muito circo e organizei vários “desfile de miss brasil” com direito a capa de cortina e coroa de papelão dourado. Foi nessa casa que vi o homem aterrissar na lua e meu avô jurar que tudo aquilo era mentira dos americanos. E onde observei com privilégio as melhores enchentes da minha vida e onde um dia acordei sem telhado por causa de um furacão. Ali presenciei o nascimento de meus irmãos gêmeos e onde, sentada e muda, desmanchada em suspiro, sem poder dançar, vi a primeira reunião-dançante na casa dos Teixeira. E daquele dia em diante senti que havia um mundo sublime muito além dos jogos de batalha naval, de banco imobiliário, de mico-preto, vareta ou do universo das bonecas da Estrela. Evito essa rua, evito olhar aquele prédio sem estilo e sem arvoredo que construíram bem em cima dos meus anos de confissões importantes: fui eu que libertei o canarinho.

Nesse inventário lúdico, impossível não lembrar de duas ruas que apaziguam minhas reminiscências. Quando chegamos em Lajeado, o Edifício Lincoln na Julio de Castilhos estava em fase de acabamento e minha mãe conta que nem porta havia. Muito brinquei por aqueles corredores de ladrilhos hidráulicos xadrezes. Graças a Zeus que o Lincoln ainda está de pé com todos os fantasmas preservados. Inclusive os do tempo do Brizola.

Na Saldanha Marinho, minha segunda casa continua, misteriosamente, de pé até hoje, porém transformada em consultório dentário. Fomos vizinhos da dona Zulmira que tinha um jardim fantástico e uma casa linda. Na calçada desta rua aprendi a andar de bicicleta, lomba abaixo, estofando a alma com os mistérios e o terror do necrotério bem próximo, limites vencidos corajosamente no dobrar da quadra. Foi onde montamos as melhores cabanas de lençol e onde num fim de tarde de outono ficamos todos se equilibrando nos galhos de uma pereira que havia no terreno baldio ao lado dos Zart. Tantas confabulações inspiradoras estendidas até a hora do céu coalhar de estrelas.

Agora cada leitor faça o seu inventário, antes que também nos roubem o direito de salvar do esquecimento datas como a de ontem. Parece mentira, mas fomos contemplados com uma infância onde se brincava na rua até em dia de chuva.

E as crianças de agora? O que lembrarão no futuro? Creche, grades, sábados e domingos em frente do computador?


* Crônica no A Hora de hoje

outubro 12, 2010

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

“Pouco importa

venha a velhice,

que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes,
as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.”

BOGOTA: LA PIRAGUA

Não sei o que seria de turistas incidentais se não fossem as milhagens aéreas. Es cierto! E’vero! Es ist wahr! E foi por onde começamos. E foi assim que descobri Bogotá nas alturas da Colômbia. Sim, para espanto de alguns amigos que preferem Buenos Aires a qualquer outra rota.

A brincadeira sem graça ficou por conta das Farc: “Vão fazer um curso rápido de guerrilha na selva?” Sem chance de resposta. As pessoas não gostam de falar, embora a tevê não deixe ninguém esquecer o drama do povo e dos oito mil pseudos revolucionários, hoje, lutando e matando pelo contrabando de cocaína.

Depois de sobrevoar uma imensidão verde-amarela e uma estrada líquida sem fim, desembarcamos em Bogotá.

http://www.colombia.travel

Não dá para acreditar: do aeroporto até o centro, ciclorutas. Ou, ciclovias. Lá, realmente, duas rodas têm prioridade.

Existe até mesmo o Dia da Bicicleta! Um taxista contou que uma vez por ano não circulam carros nem ônibus. Só dá elas. Achei fantástico. Invejável. Futurístico. Além do que a maioria das ciclovias é resguardada por alamedas com muito verde e com guardas de trânsito por toda parte, comandando a sinalização nas ruas com uma simples plaquinha de “Pare” e “Siga”. Sim, poucas sinaleiras. E isso que Bogotá é a quarta maior cidade da América Latina. Vi muitas obras de ampliação de ciclorutas. Aos domingos, diversas ruas são fechadas para incentivar a pratica do ciclismo. Então, a melhor maneira de conhecer a capital colombiana é mesmo, pedalando.

O barato em Bogotá é o transporte. E assim tomamos um táxi – muito barato – por dez mil pesos (R$ 10,00!) e depois de 8 ou 9 km chegamos ao centro. Largamos as tralhas e corremos para conhecer o Museu Nacional onde, antigamente, funcionava um presídio.

O que sabemos sobre aquela terra? Nada. Somos apenas turistas descompromissados e desorganizados, que chegamos até a Colômbia pelo surrealismo mágico do seu maior escritor...
Primeira parada: o antigo presídio, hoje, Museu Nacional com sua a bela e secular cerâmica indígena, pinturas históricas que conservam e divulgam a memória do país que parece viver tempos de restauração arquitetônica e, se assim posso dizer, de auto-estima.

Bogotá surpreende a cada momento, a cada descoberta, a cada ruazinha... Tem 58 museus, 45 teatros e mais de 30 bibliotecas, além de dezenas de galerias de arte. O tour poderia ser apenas cultural e essa parece ser a vocação da capital dos colombianos.

Além de quadros que registram a história, um conjunto de múmias indígenas bem conservadas.
Igrejas seculares, do início da colonização espanhola: são 28... Escolha uma ou duas e continue o seu passeio!

Entre tantos museus, escolhemos o impressionante Museu do Oro, com peças seculares, criadas pelos indígenas, de uma delicadeza que emociona. Ou diverte.
Museu Botero: obras doadas pela maior expressão artística nacional viva, Fernando Botero, o artista dos gordos, que hoje tem endereço fixo na Espanha. Não deixe de visitar a lojinha do Museu... uma perdição.

Depois dos museus, uma visita ao centro histórico da cidade: La Candelária. Século XVI. Atual centro de antiquários, bistrôs charmosos, centros culturais e muitas tiendas de recuerdos.

Na verdade Bogotá começou se chamando Santafé. Desde 1538. Conquistou sua independência em 1819 pelo sabre de Simon Bolívar. E no mesmo ano virou Bogotá. É história que não acaba mais. A começar por um Observatório Astronômico, de pé desde 1802!

Antes de descobrir um bar para matar a sede no final de tarde quente, descobrimos surpresos, cabines telefônicas informais em cada esquina: celular de aluguel.

Nos horizontes daquela cidade de sete milhões de habitantes, a 2.640 metros de altitude, à sombra dos Cerros Orientales, distingue-se um orgulho pela alma aguerrida de quem já lutou por mil dias.

Mas também uma alma poeta, artística e crítica.

Uma alma religiosa, que transformou uma mina de sal em catedral: Zipaquirá.

Enfim, Bogotá, arte e cultura popular, e um gostinho de quero mais até juntar as próximas milhagens.

"ANTES DO ANOITECER"

Javier Bardem vive um escritor cubano. Uma de suas melhores interpretações. Imperdível. Procure na sua locadora.

outubro 07, 2010

FERNANDA MONTENEGRO

Queridas Regina e Suzana com seus ingressos garantidos para dia 7 de novembro!


“Na interpretação não me interessa a verdade.

Nem Cristo soube – ou não quis afirmar- o que é verdade.

Acho que é porque não existe.

O que existe, para mim, é a sinceridade.”

Viagem ao Outro


MAIS UM DILEMA

Fiquei por segundos, hipnotizada, em frente a maquina.

Um fio, um sopro, um toque. O que mudaria no espaço ao redor?

Nada. Absolutamente nada. Seria isso pior que tudo? E tudo seria o que?

No entanto, nós ali, indefesa, eu. Provocadora, ela. Uma encarando a outra. Medindo forças?

- É a sua vez – ouvi um murmúrio.

Olhei para trás e não havia ninguém.

Seria a maquina?

Máquinas não falam garantiu minha lucidez e apenas lembrei do Chico Science: Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar. E lamentei sua morte prematura. E lamentei que um dia desapareceram com o meu cd Da Lama ao Caos:

Posso sair daqui para me organizar
Posso sair daqui para desorganizar


É o que espero das pessoas que sentem na alma, refletem na pele ou se confrontam nas suas escolhas sexuais e religiosas, dolorosamente, os inerentes prejuízos de uma sociedade preconceituosa.

- Coragem... ela incentiva - juro, escutei com clareza.

Tudo isso como num flash neuronial - se é que já inventaram isso. Vi e ouvi. Não estou ficando louca. E piorando as coisas:

Da lama ao caos, do caos à lama.

Um homem roubado nunca se engana

Nesse momento, apesar do frescor da manhã de Outubro, comecei a suar. Uma crise de fatalismo àquela hora? Além de nós duas na sala sem janela, mais algumas aguardavam por ali o momento do confronto. Sim, a hora decisiva.

A melodia do Chico nos meus ouvidos ressonando ao som dos tambores: da lama ao caos, do caos à lama, da lama ...

E agora bastava apenas me concentrar e tocar. Expressar meu desejo que também nem era desejo, era dor e humilhação. Nada mudaria, lembram? Ou teria realmente alguma influência no futuro?

Com a barriga vazia não consigo dormir
E com o bucho mais cheio comecei a pensar
Que eu me organizando posso desorganizar

No devir nada é perene. É o que me conforta. Então, se organizem para desorganizar.

Por precaução, mas com todas as dúvidas ainda sangrando, encarei a maquina e seu risinho debochado. Avante mulher sem fé!

E assim liberta do transe paranóico, votei.

Depois, saí arrastando minha consciência pelas calçadas sujas de homens que roubam e traem nossa confiança.

* Agora, por favor, devolvam meu cd.

** Crônica no A Hora e Opinião.

EITA MUNDO BÃO...

Prá que complicar?

TRÊS DIAS...

...dizendo por aí o que penso sobre essas eleições. Quase caí dura quando fui ver meus horóscopos no jornal. Acho que leio só pra me sentir mais confortável, mais segura da minha metralhadora verbal. Seguir a manada? Tô fora. Mas é impressionante como as pessoas querem fazer a cabeça da gente. Como se o mundo fosse mudar de endereço...