ÜBERDRUSS
outubro 23, 2012
110 ANOS DE DRUMMOND
Amor, pois que é palavra essencial
Amor - pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Carlos Drummond de Andrade
(Itabira, 31 de
outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987)
outubro 22, 2012
ARNALDO BApTISTA II
photo by paulo nunes
.como convidada,
sentei na sala do arnaldo e fiquei ali ouvindo ele no piano. parecia frágil,
parecia emocionado, parecia uma criança na reclusão de um corpo. não parecia um
rei de si mesmo apesar de tocar as canções que gosta, nem todas as que gosto. mas
eu estava ali porque queria e queria ouvir loki. queria ver um ex-mutante
liberto da tirania profissional das gravadoras, agentes, senhor de seu destino.
foi quase ovacionado por todos que o
aplaudiram de pé quando entrou na sala.
o piano, pétalas de flores e o homem.
tanta insolência e genialidade custaram caro. não consegui desafogar a emoção só
foi me chegando uma tristeza, uma tristeza, uma tristeza até chegar em casa
duas horas depois. até acordar no meio da noite e lembrar que calou o piano
porque alguém mandou que assim fizesse antes da vertigem, antes do colapso,
antes de. cê ta pensando que eu sou loki?
SONETO 116
...
O amor que muda ao sabor do momento,
Ou se move e remove em desamor.
Oh, não, o amor é marca mais constante
Que enfrenta a tempestade e não balança,
É a estrela-guia dos barcos errantes,
Cujo valor lá no alto não se alcança.
O amor não é o bufão do Tempo, embora
Sua foice vá ceifando a face a fundo.
O amor não muda com o passar das horas,
Mas se sustenta até o final do mundo.
Se é engano meu, e assim provado for,
Nunca escrevi, ninguém jamais amou.
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Shakespeare
outubro 17, 2012
FANTASIAS
Às vezes sinto uma vontade de voltar no tempo.
Não para fazer diferente.
Mas sim para resgatar um pouco mais de colo, tomar dedeira
de nescau embaixo das cobertas de pena, sentir meu pai massagear meu peito com vick
vaporub enquanto ouvia ele contar a história do lenhador que perdeu seu
machadinho dentro de um lago profundo.
Então, esses dias me vi no porão da minha casa brincando de lavar as roupas da boneca Beijoca. Lembro que ainda gritei:
Então, esses dias me vi no porão da minha casa brincando de lavar as roupas da boneca Beijoca. Lembro que ainda gritei:
“Mãe, não tem mais
Rinso?”
Juro, foi muito nítido. E muito rápido. E talvez você nem desconfie o que seja Rinso, não é?
Penso que junto com os produtos que sumiram das prateleiras,
lá se foram também todas nossas mais absolutas crenças, sonhos e os desejos
mais secretos, como uma eterna vontade de abandonar a cidade e botar o mundo
nos pés.
Até consegui, mas acabei voltando para criar os filhos, sem desconfiar que daqui nunca mais sairia. Cruzes, onde será que foi parar minha coragem?
Até consegui, mas acabei voltando para criar os filhos, sem desconfiar que daqui nunca mais sairia. Cruzes, onde será que foi parar minha coragem?
“Terminou a Kolynos?” pergunto à mãe atucanada com uma
encomenda de docinhos que precisava entregar logo depois do meio-dia.
“Pega outra na despensa e depois corre para o Grupo, guria.”
Sim, naquele tempo toda casa tinha uma despensa, assim como
um abacateiro ou cinamomo. E Grupo significava Escola Fernandes Vieira.
Certa vez no recreio queria brincar de pular corda, mas as
“grandes” não deixaram, aí puxei a corda e com ela bati nas meninas. Deu o
maior rolo. Cheguei em casa e levei uma tunda do meu pai. De castigo fui para o
porão ler Robinson Crusoé. Ou seria tudo isso fantasia? Hoje não se leva mais
surras e às vezes precisa um Conselho Tutelar para educar melhor os filhos da
gente. Cruzes mesmo!
Sim, hoje também não existem mais porões frescos, com cheiro de umidade e mofo.
Nem se brinca de facão da meia-noite, porque as casas não têm mais escondedouros como quartinhos soturnos, os quintais não tem galinheiro fedorento, poço misterioso com água suspeita, mesa de cimento fixa embaixo de arvore frondosa, fornos de pedra abandonado, nichos nas cercas vivas e sombra de parreira para tomar chimarrão ouvindo a conversa dos grandes, sem se intrometer porque criança não fala quando adulto puxa causo.
Da janela embaciada vejo lá fora uma menina espevitada e
magricela, gritando:
“Mãeee, não acho minhas galochas!”
“Procura direito que elas não andam sozinhas por aí.”
Suspiro do fundo da alma perdida, mas reconciliada.
Feliz Dia da Criança para nós que um dia soubemos nos inventar.
* Minha crônica nos jornais A Hora, em Lajeado e Opinião,de Encantado.
UM AFAGO
****
Escrever é um “fetiche solitário” já dizia Terry Eagleton, filósofo e crítico literário. Por isso, essas linhas escritas pela professora Ivete Kist, ela também escritora, no jornal O Informativo, são como um bálsamo na alma. Nesse momento gostaria de ser mais comerciante, menos escritora e tratar de vender meus livros, que repousam numa caixa, desafiadoramente.
100% PRIMAVERA
É como se Alguém abrisse um portal de cheiros, cores e formas.
Por aqui cor é vida
e a vida ta dando show.
Tom sobre tom
um tom para viver mais feliz.
É tempo de delicadezas por estas bandas.
De vento fresco em manhã de sol.
Tem perfume no ar.
Malícia e pudor.
Tons-de-cinza não-sei-o-que?
Meu horóscopo diz que tudo é propício.