agosto 30, 2018

RICHARD DAVIDSON

"Que há uma diferença substancial 
entre empatia e compaixão. 
A empatia é a capacidade de sentir 
o que sentem os demais. 
A compaixão é um estado superior. 
É ter o compromisso e as ferramentas 
para aliviar o sofrimento." 

MALVINA, UMA ANARQUISTA EM CRUZEIRO DO SUL



Domingo de sol, o bisneto de Malvina Hailliot Tavares, com um copo de vinho branco na mão, sentou  com a gente no quintal e revelou um pouco de seus vestígios políticos.

Cavando a genealogia vão se descobrindo as afinidades, a importância que damos  ao meio que vivemos, com quem você se importa, o seu lado mais humano.  Claro, às vezes, um desvio  empurra para outro extremo.

A história sempre tem dois lados: de quem a viveu intimamente e de quem a pesquisa.
E por que não uma terceira perspectiva? 
A de quem se apropria, ficcionalmente.

Por ora, o Google revela:

A professora  e poetisa Julia Malvina Hailliot Tavares foi considerada uma "anarquista" na sociedade gaúcha dos anos 1890. 

No Wikipédia, uma pioneira na defesa de uma educação libertária naquela pequena colônia do Vale do Taquari. A professora dava aulas sem empregar os castigos físicos e sem as manipulações impiedosas do ensino religioso.  Não demorou, conquistou pais e filhos agricultores.
(Acervo Aristides Tavares)

Nas histórias familiares, outra versão:  exilada por Júlio de Castilhos como punição por sua ideologia política, contraria aos interesses da época. São Gabriel de Estrela é hoje a cidade de Cruzeiro do Sul, e lá Julia Malvina viveu e foi enterrada no dia 16 de outubro de 1939, aos 72 anos de idade.

“Apesar das adversidades Malvina persistiu no cargo professora tomando para si a tarefa de educar as crianças da área rural daquela localidade. Sem um prédio que servisse de escola inicialmente Malvina educou as crianças em sua própria casa. Sua influência na região certamente superou o espaço da educação das crianças alcançando toda a comunidade.”


(Procurando em todo cemitério...)


Logo, Julia Malvina Hailliot Tavares conquistou o respeito e a admiração dos moradores com suas ações assistencialistas e educativas, inventando  saraus com peças teatrais e recitais poéticos.  Sua pedagogia sensível  incluía piqueniques e brincadeiras em sala de aula, nada mais surreal naqueles tempos sisudos e sufocantes.

Julia Malvina, uma importante referencia cultural para Cruzeiro do Sul,  escrevia um diário com poesias e observações sobre a sociedade gaúcha:

"Esperar é o segredo da felicidade
A esperança e a recordação
É o caminho que com certeza
São nossas companheiras
Nos leva ao ponto que desejamos
Nos momentos atrozes de saudade"

A valorização do conhecimento:

 “Companheiras, cursemos a escola,
Lá, brincando, se aprende a lição,
Alegremos aos pais e mestres,
Seja pois nosso Norte-instrução.”

O neto de Julia Malvina é o jornalista e escritor  Flavio Tavares. Ele lembra  que cresceu ouvindo de sua mãe as palavras que a sogra dizia:

"A palmatória é amaldiçoada, 
o castigo é um horror."







Pelo contrario, Malvina acreditava em autoridade com afetividade no trato com os alunos:

"O brio é sempre um bom sentimento, 
mas cumpre que acompanhe a doçura."

Malvina ensinava seus alunos a pensar. E com isso, a duvidar:

“Entende-se que a ação pedagógica de Malvina promoveu o desenvolvimento de referenciais para o pensamento crítico, que permitiram aos jovens assumirem posições sociais e políticas e possibilitaram o enfrentamento de desafios com o mundo real.”

Eu só queria ter acesso ao diário de Julia Malvina, essa mulher idealista, determinada e que se entregou com paixão a uma educação libertadora.

"Malvina se despede do seu diário e da vida, com tristeza fala de todos os filhos que se foram, é uma fala que evidencia solidão, pede coragem para enfrentar as adversidades da vida e sua

narrativa assume um tom religioso:

Meu filho Memeco foi de muda para Mussum a 15 de julho de 1931, vai querido filho, sê feliz, deixaste tua mãe triste sem um filho neste lugar. Dai-me coragem Deus de bondade. Deodina e Queta se foram para Anta Gorda em11 de outubro de 1931 me deixando numa tristeza grande e doente de meu coração, sejam felizes queridos filhos com seus queridos filhinhos. As saudades que sinto são grandes, bem grandes, coragem Deus dê bondade para esta pobre e triste bem triste velha...”


Se meu vizinho Tidão Tavares queria aguçar minha curiosidade, conseguiu.

Fui hoje a Cruzeiro do Sul. Depois de visitar um cemitério e não encontrar nada, cheguei até a Casa Canônica. Lise atendeu com muita simpatia e ficou de falar com a mãe, que poderia saber algum episódio sobre Malvina. Ela mesma desconhecia a história. Segui até o segundo cemitério. Quando já desistia, uma emoção...

Adorei saber de uma voz feminina e diferenciada,  em pleno século XIX, na minha região – o que me comove e orgulha.

Com certeza, Julia Malvina Hailliot Tavares deveria patronear  uma das cadeiras da Academia Literária do Vale do Taquari, inspirando pensamentos vanguardistas. 

Infelizmente,  Malvina não resistiu à memória da cidade onde viveu. Nada que impeça de buscar o tempo perdido.



Leitura: “Uma história de vida e de  trabalho: a educadora  Julia Malvina Hailliot Tavares”, de Dóris Bittencourt Almeida.

“No entre tempos da memória historiográfica: os itinerários de duas professoras”, de  Carlos Gilberto Pereira Dias  http://www.entremeios.inf.br/published/110.pdf

https://www.researchgate.net/publication/276345286_Escritura_marginais_fragmentos_de_memorias_da_professora_Malvina_Tavares_1891_-_1930

agosto 17, 2018

VALTER HUGO MÃE




"Um país que não se ocupa
com a delicada tarefa de educar,
não serve para nada.
Está a suicidar-se.
Odeia e odeia-se."

OBITUARIO


Desci na rodoviária.
Para quem não conhece as redondezas da minha cidade: em frente ao presídio, ao lado do cemitério.

(Escolha como quer desembarcar nessa vida...)

Na câmara mortuária, um velório. 
Pouca gente.
No proclama - João da Silva.

Sim, apenas, João da Silva.

Quantos Joãos da Silva nessa cidade? No país?

(Aproximadamente 122.000.000 resultados em 0,56 segundos)

Quantos Joãos da Silva você conhece?

Meu avô era João, meus irmãos, um filho, um neto, alguns amigos.
Nenhum João da Silva.

Prenome e sobrenome: remete à simplicidade, à suor, calos nas mãos, ranhuras na sola dos pés.

Morreu de morte morrida? 
Ou no corredor do Sus?
De desgosto, de desesperança?
Morreu de tanta ambição?
Morreu velhinho?

E se um João da Silva recém-nascido que a Natureza achou por bem salvar da fome, da hipocrisia e da crueldade social?

João da Silva. Ver o cpf.  Atestado de óbito. Carimba-se.
É tudo o que se sabe. Agora, descansa junto aos vermes. 

Estrelinha no céu, uma ova.


A DESTRUIÇÃO DE UMA CIDADE...

Tem quem goste...

RESPEITO


Às vezes impressiona:
como já perdi oportunidades
por não fazer parte da engrenagem...

agosto 16, 2018

JOSÉ DIAS COELHO

photo by Luis Bhering

"Fui feito no mar
para no mar andar.
Fui feito no céu
para no céu voar.
Fui feito na terra
para na terra lutar.
Em toda a parte 
há um pedaço de mim
que se quer dar."

MUSEU DO ALJUBE: SEM MEMÓRIA NÃO HÁ FUTURO

O Doi-Codi de Portugal  chamava-se PIDE.
Andando pelas ruas de Lisboa, 
descobrimos por acaso, próximo à Sé...

Um museu para honrar a Resistência 
contra o fascismo,
durante a ditadura portuguesa.
Inaugurado em abril de 2015.
Não deixe de visitar.
Visita guiada as 15 horas.

As fotos falam do meu assombro e emoção:
legendas dispensaveis.

A vista da Baixa:
Não me espantaria 
se o passado voltasse ao Brasil.


Composição gráfica  do rosto de Amável Vitorino
com fotografias dos rostos de centenas de presos políticos.



“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”

Sophia  Andresen, poeta portuguesa














Rua de Augusto Rosa, 42

E no Brasil?
Quando  será revelado
o que temos direito de saber?



POR QUE NÃO?


É tanta corrupção, tanta enganação, tanta gente morrendo nas filas dos sus e tanto descontrole que ... Socorro! Às vezes, penso em separatismo. Mas não ouso confessar.

MAMMA MIA: LÁ VAMOS NÓS DE NOVO!


Entro no cinema vazio. Sessão das duas. Minto, na ultima fila, na carreira da letra J, uma criatura e seu rosto iluminado pela luz branca de um celular. 

Tenho 10 min para descansar. 
Ou para ler o livro que acabei de comprar.

Cinemas deveriam ser como cavernas: escuras e silenciosas. Só que não: uma música irritante toca alto. Não consigo me concentrar. Nem descansar.

Entra um casal com um saco gigante de pipoca – aqui não, aqui não, aqui não, meu deus.

Entra uma senhora. Senta quatro  carreiras abaixo da minha. O cheiro do seu perfume chega até onde estou. É enjoativo.  Cheiros, cheiros, cheiros. Sou uma chata.

Entra uma excursão de meia-idade: 14 mulheres de algum clube suspeito escalam vagarosamente  cada um dos degraus iluminados. Sobem, sobem e param na fila G.  A minha.

Todo o cinema vazio e elas escolhem sentar justo na minha fila?

Educada, levanto para passarem com suas bolsas e sacolas, ruidosas e perfumadas como um bando de estudantes tagarelas.

Troco de lugar. 

O filme começa. ABBA foi brega e sempre será. O filme é uma bosta. Mas, vale rever Cher e  não havia outro naquele horário. 

Sou uma chata, mereço.

A BANDIDAGEM SOLTA