ÜBERDRUSS
agosto 26, 2023
ROSANE CARDOSO
A depredação histórica do dia 8 de janeiro é homenageada pelos vereotarios de Porto Alegre...
A doutora em Letras Rosane Cardoso explica a estupidez:
O dicionário nos ensina que patriota é “o que ou aquele que ama a pátria e a ela presta serviço” (Aurélio), com o que outros dicionários concordam. Também existe a acepção de ser o nome dado aos soldados das forças irregulares do governo na revolução federalista de 1893 (Michaelis). Uma forma gentil de dizer milícia.
Sim, os limites podem ser tênues e, como confirmamos com a homologação do Dia do Patriota, em Porto Alegre, também pode servir para definir terrorista doméstico. Uma lástima.
Gostaria de ouvir a justificativa para a criação de um dia
em que a nação passou por uma vergonha histórica, fruto da mais profunda
ignorância: não saber que o espaço que estavam depredando não pertence a um
presidente ou partido, mas justamente ao país que supostamente defendem. É como
entrar na própria casa e começar a destruir.
A outra curiosidade que tenho é saber como, passados os
anos, será explicada, para filhos e netos, a tal celebração. Vale lembrar que,
ao contrário de décadas atrás, hoje tudo fica registrado. Imaginem a cena:
papai e mamãe falando sobre a importância do dia do patriota, enquanto a prole
observa, nas redes sociais, a destruição de um patrimônio irrecuperável e a
foto de um jovem defecando alegremente, enquanto posa para uma câmera. Uma cena
imperdível, sem dúvida.
Na verdade, os patriotas da barbárie podem ficar tranquilos
que o 8 de janeiro já entrou para a História. Jornais do mundo todo, como Der
Spiegel, The New York Times, Le Monde, El País, The Guardian, El Mundo,
Corriere dela Sera, Diário de Noticiais, Le Soir, The Jerusalem Post e muitos
outros descreveram o evento a que todos, sem exceção, chamaram de atentado
contra a democracia.
Então, vergonha registrada e futuro garantido. Mas, claro,
se isso não for o bastante, basta tentar impor um dia específico, ideia que
obviamente vem assanhando algumas mentes insanas.
É, no mínimo, bizarro, mas parece que, no mundo dos
recordes, conseguimos um inusitado: o primeiro estado cuja capital comemora o
Dia do Terrorismo Doméstico.
M A L V I N A
A gente escreve sobre o que nos toca.
E ao escrever vamos assimilando. Ou discordando.
Quando damos por acabado – na verdade, nunca acaba dentro da
gente - saímos transformados por essa experiência de pesquisar, escrever,
corrigir, reescrever, limpar, reescrever, corrigir. E quando publicado, novos
erros se revelam como um tapa na nossa cara.
Aí entra em pauta a decepção e a ânsia.
Aliás, um oceano de ansiedade: vão gostar? Detestar? Por que não escrevi com outro
narrador? Por que não pesquisei mais? Por que não ousei? Porque não segui minha
intuição e não fui mais a fundo?
A professora canadense Linda Hutcheon escreve em “Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção" que reescrever ou reapresentar o passado na ficção e na história é – em ambos os casos – revelá-lo ao presente. No fim, Malvina não deixa de ser apenas fruto da minha imaginação. Um cartão, uma foto, uma carta, nomes... O toque de realidade.
A narrativa ficcional pode auxiliar a interpretação histórica, revelando traços comportamentais, sociais, políticos e culturais de uma comunidade, em um determinado momento histórico. A ficção é o “como poderia ter sido”... Pode ainda registrar concepções políticas e filosóficas, importantes para uma história do imaginário e da leitura.
O mérito da micro-história no silenciamento de Malvina na sua comunidade; a importância da história do cotidiano... Quando Malvina deixa de ser uma história antropológica, para adentrar o espaço da literatura? Por que ela não é sequer nome de rua em Cruzeiro? Por que a invisibilidade? por que? Por que?
Como estudaremos as pessoas notáveis dos anos 2000? Dos anos da internet? Não temos mais diários, cartas, fotografias impressas, álbuns de família... Quem vai registrar as “lendas” familiares, os causos políticos, a micro-história...?
As influências políticas de Júlio de Castilho, João Abott, Pinheiro Machado, Borges de Medeiros, Júlio May. Princípios republicanos. O extermínio dos muckers. Revolução Federalista. O anarquismo no RS. A greve dos braços cruzados.
PLANTE PARA DERRUBAR
Bem que o setor biológico tenta amenizar o estrago do governo municipal dessa cidade. Mas a gente vê horrores ambientais todos os dias, no próprio bairro. O vizinho que corta os coqueiros da calçada. Um outro que etirpa por inteiro uma baita sombra, eu que podo mal um hibisco e ele morre - ninguém escapa da ignorãça, como diz o poeta Manoel de Barros. Nós somos criminosos e insensíveis. Contamos com a segurança do "bom mocismo burguês".
Essas Flamboyants com os dias contados... Umas oito! Para dar lugar a mais um empreendimento lucrativo. Os caras destroem tanto, que tem até vergonha de assumir publicamente que são "investidores".
agosto 07, 2023
CONFIDÊNCIA DA LAJEADENSE
Sabe, aquele poema do Carlos Drummond de Andrade? Confidência do Itabirano? Com alguma relação entre si, reescrevi - desculpe Drummond! - levianamente:
Alguns anos vivi em Lajeado
Principalmente não nasci em Lajeado
Por isso sou triste, decepcionada: da laje.
Noventa por cento de lajes nas calçadas.
Oitenta por cento de laje nas almas.
E esse alheamento do que na vida
é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Lajeado, de suas noites brancas,
sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança lajeadense.
De Lajeado trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta laje, futuro muro no Brasil;
este Santo Inácio do velho Fialho de Vargas
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
Não tive ouro, não tive gado, não tive fazendas.
Hoje sou
jornalista aposentada
Lajeado é apenas
uma fotografia no computador.
Mas como dói!
BURACO CAUMO
A escritora Carolina Maria de Jesus, no seu livro Quarto de despejo: “Escrevo para não xingar”.
Nem se compara as minhas dores e raivas com as dela. Nunca! Mas, mas, mas, não é muito diferente comigo. A impotência também serve de motivo.
O prefeito Caumo deveria inaugurar o buraco no valão com o seu próprio nome. Já que essa é uma cidade machista que adora batizar parques e praças com nomes de homens. Impressiona que os vereadores não conseguem lembrar de Lélia Pinto, Zélia Abichequer, Lenira Klein, Carmem Regina, Tetê Tessmann, Beti Heemann... A estreiteza da visão é incrível.
Dia 5 de maio abriu, novamente, uma cratera na Av. Décio Martins Costa, em Lajeado, a smartcity, a cidade inteligente!
Um secretário de obras que atende pelo apelido de Medonho, não pode ser menos medonho do que um prefeito que inaugura praça de esportes para a elite, mas ignora o tamanho da encrenca a céu aberto há três meses. E a imprensa quieta.
No dia 10 de junho, um carro caiu no buraco, durante a madrugada. Zeus protege as crianças e os bebuns... – dizem.
Conversei com um cara da Corsan. “Esse buraco é da competência da Prefeitura” – disse. “Eles vão precisar abrir até a beira do rio e canalizar. Do contrário, vai abrir, novamente.”
Na cara do edifício imponente, aquela cloaca aberta e infestada de mosquitos – conforme morador. E o verão chegando com suas campanhas pífias contra a dengue. Governo hipócrita.
Escrevo para purgar. Senão, me enveneno.
ARTE NA ESCADARIA
MALVINA
Com olhos fixos, o casal avista uma elevação mais alta em frente. Malvina vê a singela torre de madeira da capela, debruada por nuvens cinzentas. Deus sempre dá um jeito de se apresentar.”
Minhas caminhadas acontecem à beira do Rio Taquari, na Bento Rosa, longe da aglomeração humana. Tem passarinho, tem o barulho das águas, tem o silêncio das manhãs depois que os pais levam os filhos para os colégios. E tem uma ciclovia.