dezembro 24, 2010

ASTRUD GILBERTO

Ilha do Marajo by Laura Peixoto

“As qualidades que mais admiro:

despretensão,

bondade,

inteligência,

senso de humor,

simplicidade.”

AH, O NATAL...


Então é Natal, comadre, e já se ouvem os sinos pequeninos, sinos de Belém, tralalalá...

Não, nunca ouvi os sinos. Além de que, quando pequena confundia as cidades de Belém: Pará e Cisjordânia. E os adultos riam. Adulto adora uma trapalhada de criança.

Agora, você pode parar de ler essa crônica, do contrario é bem capaz de se chatear. Por favor, não continue. To amarga. Pule a página, vá conferir os panetones no forno.

À propósito: quantos você fez esse ano? Não me diga que comprou panetone pronto? È ruim, hein? Seco, com gosto de bolo industrial, muito sem graça. O panetone da minha mãe é ótimo. Mande um email que despacho a receita. Café da manhã com o panetone da minha mãe é insuperável, ainda mais sem ninguém perto pra perguntar “cortou mamão?”.

Amiga, você continua lendo?

Azar o seu. Com todas as letras: não gosto mais de Natal, muito menos de Ano Novo. Pronto, falei.

Enquanto todos os outros cronistas vão baixar anjinhos, aleluias, bons fluídos, amor e paz na terra, essa aqui, vai acabar irritando e estragando o seu dia. Portanto, pare de ler.

Natal em família, por exemplo.

Minha amiga disse que eles passam o ano inteiro sem se ver, as cunhadas se detestam, os irmãos se invejam profissionalmente, o pai não curte os netos que são barulhentos e a mãe só quer saber do peru de Natal, com crostinha, sem crostinha.

Nem bem chegou metade de dezembro e a comadre já explodiu com o cartão de crédito e ainda faltam todos os amigos secretos que ela participa, sendo que um deles é de cem reais: “mantemos o nível, né?”. O nível da ostentação.

Eu também extrapolei e ao fazer as contas, é tanto presente de 2,99 ( sim, evoluí!), que meu orçamento natalino faliu. O que você compra com 2,99?

Não seja besta, seja criativa:

Caixinha de fósforo decorada, vidro vazio de perfume importado para aquela amiga colecionadora, livro de sebo, blusinha de brechó, passe adiante uma bijuteria que você não usa mais e gaste só na caixinha, um cartão com suas palavras mais sinceras, o que vale é a amizade, um cd que você nunca escuta, o calendário bonito que você ganhou de brinde no super: essas coisas tem muito valor, além do que, vale é a intenção.

Natal e Ano-novo é um saco. É um filme que você vê todos os anos: sorrisinho amarelo, sorrisos desconfiados e risadas irônicas. Beijos em quem você não tem intimidade, tapinha nas costas e muita saúde pra 2011. E você lá na maior enxaqueca ou com a bursite a mil.

Natal é festa de família. Tem gente que insiste nisso e esquece que parente é serpente.

Só aparece nessa época pra jantar de graça e buscar seu par de meia. Prefiro que digam que Natal é tempo de lembrar paz na terra aos homens de boa vontade. Como são poucos, e os poucos sinceros, não vejo motivo para compartilhar meu miojo natalino.

Você leu até aqui?

Mas, bem que avisei, não avisei?

Só pra não ficar muito feio: Feliz Natal!

Mesmo, de verdade.

* Crônica no A Hora, Opinião e Região dos Vales

Não estou sozinha. Na ZH de hoje:

“Então é Natal, e nada melhor para combater esse insuportável clima de otimismo do que uma boa dose de ceticismo, né?” Roger Lerina

“Sem Rua da Praia e sem a musiquinha de fim de ano da Varig. É por isso que não gosto mais de Natal.” David Coimbra

POR QUE É NATAL?

porque não seria? sim, insuportavelmente é natal. não tenho nada para dizer. muito pouco para dar. as risadas fáceis e falsas. o consumo delirante. o desperdício. as risadas fáceis e falsas. rancores e invejas. o verde diminuindo, os bichos procurando refugio não se sabe onde. as risadas fáceis e falsas. a banalidade, a insinceridade. a idade do atraso. do medíocre. eu cada vez mais burra.as risadas fáceis e falsas. os disfarces e as máscaras. autocensura. qual é o sentido disso tudo? no youtube, um filme com imagens chocantes e devastadoras das vítimas da estupidez do homem e seus governos escrotos embaladas pelos acordes de jonh lennon. tão miseravelmente triste que a reprodução foi proibida em blogues e sites.

http://www.youtube.com/watch?v=fvNRHrKyaX4&feature=related

que julian assange no seu wikileaks continue a revelar a podridão no planeta.

dezembro 19, 2010

CAETANO VELOSO

Pálpebras de neblina, pele d'alma
Lágrima negra tinta
Lua lua lua lua
Giulietta Masina
Ah! puta de uma outra esquina
Ah, minha vida sozinha
Ah, tela de luz puríssima
(existirmos a que será que se destina)
Ah!, Giulietta Masina
Ah!, vídeo de uma outra luz
Pálpebras de neblina, pele d'alma
Giulietta Masina
Aquela cara é o coração de Jesus

LÓGICA PERFEITA


Não, nada de nada... Não, não me arrependo de nada.

Nem o bem que me fizeram, nem o mal,

É me tudo igual...

dezembro 03, 2010

ROBERTO BOLÃNO

ilustra by Helena Bloomqvist

“nem em minhas piores bebedeiras

eu perdi um mínimo de lucidez,

um sentido da prosódia e do ritmo,

uma certa ojeriza diante do plágio,

a mediocridade ou o silêncio.”

PALOMA NEGRA

Clica. É a trilha sonora para ler Rotina...

ROTINA

.acorda com vontade de matar passarinho. não acha as havaianas embaixo da cama. um pressentimento: dia ruim? vai até o banheiro. olha no espelho. a merda daquela ruga não estava ali, ontem. não estava mesmo. expurga o mijo da manhã, escova os dentes e o canino ainda dói do tratamento do canal. canino pq? lembra cães, claro. porque não tem um cachorro? – perguntou o genro um dia. sim, por que? sai do banheiro e vê seu homem anestesiado. seis horas da manhã. na cozinha, a louça da noite anterior. ignora. faz um suco, faz um café, cobre com manteiga uma fatia de pão velho. orra, porque ninguém comprou pão ontem? vai para o computador com o jornal debaixo do braço e o café se equilibrando no pires. a casa em silêncio. no computador acessa primeiro o som da amy. suspira. a quarta-feira será boa? toca o telefone. não atende. marca um happy hour por email naquele buteco sebento. confere as horas. sete e meia. confere os blogues, os sites jornalísticos onde só dá o bope, a favela do alemão e o fazdeconta que a gente é herói. remenda o próprio blog. o homem levanta. ela foi comida por aquele homem. ontem. que bebe um café morno. sozinho. ela ouve os sinais de vida na casa. ele aparece na porta. sorri. beija. e sai para trabalhar. ela tranca o portão. oito e meia. roupa na maquina. lavar a louça? não. computador. toca o telefone. não atende. pendura roupa no varal. outra maquinada. chimarrão com a amiga. volta. pendura mais roupa. outra maquinada para aproveitar o sol quente. arrumar a cama? não. pra que se vai deitar de novo? cozinha. strogonof. chimarrão. blogue. emails. leite condensado no strogonof. merdaaa. porque as caixas de creme de leite são parecidas com as de leite condensado? porque o condicionador é igual ao shampu? almoço horrível. louça na pia. toca o telefone. não atende. volta para o computador. toca a campainha. atende. um ladrão? confere o portão. como entrou no meu jardim? pulou a cerca? pulou. mas jura que não é ladrão. é apenas um assassino. matou um cara que estuprou uma mulher. cumpriu três anos e meio no presídio da cidade vizinha. ela não tem paciência para ouvir a lenga. ele quer dinheiro para fazer novos documentos. ela manda esperar. volta. volta com um revólver que era do pai. aponta. grita para o homem sair do jardim da casa dela. ele fica branco. ela grita que se ele não é ladrão, ela é. se ele é assassino, ela também é. e se ele fode com os outros, ela também fode. e puxa o gatilho. e o homem pula a cerca e sai correndo. ela grita da janela. se eles são doido de pedra, ela também é. daqui pra frente, assim. dente por dente, olho por olho, louco por louco. guarda o revolver. volta para o computador. toca o telefone. atende. um homem liga atrás de um curso à distância. tem a voz bonita. engano. ela pensa em algo. sem tempo para fantasias às três horas da tarde. um sabiá bate de encontro à janela e segue voando, tonto. ela desliga o computador e recolhe mais roupa do varal. toma uma chuverada e sai sem conferir a ruga novinha adquirida naquela manhã. antes se enche de femme sem imaginar o que ainda pode acontecer na sua vidinha entediada de dona de casa na fajuta colônia em plena quarta-feira?