março 17, 2010

ALBERT CAMUS

"Matar-se, em certo sentido,
e como num melodrama, é confessar.
Confessar que fomos superados pela vida
ou que não a entendemos."

UM POUCO DE UTOPIA

Na semana passada, no dia dedicado as mulheres, a Radio Independente nos chamou para engatar um tricô descontraído nos microfones do programa de Zero a Mil do colega Fabiano Conte.

Cheguei atrasada porque me embaralhei nessas mudanças de trânsito que inventaram dizendo que tudo melhoraria em Lajeado. Tenham dó...

Na emissora, esbaforida, dei de cara com a professora Nice da Rocha Werle, com a Secretaria de Educação de Imigrante, Edí Fassini e com a jornalista Dirce Becker Delwing. Ainda bem que nos últimos instantes desisti de comparecer ao programa com figurino de lavadeira, porque elas estavam bem comportadas. Achei que minha contribuição seria mais leve ainda do que foi: horóscopo, filhos, casamento & algemas. No final, sobrou uma provocação de arrepiar:

- E se fosse dada a oportunidade de ser prefeita de Lajeado durante uma semana? O que tu farias? – ironizou Fabiano.
- Eu...


Antes de abrir a torneirinha de asneiras à la Emília, ele interrompeu alertando que estávamos no ar, microfone aberto, quase pedindo cuidado com as palavras. O que aconteceu então? Engoli minhas excelentes idéias utópicas, meus sonhos de Q-boa e Omo.

Mas, como minha memória-flan não infunde respeito, acho que deixei escapar, e se não o fiz, faço agora, que a primeira atitude seria demitir os secretários Mozart, Simone, Guisch por total incapacidade de gerir a urbanização de Lajeado e por degradarem o meio ambiente.

Como prefeita eu pensaria em devolver a cidade para todos aqueles que realmente desejam bairros mais bonitos, mais charmosos e mais verdes.
Sim, uma luta contra o tempo.
Afinal, só tenho uma semana. Trataria de aproveitar o sábado e o domingo, e as madrugadas.

1º canetaço: autorização para construir prédios só até cinco andares, com recuo para área verde e árvores, não só um mero jardinzinho.

2º canetaço: retirada das ferragens da Julio de Castilhos e dos cabos elétricos e de telefonia - tudo seria enterrado. Plantio imediato de árvores nas calçadas, de ambos os lados, principalmente na entrada da cidade.

3º canetaço: aquisição da antiga rodoviária de Lajeado na Borges de Medeiros, terminando com aquela zona de prostituição indecente que a prefeitura atual permite. Chamaria o pessoal que restaurou o Moinho de Ilópolis e pediria para construir não só um novo centro cultural naquele prédio, como transformaria a quadra em “Rua da Arte”.

4º canetaço: construção imediata – ou restauração – de Casas de Cultura em todos bairros da cidade. Admissão imediata de oficineiros, que seriam encaminhados para cursos de aperfeiçoamento em Porto Alegre, nas respectivas áreas culturais.

5º canetaço: proibição total de asfalto, com ressalva para ciclovias em diversos pontos da cidade.

6º canetaço: construiria um novo hospital.

7º canetaço: pediria ao Ministério Público uma investigação minuciosa nas contas da atual administração de Lajeado sem se descuidar dos “laranjas”.

Aprovam? Bom, Fabiano me deu apenas sete dias...

Com mais sete chegaria aos esgotos, na arborização dos parques e da beira do rio, na despoluição do arroio que passa pelo Jardim Botânico, no trânsito, nos postos de saúde, na restauração do Moinho do Engenho, exatamente como era no passado; reorganização de um plano diretor favorável aos moradores e não aos construtores; plano de ação para o turismo na região...

Ainda bem que o Fabiano me cortou.

Ainda bem.

* Minha crônica semanal nos jornais Opinião, de Encantado, A Hora, de Lajeado. Censurada no portal Região dos Vales.

março 11, 2010

JOSE SARAMAGO

"Felizmente há palavras para tudo.
Felizmente que existem algumas
que não se esquecerão de recomendar
que quem dá
deve dar com as duas mãos
para que em nenhuma delas fique
o que a outras deveria pertencer."

RILKE ME TRADUZ

"Só mais um momento.
Que voltem sempre a cortar-me a corda.
Há pouco estava tão preparado e havia já um pouco de eternidade nas minhas entranhas. Estendem-me a colher, esta colher de vida.
Não, quero e já não quero, deixem-me vomitar sobre mim.
Sei que a vida é boa e que o mundo é uma taça cheia,mas a mim não me chega ao sangue, a mim só me sobe à cabeça.
Aos outros alimenta-os, a mim põe-me doente;
compreendei que há quem a despreze.

Rainer Maria Rilke in "O Livro das Imagens"

CAINDO FORA

bebi duas garrafas de vinho medíocre, duas doses de uísque vagabundo e um prato de polenta frita virada em banha. trancei as pernas de bar em bar. no escuro, vultos que se sacudiam. no palco, uma banda e na banda um músico muito ruim fumando um baurete. não adiantava olhar ao redor, uma neblina no que restava do meu cérebro impedia o reconhecimento. alguém se aproxima não sei se macho ou fêmea. se galináceo ou quadrúpede. se otário ou cool. minha imersão alcoólica impede os reflexos e eu não sei de nada só que tudo aquilo é realmente o nada. vejo as pessoas com código de barra, listadas e não sei o preço delas. ni dieu ni maître talvez o diabo. sim, o ciúme - disse matias aires - fabricou os ferros, criou a escravidão do homem e agora a gente vive nesse cativeiro chamado lar. o que será mais obsceno? vício ou alienação? o que dói mais? a mentira ou a verdade? sem respostas saí daquele buteco enfumaçado e o ar inocente de fora acalmou minhas necessidades etílicas. tropeçando voltei para o carro. me tranco e ali durmo até o amanhecer pouco me lixando para essa cidade de merda. para esse pesadelo racional que embala todos e que graças a deus me exclui. um conta mentira para o outro e assim garantem uma sobrevida: o filho para o pai, o pai para a própria mãe, essa para o marido, o marido para a amante e segue a humanidade. eu também minto, mas bebo antes. bebo até fazer por merecer este fígado podre que me assombra.

março 09, 2010

BERTRAND RUSSELL

Acredito que quando morrer
apodrecerei
e nada do meu ego sobreviverá.

PIRAÇÕES



@ "...fico pensando se este teu jeito despojado, às vezes irônico, é de verdade (como dizem as crianças), ou é de mentirinha. Poucas vezes te vi assim -> meio recolhida. Nunca te vi cabisbaixa.
Pergunto: tu também tem tuas crises? Existenciais, profissionais, maternais... Me sinto estranha ao teu lado. Não sei se tenho um certo medo, se há um estranhamento porque talvez eu seja o oposto - discreta e cuidadosa com as palavras.
Quando estou contigo, tenho a impressão de que me vês como uma criatura meio sonsa com quem nem vale a pena perder tempo. Fiquei pensando nisso ontem...resolvi escrever - uma espécie de consultório poético, (tipo Fabrício Carpinejar).
Laura, sempre dá curiosidade para saber o que pensas... porque tantas vezes falas aquilo que pensamos e não dizemos. Ou, depois que falas, nos danos conta de que já havíamos pensado sobre aquilo. Muito estranho, mas é bem assim. Sempre leio o teu blog.
Deve dar um trabalhão...só mesmo muita paixão e desejo de socializar idéias pode justificar o empenho. Não é mesmo? Pirações de terça-feira. "
Dirce

março 03, 2010

A Marselhesa...

Aux armes, citoyens!
Formez vos bataillons!
Marchons, marchons!
Qu'un sang impur...
Abreuve nos sillons!

AH, DESTINOS...


Foi a terceira vez que assisti Amélie Poulain, um filme fabuloso de destinos e acasos, assim, brincando com o título e como a ele se refere o diretor.

Muita coisa chama atenção para essa fábula surreal de solidão e afeto. Mas a fotografia é um dos maiores ganhos, as cores intensas e seus contrastes, assim como a música envolvente que conduz Amélie – Audrey Tautou – pelo seu bairro, onde transforma os mundinhos infelizes de seus vizinhos, ajudando nos seus sonhos particulares. Até quando ela resolve ser feliz também... Mas antes, Amélie, pequena e criativa, descobrira a vida por si mesma, já que tem um pai que não se importa com a filha, que deseja apenas ser amada.

Quando assisti os comentários – às vezes são melhores que o próprio filme, não nesse caso – o diretor e roteirista Jean-Pierre Jeunet se referiu ao artista brasileiro Juarez Machado, (conhecido no Brasil por antigas participações no Fantástico) uma de suas referências para compor as cores dos cenários e figurinos. E abusou: tudo vermelho, um ponto azul. Tudo verde, um ponto vermelho...


Também achei interessante quando ele comenta que ao escrever roteiros se lembra de um ator ou de uma atriz específica: “É bom pensar em alguém enquanto escreve.”

Muitas vezes faço isso, embora também já tenham me dito que não se escreve pensando no tipo de leitor...



Tenho outro filme dele, Delicatessen, que sempre achei interessante. Agora ando atrás de Ladrões de Sonhos.

Quando termino de assistir um filme com tantas metáforas poéticas e alegres delicadezas – o passeio com o homem cego onde Amélie narra até os cheiros! - penso para quem eu poderia indicar? E não encontro mais de duas ou três pessoas das minhas relações... Solidão cultural também passa por aqui.


“Sem você
a emoção de hoje seria pele morta
da emoção do passado.”

Hipolito