agosto 31, 2009

FARNESE DE ANDRADE

“Joga-se tudo fora.
Até a vida inteira de uma pessoa.”

Resista, não respire...

Depois de tanta arte no Margs, de examinar cada Chagall, cada Miró, Guignard, Renoir, Portinari, Iberê... Depois de ver tanta gente “entendida” na frente de cada quadro importante, onde está a mulher pelada de Eugene Leroy? - quer saber uma menininha; também uma professora de algum liceu de artes provoca seus alunos - o que vocês acham que significa essa sombra?; depois de tanto os seguranças avisarem que nem o dedão do pé pode encostar na faixa de segurança amarela, enfim, volto para a rua e deparo com os camelôs na praça vivendo da arte da sobrevivência, no dilema do próximo minuto.

Fora do museu, a luz real, as árvores "de carne e osso", os sons e cheiros que fecundam a realidade e lá me vou aliviada e desimportante junto ao povo, que sou. E bem que Damien Cadio definiu num cantinho do quadro de Julien Beyneton, aquele contemporâneo que traz a figura de um grafiteiro francês: “on résiste, ne respire plus.” Sim, sim, sim. É o que tenho feito.

FARNESE DE ANDRADE

Descubro o artista plástico mineiro de Araguari, contemporâneo de Lygia Clark, Amilcar de Castro e muitos outros apresentados durante as bienais de Porto Alegre. Me reconheço no seu trabalho de tormentos, com imagens aprisionadas a espera de um indulto...


Olho as ilustrações no livro: justaposição de objetos criados para “relatar sua dor, sua solidão, seus rancores, seus complexos...” e é exclusivamente autobiográfica assim como foi a arte de Frida Khalo, Siron Franco, Leonilson...

“Em matéria de informação e cultura, confesso que só não sou um artista primitivo ou ingênuo porque meu inconsciente não permitiu.” Farnese


OFÉLIA (1985)

Suas criações incluíam resina de poliester, cabeças de boneca de porcelana, imagens sacras, fotografias antigas, destroços recolhidos do mar, no período em que morava no Rio de Janeiro.

Artista gay e não escondia de ninguém:

“Há um discurso pronto a respeito da ligação atávica que o menino homossexual tem com a mãe; contudo, neste caso, creio, o motor era justamente impulsionado por sua relação com o pai. Mesmo que comumente se interprete a mãe como a única mulher do filho-homem-homossexual, é frequente que o pai seja seu único e verdadeiro amor.


Exceto por alguns períodos de separação, Farnese viveu com sua mãe até a morte dela. Era o único filho solteiro, e sua relação com ela era turbulenta e bélica.”


AUTO-RETRATO (1982-1995)
Farnese morreu no dia 18 de julho de 1996, aos 70 anos. Morreu de enfisema pulmonar e de tristeza: “Nasceu e morreu como todos: só. Passou grande parte de sua vida em profunda solidão espiritual. (..) Há os que dizem que ele teria tido mais reconhecimento na Alemanha...”.

Em 2002, suas obras participaram da exposição coletiva “Apropriações e Coleções”, promovida pelo Santander Cultural em Porto Alegre.

Fonte: livro “Objetos”, Charles Cosac, da Editora Cosacnaify.

agosto 25, 2009

EDNA O’BRIEN

Art by Rudy Milante

"Sentimentos são o motor da criatividade. O que amamos num romance, num conto ou num drama é a inteiração e o conflito entre seres humanos, o amor, o ódio e a traição."

* escritora irlandesa


Bertolucci, Brando & Schneider





Revi o sombrio último tango de Bertolucci e com tristeza vejo o quanto nossos olhos também envelheceram. Perdi a fissura pelas cenas de sexo de quando assisti pela primeira vez, comovida, os diálogos desesperados de Brando.

Num filme que explora o vazio, cheio de críticas ao sistema burguês de controlar o mundo, Maria Schneider serve de escada para Marlon Brando. Ele, surpreendentemente vivo.

"Vou falar-lhe de segredos de família, essa sagrada instituição que pretende incutir virtude em selvagens. Repita o que vou dizer: sagrada família, teto de bons cidadãos. Diga! As crianças são torturadas até mentirem. A vontade é esmagada pela repressão. A liberdade é assassinada pelo egoísmo. Família, porra de família!"

Choro. Também quero encontrar um apartamento vazio, entrar e deixar acontecer.
Caralho, mas quem não quer encontrar um Brando nessa vidinha de tanque e cozinha?
Paris é que não faltou...

REBORN

23/5/1949

"Agora conheço um pouco da minha capacidade...

Sei o que quero fazer da minha vida, e tudo isso é tão simples, mas era tão difícil para mim saber no passado. Quero dormir com muitas pessoas - quero viver e ter
ódio de morrer - não vou lecionar, nem fazer o mestrado depois da graduação...

Não pretendo deixar que o meu intelecto me domine e a última coisa que quero é cultuar o conhecimento ou as pessoas que têm conhecimento!

Não dou a mínima para o acúmulo de fatos de ninguém, exceto quando se tratar de uma reflexão sobre a sensibilidade elementar, de que eu de fato preciso...

Quero fazer tudo... ter um modo de avaliar a experiência - se me causa prazer ou dor, e tenho de ser muito cuidadosa quando rejeitar a dor - tenho de perceber a presença do prazer em toda parte e encontrá-lo também, pois ele está em toda parte! Quero me envolver completamente... tudo é importante!

A única coisa a que renuncio é a capacidade de renunciar, de recuar: a aceitação da mesmice e do intelecto. Eu estou viva... eu sou linda... o que mais existe?"

Susan Sontag

agosto 14, 2009

ARTHUR BISPO DO ROSARIO


“Eu preciso dessas palavras – escrita.”


ESCREVER PARA SOBREVIVER


A psiquiatra Nise da Silveira acreditava – e o tempo se encarregou de comprovar – que pessoas com problemas emocionais conseguem extrapolar as emoções canalizando-as pela escrita ou outras atividades artísticas. Chamou a isso de espelho do inconsciente.

O jornalista e escritor Lima Barreto, autor de Clara dos Anjos, Triste fim de Policarpo Quaresma, entre outros, foi também alcoólatra em um estágio avançado.
Além de sofrer preconceitos por ser humilde, filho de pai nascido escravo, Lima Barreto acabou internado algumas vezes no Hospício Nacional dos Alienados, onde em momentos de lucidez escreveu “Diário do Hospício”, designada pelos críticos como “literatura de urgência”, uma escrita para se reestruturar emocionalmente.

Luciana Hidalgo, autora de “Literatura de urgência - Lima Barreto no domínio da Loucura” escreveu que “a escrita parece atuar como ferramenta útil na recuperação de um “eu” partido, ou do pensamento cindido.”

Nas minhas atividades voluntárias percebo bem esse "eu" transtornado, humilhado, estigmatizado emergindo durante a Oficina de Criatividade Literária, através de versos e narrativas ficcionais. Ou não.

A esperança é que colaborem na autorecuperação dos internos. A escrita e a leitura como um canal para resgatar afetos e a auto-estima, na compreensão do eu de cada um.
O que não deixa de ser uma troca, já que Nise observou a tese do espelho...

agosto 10, 2009

Ernesto Sábato

“Creio que a verdade é perfeita para a matemática, a química, a filosofia, mas não para a vida. Na vida contam mais a ilusão, a imaginação, o desejo, a esperança.”

ATO DE CONTRIÇÃO

Minha insônia é de enlouquecer. Na agonia dos travesseiros ouvi os sinos da igreja convocando os matutinos. Escorreguei daquelas cobertas esquizofrênicas e disfarçada de sonâmbula me vesti e fui para a missa.
Sim, até eu me surpreendi...

Mudou o padre, para espanto de todos madrugadores.
Veio de não sei onde, mas antes passou sete meses numa missão no Pará. Da bugrada para os burgueses... Ligeiro, deve mudar o discurso.
Na missa limito-me a sentar e levantar, sentar e levantar, sentar e levantar.
Desconfiam que a única oração que ainda sei é o pai –nosso. Rezo hipnoticamente.

Houve um tempo em que os bancos dessa igreja representavam o sexo e o estado civil dos fiéis:
- mulheres desacompanhadas e freiras na carreira de bancos bem à esquerda do altar.
- casadas com filhos, mas sem a presença do marido, na fileira central, à esquerda.
- casada acompanhada do marido centro, à direita.
- solteiros e desacompanhados, bem à direita.

Houve um tempo que eu sentava na ponta do banco para conferir os sapatos dos comungantes. Sapato rico, sapato pobre, sapato rico, sapato pobre... conga.

Houve um tempo que eu tinha medo de encostar os dentes na hóstia e me tornar uma pecadora mortal. A hóstia grudava no céu da boa e eu quase morria para desgrudá-la com a língua e disfarçar as aflições culposas.

Houve um tempo em que eu me confessava contando sempre os mesmos pecados: nome feio, briga com o irmão, ódio do pai, tesão pelo professor de educação física. Sim, desde pequenininha.

Agora eu sento onde quero, não olho para os lados, engulo a hóstia sem ajoelhar e penso que meus pecados não escandalizariam o mais reticente dos bispos.

Já fui musa de poeta...

cadinho

o que nos separa é nada
talvez nada
não fora as quatro mil palavras
com que te cobres quando me recebes;
não fora os quatro mil ouvidos
de que te munes
para interceptar as canções infra-sônicas
que me nascem do peito
para serem tuas.

agora o que te agrega a mim
é tanto:
o cheiro seminal da espécie.

J.C.Cardoso Goularte
4/set/80

agosto 09, 2009

PAULA MARQUES

“O meio urbano, ao gerar diferentes dinâmicas de relacionamento entre os indivíduos, tende a marginalizar os mais fracos, incapazes de manter o seu ritmo e a apagá-los, retirando-lhes qualquer visibilidade social. Envelhecer na cidade é arriscar-se a acabar os seus dias cada vez mais só…”
'A Solidão na Terceira Idade’

DIA DOS PAIS...

Não nos pertencem e quando crescem,
não os reconhecemos como adultos que são.

VEINHOS & VEINHAS...

Aos poucos meu bairro vai recebendo na vizinhança, asilos.
Tem um aqui pertinho que se diz Pousada da Felicidade. Quanta ironia.
Outro, cinco estrela, mensalidade de quase dois paus. Não adianta ter dinheiro, morre um a cada semana.


Fico pensando: quem pode ser feliz morando entre dois ou três ou mais em um quarto e recebendo visitas esparsas?

"Dêem o nome que quiserem" - como diz o excelente Seymour Hoffman para sua irmã, a atriz Laura Linney no filme a Família Savage - "essas casas não deixam de ser asilos." Onde os familiares colocam os seus velhos que não querem mais. Velhos com demência, com avc, com Alzeimer ou simplesmente velhos de gênio ruim. Desmilivri!

Quase todos garantem que lá suas mães estarão melhores. Sim, porque os pais, os homens morrem quase sempre antes. As viúvas duram tanto que acabam nos asilos.
Mas só aquelas que já distribuíram sua herança: dólares, fundos de ações, ouro.

Minha mãe sempre tão perspicaz e prevenida, avisou sua comadre: “Amiga, se não queres terminar num asilo não distribui as tuas jóias.”

Ela acatou o conselho e ainda mora num apartamento onde passa os dias se entupindo de bala de goma, assistindo Ana Maria Braga e dona do controle da tevê indo para a cama quando bem entende.
Minha avó recusou –se a morar com qualquer um dos três filhos e foi para uma “casa geriátrica”. Viveu até os 102 anos, com saúde. Apagou-se como a chama de uma vela...

Eu adoro bala de goma.


agosto 08, 2009

RUY BELO

"É triste ir pela vida como quem regressa
e entrar humildemente por engano pela morte dentro."

JOGANDO FORA

Dia desses jogando conversa fora por aí...

“É fácil crescer sem pagar os colaboradores.” – disse ele que há 30 anos escreve em um jornal sem ganhar um tostão. E pior, censurado.

- Já vivi ambas experiências... – respondi.

Saramago escreveu que todo trabalho deve ser remunerado, principalmente o literário. Sei que aprendi que todo trabalho intelectual tem um preço. É questão de valorização. Ou não. Ainda continuo arrastando fantasmas no circo da vida.

FORÇA DO COLEGA DEOLÍ...

Laura Peixoto, jornalista: Tem uma boa dose de pimenta para manter os acessos
Por: Deolí Graff

A jornalista Laura Peixoto se define apolítica e incrédula, pelas circunstâncias da vida. Ela é irreverente, autêntica, e tem opinião própria. É responsável pelo blog http://lauramertenpeixoto.blogspot.com/ .
Segundo ela, com mais acessos em Porto Alegre que em Lajeado. É autora do livro infantil ‘Um Dia Tudo se Ajeita!’ e sócia da Academia Literária do Vale do Taquari (Alivat). Laura conta como é o blog:

O Informativo do Vale - O que tem no blog?
Laura Peixoto - Política, cultura e outros faniquitos... E dizer que tudo começou com um asfalto burro, não é? Traz imagens poéticas, charges e cartuns, participação crítica de leitores, fotos da galera do passado, casarios em perigo de sucumbir, crônicas, uma ou outra entrevista. Curiosidades minhas que, imagino, possam interessar outros, além de uma boa dose de pimenta para manter os acessos.

O Informativo do Vale - Tem informações e opiniões?
Laura Peixoto - É quase que totalmente à base de pitacos (opiniões)... As informações via textos de outros blogueiros, nem sempre coincidente com o que penso, são importantes para arejar as reflexões e provocar os leitores.

O Informativo do Vale - Como você faz a atualização?
Laura Peixoto - Os leitores e amigos apoiam enviando fotos, corrigindo, sugerindo textos e blogues. E, claro, postando comentários mantendo um nível legal. Tento atualizar diariamente: passo pelo site de O Informativo do Vale, Rádio Independente, outros jornais, sites e blogues. Mas às vezes pinta desmotivação, e faço uma parada estratégica. Blog é vício e todo vício mais atrapalha do que ajuda.

Jornal O Informativo
08.08.2009


agosto 07, 2009

Sergio Sant’Anna

Sobre escrever:
“É uma tarefa exigente, dura. Hoje melhorou, mas o que tem me dado mesmo muito prazer, atualmente, é a imaginação. (...) Você solta e ela vai embora”.

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO...

"Quem merece um capítulo à parte são os bistrôs. Eles nasceram como estabelecimentos familiares: a mulher no caixa, o marido cozinhando, um filho como garçom e assim por diante. Hoje nem sempre isso funciona assim, mas a marca registrada do bistrô é servir uma comidinha de casa, com o que há de melhor e mais fresco.

Não é raro encontrar nos menus pratos como “peixe do mercado” ou “confit de tomates da feira” – significa que o dono da casa escolheu o melhor peixe que encontrou no marché de manhã cedo, ou os tomates que estavam mais fresquinhos, para fazer o prato do dia.

Em um bistrô é onde mais vale a regra de falar baixo e esperar o garçom indicar a melhor mesa para cada cliente – afinal de contas, ali é a casa deles."

* Li não sei onde...


SOLANDO UMA BEGHER

Em tempo de Woodstock, meu homem brinca numa velha Begher e insiste que essa foi a primeira guitarra com distorção do país, criada pelo luthier Romeu Benvenuti, em Sampa.

- Tu não acredita? Mas foi ele mesmo quem me disse. Essa guita tem mais de 40 anos...

Não entendo de guitarras, mas de varais, louça na pia e sótão empoeirado.

BOATOS & VERDADES


Uma enfermeira disse que foram registrados 8 casos de vírus da gripe A no hospital da cidade. Quatro estão na UTI sendo que três se encaminham para óbito. Não queremos nos contaminar pela neura, mas é só começar a pensar nas crianças, nas amigas grávidas, nos nossos velhos queridos para o medo fortalecer seus tentáculos.
Culpa do capitalismo – diz um amigo vermelho enquanto lustra as botinas para a guerra contra a Yeda.
Culpa da internet que dissemina a praga da informação em tempo real - responde a amiga verde.
Que chatice, porra, até o Café cancelou a noitada – suspirou minha amiga colorida.
Precisamos achar um culpado, penso. Um Judas.

As pessoas andam desconfiadas. Nas esquinas se reúnem entre três, cochicham, olham para os lados, para o alto como se espreitassem um perigo iminente.
As pessoas andam estranhas. Parou um carro placa branca, com logotipo da prefeitura na frente da casa da vizinha. Desceram dois homens suspeitos trazendo nas mãos, papéis. Ou folderes, ou propaganda política, ou bônus... Vai saber? Desviei o olhar. Não quero compactuar das possíveis trapaças do governo. Nem servir de testemunha.

Esse caso da governadora gaúcha? O feitiço vai entornar o caldo no caldeirão e o pt vai sifu. A opinião pública já anda desconfiada com essa sede insaciável, enquanto a mídia apresenta uma Yeda fragilizada e persistente na sua inocência.

Algo me diz que a acusada ungida pelo povo vai passar por vítima e o pt acabará vestindo o capuz de verdugo.

Atualizando:
Hoje, 8/09, uma das mulheres internadas acabou falecendo...