novembro 28, 2009

MÁRIO CRAVO *


“Para um artista é importante encontrar o seu local de trabalho, o seu atelier, a sua paisagem, a sua gente. Porque só desta maneira poderá ele situar-se em profundidade numa área universal.”
* escultor

LEITURAS



Sinceridade: você compraria um livro cujo título fosse O Carrasco do Amor? Não parece uma coisa meio Danielle Steel? Não comprei. Emprestaram. Do Irvin D. Yalom, o mesmo de Quando Nietzsche chorou. Tô lendo de sopro. Quando terminar não vou lembrar nada mesmo tomando todos os dias o suco da vida: Vitaking Slim. Receitado por um gineco das antigas. Sim, para melhorar a memória e a concentração sou capaz de tomar titica solúvel. Voltando ao livro: peça emprestado. O psiquiatra narra dez casos de consultório atendidos por ele. O bom é que a gente descobre como um psiquiatra se sente do outro lado do divã - e ele não é Deus como a gente supõe. Tampouco donos de uma varinha mágica para desaparecer com nossas angústias, temores e outras fragilidades. Os casos relatados por ele são dark, bem cruéis mesmo e mostra os acertos e os erros do seu autor, como psicanalista. E mais: eles também acham um saco tratar de alguns pacientes, tem sono e se distraem pensando em besteira. Ou seja: são humanos. No fundo, no fundo, me parece que a vida se resume na carências de amor. Primeiro, materno/paterno. Depois, sexual. Gostei disso: não instigar os por que? mas os como? Deus... Como mesmo?

QUERERES

Não adianta ruminar antes de pastar - li na traseira de um caminhão de mudanças. Taí: lição de humildade. Isso é bom. Estabelece uma certa ordem para essa dimensão narcisa da vida que todos vivem: no púlpito, na frente do microfone, no twitter, na imprensa, atrás de uma mesa onde se lê na plaquinha "Diretor". Tocou o telefone e fiquei surda. Não quero saber de quem quer saber o que já sei. E continuo de saco cheio do blog. Quero mais. Quero um grupo para aprender. Acho que também está na hora de voltar para a análise. Perdi o rumo. Quero ler e não fazer omelete. Sábado! Omelete. Pode? Sempre perguntam como faço para ser magra. Pensava que era chata para comer. Um insight: sou magra porque gosto de comer bem. E nessa colônia não se come bem. Tudo é bastantão, rodízio, por quilo. E se fosse diferente eu não teria grana para pagar. Merda, será que nem uma vez por mês eu poderia jantar bem e me deliciar com um bom vinho? Um dia falei isso e a minha amiga solteirona concordou: "eu incluiria também uma boa trepada por mês." Rimos. O resto é silêncio - como escreveu Érico Veríssimo.

novembro 21, 2009

CLARICE LISPECTOR

Photo by Robert Doisneau

"Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. Minha pequena projeção fere o meu pudor. Inclusive o que eu queria dizer já não posso mais. O anonimato é suave como um sonho."
Crônica Anonimato
10.02.1968




Ilusão, pura ilusão! Tudo é ilusão.

O título é a tradução mais real para Vanitas vanitatum, et omnia vanitas para o versículo da Bíblia, no Eclesiastes - leio no livro "Reflexões sobre a vaidade dos homens" de Matias Aires.
Penso nisso quando vejo a matéria da Pita no A Hora. Essas entrevistas massageiam o ego...
Agora é difícil não associar com o que leio:

"É impossível viver em sociedade sem representar de vez enquando a comédia." - Chamford

Para a próxima quarta-feira, minha crônica trata da vaidade. Vai ser gozado... Primeiro, a vitrine nas paginas do jornal, depois minha impressão sublinhada pelo escritor português:

"É preciso que sejamos loucos e que deixemos muitas vezes a realidade das coisas, só por seguir a aparência e a vaidade delas." - Matias Aires

... e Pita voltou para o Informativo.
Por vaidade?
Ou ilusão?

novembro 18, 2009

CHARLES BUKOWSKI

Photo by Andre Kertesz




"mas se as vejo muito seguido
eu fico doente. É difícil alimentar
sem ser alimentado."




as últimas jabuticabas me comovem...

arquivo pessoal
*

e agora só na próxima estação. a estação que está por se inventar. por enquanto não tenho vontade ver ninguém. escutar ou falar. também existe sol na solidão e durante alguns dias quero o calor de meus próprios pensamentos. não quero dividir. quero ser mais egoísta possível: o meu ar, o meu tempo de pés descalços na grama. não tenho interesse em outras opiniões. fico com as minhas, vazias. mediocridade por mediocridade confabulo com essa que já entendo, que sei como lidar quando reconheço seu choro e as causas do vômito. e sei que tudo pode ser bem real. sim, estou prenha de um gnomo. um ser defeituoso, que carece de afeto. não penso em aborto, embora tenha medo de parir algo mais disforme do que eu possa suportar. o tempo mudou e as chuvas de primavera ameaçam minha sanidade. irritante, o telefone toca e ninguém atende. e por hoje é isso.

novembro 17, 2009

FERNANDO PESSOA

Photo by Pedro Lopes

Chove. Há silêncio


Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva

Não faz ruído senão com sossego.

Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva

Do que não sabe, o sentimento é cego.

Chove. Meu ser (quem sou) renego…
Tão calma é a chuva que se solta no ar

(Nem parece de nuvens) que parece

Que não é chuva, mas um sussurrar

Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.

Chove. Nada apetece…


Não paira vento, não há céu que eu sinta.

Chove longínqua e indistintamente,

Como uma coisa certa que nos minta,

Como um grande desejo que nos mente.

Chove. Nada em mim sente…


RECEITA PARA LAVAR PALAVRAS SUJAS

Lavadeira por Tina Modotti - 1927



Mergulhar a palavra suja em água sanitária.
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio-dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.
Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.

Dizem que limão e sal tira sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.

O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.

Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.

O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.

Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.

Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.

Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.

Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos.
À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.

Uma palavra limpa é uma palavra possível.



Autoria pressuposta: Viviane Mosé

novembro 08, 2009

BUKOWSKI

photo by André Kertész

um poema cruel

eles continuam a escrever

a despejar poemas –

jovens rapazes e professores universitários

mulheres que bebem vinho toda a tarde

enquanto os maridos trabalham,

eles continuam a escrever

com os mesmos nomes nas mesmas revistas

cada ano a escreverem pior,

publicam coletâneas de poesia

e despejam mais poemas

parece um concurso

é um concurso

mas o premio é invisível.


CHARLES BUKOWSKI

Sinais de trânsito
.
.
.
.
.

essas são as pessoas que acreditam em comerciais
essas são as pessoas que compram dentaduras a prazo
essas são as pessoas que comemoram feriados
essas são as pessoas que tem netos
essas são as pessoas que votam
essas são as pessoas que tem funerais


esses são os mortos
neblina e fumaça
o fedor no ar
os leprosos

esses são afinal quase todos
que existem

gaivotas são melhores
algas marinhas são melhores
areia suja é melhor
.
.
.
.
.
.
eles me enojam.


O amor é um cão dos diabos

* agora tô lendo Bukowsky. 15 anos depois de sua morte. fodas, boletas, merdas. poemas sujos, fedidos, frustrados. poemas de insônia e álcool. para Sartre o melhor poeta da América. passo na wikipedia. minha vida é um deserto...




gilete nos pulsos...

fossa boa. para madrugadas de domingo. de chuva. de tédio. de família reunida com todas suas esquizofrenias e sonhos à toa. o que tenho que fazer não faço. e a fdp da moça do tempo jurou em cadeia nacional que o tempo seria seco. seco? a alma. o que ela sabe desta colônia? a louça acumula. a tulha não encontra a máquina. os contos não progridem. o telefone toca. não atendo. elas vêm falar comigo. não é difícil sorrir. suo. tento lembrar. piora. disfarço. sorrir é tão social. não dói. ainda sou capaz. o passado não é? bosta. pra que? e as cobranças. sim poderia fugir. quando criança sempre fugia. e libertava os passarinhos da gaiola. crianças comportadas sentam de pernas fechadas. as comportadas não falam na mesa. discurso de gente direita. refrão amargo. cansada e o dia sequer desgraçou. a casa ainda quieta. e a chuva estragou minha feira do livro, a bienal. um pouco de terra por cima hoje cairia bem. longo domingo até sangrar.

novembro 05, 2009

DESCONHECIDO...

Photo by Henry Cartier-Bresson


"Os opostos se distraem
os dispostos se atraem."

NOVOS TEMPOS

Quando nasci o mundo se dividia entre comunistas e os kennedys.
E só existiam dois grupos de mulheres: as que sabiam cozinhar e as que sabiam fritar um ovo, ferver uma leiteira de leite, essas coisas.
Minha mãe era das que sabia cozinhar. Sua comadre, não. Estudara no Sevigné e entendia de Filosofia e Geometria.
Cresci usando uniforme branco, laço engomado no pescoço e vendendo rifa de mais bela prenda só para comprar Grapette na esquina.


Mas, quando os estudantes foram barricar nas ruas do Quartier Latin, as mulheres sofreram uma nova divisão: as que usavam sutiã e as que haviam queimado os seus em praça pública. Foi uma fumaceira liberal e tanto. Feliz daquelas que tinham peito tamanho taça de bolë. Usem a imaginação...
As que continuaram usando sutiã fizeram plástica no sentido inverso aos tempos de hoje, quando a maioria turbina os peitos com decalitros de silicone. Uma metade curtiu os vinis do Roberto e dos Beatles; a outra dos Mutantes e Stones.

Não deveria ser assim, mas na geração seguinte uma nova divisão: as que sabiam todos os passos coreografados de Saturday Night Fever e as que disfarçavam, tentavam e fracassavam. Foram tempos significativos aqueles... Ou você tinha uma turma ou estava purfa.


As mulheres também se dividiram entre aquelas que foram estudar em Porto Alegre e as que casaram e hoje estão por aí questionando as paredes, o teto e os ninhos de marimbondos.

Sempre foi assim: ou tudo ou nada. Preto e branco. Católicos ou evangélicos. Arena e Mdb. Maconheiros e caretas. Galinhas e santinhas... E nada mudou.

Nos anos 90, mais recente, o que aconteceu com a discrepância feminina? Foram se tatuar. Nessa década ou você tinha uma tatoo ou você não viveu tempos pregressos e emocionantes, sabe cumé? Aposto que você pensou que eu falaria sobre internet? Mulheres conectadas ou não. Muito óbvio. Assim como o pagode: as que gostam ou disfarçam que não gostam.

Então, no ano 2000, acontece uma divisão fundamental entre todas criaturas do sexo feminino, uma coisa que mudaria para sempre os desígnios da raça. E não me refiro aquelas que separam o lixo seco ou não.
Surgiram dois tipos de mulheres bem definidas:

Natassja Kinski by Richard Avedon

- as que se depilam e as que não depilam.

Não adiantou se libertar da cozinha, ensinar os homens a cozinhar, queimar os sutiãs, tirar e botar seio, dançar com um pingo de coordenação os passos dos embalos de sábado à noite, entrar na www, nada disso. Toda inteligência, bom senso e estoicismo esbarrou na escravização e dor da................ cera quente.


Não sei como isso começou. Mas sei como vai terminar: cpi dos pelos. Sendo que ninguém vai entender direito porque depois que também depilaram o acento do vocábulo “pêlo” tudo se transformou numa coisa só e já tem gente acreditando que num futuro próximo não haverá mais distinção nem entre homens ou mulheres, o que dirá entre elas.

Só existirá seres de um único sexo e não será preciso transar para fecundar.
Seremos uma raça hermafrodita. Podem apostar.
Minha mãe sabe cozinhar, usou sutiã a vida inteira, nunca dançou aquelas esquisitices da Donna Summer, não obrigou o marido a lavar louça, tampouco cozinhar, não coloriu passarinho no ombro e, graças a deus, não tomou conhecimento da tirania da cera quente.

Atualmente está lotada no departamento “em extinção”.


* Antes que algum desavisado interprete mal, saiba que algumas das personalidades mais importantes do século XX foram registradas pelas lentes de Richard Avedon.

Um fotógrafo que dá nome a uma Fundação não é pouca coisa nessa nossa existência relapsa.
Avedon, fotógrafo-filósofo graduado pela universidade de Columbia, em Nova Iorque. O cara que viu Fred Astaire interpretar sua própria pessoa e viver sua carreira em “Fanny Face”.
No ano em que nasci, a Popular Photography reconheceu o artista como um dos 10 melhores fotógrafos do mundo. Durante 34 anos trabalhou na conceituada Vogue.

Clicou o movimento anti-guerra na América do final dos anos 60 e no Vietnã na década de 70. Em 1982 passa a fazer parte da “Hall of Fame” do Art Director's Club.

Ganhou inúmeros prêmios, lançou livros, foi objeto de exposição, fez teatro.

Morreu trabalhando no dia 1 de Outubro de 2004.
Espia na Wikipédia para saber mais sobre o papa da Fotografia.