outubro 25, 2009

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

“Não há guarda-chuva contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos”

NA MORNIDÃO DAS ALIANÇAS

Obra de Camille Claudel

A história da humanidade é uma história de guerras, escreveu o escritor e jornalista Juan Arias. Sim, pensei, inclusive e principalmente dentro de casa.


Então ele deixou um bilhete em cima da cômoda, no quarto:
“Não quero mais ouvir tua voz nem ver tua cara. Não me procura nunca mais.”
Garagem, cinzeiros, gavetas e armários - tudo vazio.
Ela - que a vida inteira falou mal do marido, que ele era ruim de cama, que a procurava pouco, que era uma mala, que não gostava de dançar – somou o cartão de crédito, as conta mensais, o salário da empregada, do jardineiro, do rapaz que limpa a piscina, do plano de saúde, cartão de crédito, do gás que gasta tomando demorado banho de banheira, dos presentinhos para os garotos, dos carnês em todas lojas da cidade...


Procurou o ex rastejando, ganindo, implorando e se lanhando para ele voltar.
E?
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Ta ainda pensando.


HERTA MÜLLER, NOBEL 2009

"Uma mulher sempre sabe como está sua aparência a cada dia. E que um beijo na mão, primeiro, não deve doer, segundo, não deve ser molhado, terceiro, deve ser dado nas costas da mão. Homens sabem ainda melhor do que mulheres como deve ser um beijo na mão, certamente também Albu.

(...)

O veneno é eu acreditar que meu cérebro escorrega para a frente, sobre a cara. É humilhante, não há outra palavra, sentir-se descalça no corpo inteiro. Só que, quando a melhor palavra ainda não é suficiente, não se pode dizer muita coisa com palavras."
In O compromisso

Fernando Anitelli

A FÉ SOLUVÉL

É, me esqueci da luz da cozinha acesa
de fechar a geladeira
De limpar os pés,
Me esqueci Jesus!
De anotar os recados
Todas janelas abertas,
onde eu guardei a fé... em nós
Meu café em pó solúvel
Minha fé deu nó
Minha fé em pó solúvel
É... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei
E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras
Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje eu vivo em paz sozinho

(...)

Teatro Mágico

ERASMO, RILKE, MORT WALKER...

do meu acervo: pão e livro em Belém do Pará


Fiquei muito feliz com o que me contaram.
Uma instituição da cidade busca modernizar seu olhar: interno e externo e está reavaliando toda sua caminhada... Também acho que erramos.
Aliás, muito mais do que acertamos. Mas arrogância e estupidez tem um preço. Nesse caso, lucros. Agora é correr atrás é mudar a imagem. Ouvir em vez de ditar.
Acho que foi James Joyce que um dia escreveu que é preciso errar para a gente se conhecer, se descobrir ou coisa que valha...

Como a comunidade nos percebe? Como você me vê? Como eu me vejo?

Atualmente não consigo nem olhar para minhas coisas. Maior bagunça.
Reflexo do meu interior, sim, sei. É tanta coisa para escrever, fazer, ler...
Supermercado, compras. Odeio, só quem vive comigo sabe o sacrifício que é fazer super. Adio, adio e adios...Sou procastinadora. E aí tudo explode em cobranças por que falta isso, por que tu não fez isso? Por que?
No super, única coisa interessante é que podemos juntar cebola com ob com vinho com arroz parbolizado com mamão com qboa e o livro Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam. Dei uma folheada, gostei do que li e joguei para dentro do carrinho porque ler faz parte da cesta básica:

“A mais louca e a mais desprezível de todas as classes sociais é a dos mercadores. Ocupados o tempo todo com o vil amor ao lucro, empregam, para satisfazê-lo, os meios mais infames...”

Li no livro do teólogo justamente dentro do supermercado, quase chegando no caixa. Como não levar o livrinho que custa nem dez paus?


O pocket book foi uma grande sacada do mercado editorial. Junto às gôndolas das bananas Cartas a um Jovem Poeta do Rilke e O Melhor de Recruta Zero.


Vai dizer que não é uma maravilha?

outubro 21, 2009

Jean Baudrillard

“Tudo vem da troca impossível. A incerteza do mundo é que ele não tem equivalente em parte alguma e que ele não se troca com coisa alguma. A incerteza do pensamento é que ele não se troca nem com a verdade nem com a realidade. Será o pensamento que faz oscilar o mundo na incerteza ou o contrário?”

In "A troca impossível"

ESCREVER, COZINHAR...

No livro Reborn, de Susan Sontag leio que "Para escrever, é preciso permitir-se ser a pessoa que você não quer ser - entre todas as pessoas que você é. Escrever é um bonito ato. Criar algo que dará prazer aos outros mais tarde.”

Mas, juro, fazer cuca deve ser mais prazeroso do que qualquer outra coisa. Ver sua criação crescer, sentir o cheirinho. Comer uma fatia quente com nata e schimier... Ah... por que não aprendi a cozinhar? Moro nessa colonia e não sei fazer nada... Cozinhar bem é que dá prazer, isso sim. O resto vem à reboque.

outubro 20, 2009

SALIVA: um curta filosófico


Quando cursei o pós em Filosofia na Univates, sabia que escreveria sobre o curta-metragem Saliva, do Esmir Fº. Fiquei encantada com o jorro de metáforas que transbordaram no desenvolver daquele filme tão filosoficamente delicado.
Não sei que fim darei ao meu tc, mas vou postar esses excertos com pequenas alterações para fugir das traves acadêmicas. Talvez inspire alguém.

Assista Saliva. Vc vai perceber que as imagens na memória da personagem Marina, a BV, evocam uma relação entre as águas e o erotismo, o líquido seminal, que lembram a liquidez do primeiro beijo, o fluir do primeiro “ficar”. Gouvêa (in Teixeira, 2006, p.76) diz que somos seres de memória quando “escrevemos numa folha em branco, numa tela, num papel fotográfico, o que for possível operar como registro: a narrativa de um passado em nós inscrito.”.


Foi imediato relacionar aquela profusão de águas em Saliva com “A água e os sonhos” de Gaston Bachelard (2002, p.122): a imaginação encontra-se no consciente e no inconsciente. O filósofo considera a água “a senhora da linguagem fluída, da linguagem sem brusquidão, da linguagem contínua, continuada, da linguagem que abranda o ritmo...” - um ritmo tão bem observado no filme, um ritmo acquoso.

Nas reflexões do mestre francês, a água é um símbolo natural para a pureza, para a purificação. E é isto que Esmir narra tão bem: a questão metafórica, essa força imaginante, quando “sonha-se antes de contemplar” (idem, p.5), quando a personagem sonha o seu primeiro beijo na boca e a troca inerente de salivas, e os lábios, reconhecidos por Bachelard como o terreno da sensualidade permitida.

Para o filósofo, a água “tem um corpo, uma alma, uma voz. Mais que nenhum elemento talvez, a água é uma realidade poética completa.” (idem, p.17) “E delas faz parte um componente: o frescor. Um frescor relacionado à inocência, um frescor que corresponde a força do despertar.” (idem, p.34) Um despertar presenciado em Saliva pela sensualidade iminente da adolescente.




O curta não aborda um conceito-imagem de uma atitude inocente. Antes, um aprendizado empírico e delicado, sem associações românticas ou platônicas que poderia se esperar de um beijo há trinta anos atrás. Porque hoje o beijo não é mais uma questão de cara-metade, mas de ressonância visual, quando dois indivíduos se olham e pulsam na mesma sintonia, tocam-se os lábios, suga-se, descobre-se. Adoro isso...

Mas em Saliva o primeiro beijo é inspirado numa experiência técnica. Ou um beijo errante, beirando o erotismo e o cauteloso desconhecimento. Porque no filme, assim como na vida, importa para os adolescentes, na sua grande maioria, deixar de ser boca virgem, bv.

Assisti ao filme como uma narrativa limítrofe, entre a sensualidade e a inocência, transitando entre a imaginação poética e a realidade curiosa: o 1º beijo, a descoberta, o medo, o assombro.

Na cadeira de Cinema na Unisinos, lembro do professor explicando que as águas são metáforas significativas e muito particulares na imaginação do homem. Pois não fui encontrar respaldo nas reflexões de Bachelard?
“... a água é também um tipo de destino, não mais apenas o vão destino das imagens fugazes, o vão destino de um sonho que não se acaba, mas um destino essencial que metamorfoseia incessantemente a substância do ser.” (idem, p.6) Em Saliva, a metamorfose acontece quando água significa a passagem de um estado infantil para um estado adolescente.

CONCLUINDO...

Percebo que Saliva é um filme totalmente autoral, quando Esmir Filho não se vale apenas da condição de diretor que foge do conceito mais comercial de cinema; não mantêm uma linearidade na sua narrativa, quando observa uma estrutura dramática não convencional, pelo menos, como entende Furtado (in Mourão, Labaki 2005, p.101):
“personagens que desconhecem a presença da câmera atuam e falam segundo o que se convencionou chamar de naturalismo; cenas que mostram só aquilo que serve ao desenvolvimento da fábula; cenários, figurinos e situações que simulam uma realidade possível; nada de dúvidas ou ações sem justificativas”.

Saliva dialoga com a memória afetiva por intermédio das líquidas metáforas poéticas e pela imaginação de Bachelard, jogando com as dúvidas, brincando com a imaginação da personagem. E da nossa também.

Mais confiante nessa reflexão, quando Vandromme (1955, p. 7) assegura que o cinema é um instrumento de memória, que conserva e reinventa os signos do passado. E que na idade da infância, nesse limite adolescente, “tudo é leve e entregue aos sonhos, aos pânicos da imaginação”. A infância, diz ele, “desmaterializa o mundo; suprime situações embaraçantes.”

Para autor, o essencial nesta idade é uma aptidão à fabulação. Já os adultos, dirá Paul Hazard, (in Vandromme, 1955, p.7) “não são livres; são prisioneiros deles mesmos. Quando brincam, ainda interesseiramente, brincam para descansar; e se jogam, interesseiramente jogam para esquecer, para não pensar nos tempos de adulto que lhes resta.”

Talvez, o cinema seja um jogo de sonhadores.
Joga o diretor, jogam os personagens e jogamos nós, os espectadores.
Interessadamente em apenas sonhar.

Procure por aí:
BACHELARD, Gaston. A Água e os Sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MOURÃO, Maria Dora, LABAKI, Amir. O Cinema do Real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro; LARROSA, Jorge; Lopes, José de Sousa Miguel Lopes. A Infância vai ao Cinema. Belo Horizonte: Autêntica. 2006.
VANDROMME, Pol. Le Cinéma et L’Enfance. Paris: Les Éditions du Cerf, 1955.



outubro 14, 2009

EDU LOBO e CHICO BUARQUE

“O medo sempre me guiou para o que eu quero.
E porque eu quero, temo.
Muitas vezes foi o medo
que me tomou pela mão e me levou.
O medo me leva ao perigo.
E tudo o que eu amo é arriscado.”

AMBIÇÃO DO BEM



Alice Ruiz.

Poeta. Aquariana.

Aos 55 anos juntou as tranqueiras afetivas - roupas, livros e alguns móveis - e se mudou para São Paulo:

"...instalou-se no simpático bangalô, a dois passos da Vila Madalena, bairro que concentra movimentos culturais da cidade."

Diz que fez a escolha certa.


"Ficar seria envelhecer e eu acabaria virando uma vovozinha."


Fez parcerias musicais com Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, entre outros:


"Isso é tudo que eu quero. Não tenho ambições materiais, tenho ambição criativa."


Aos 22 anos casou e viveu com Paulo Leminski até 1989, quando ele morreu.

Em 1980 publicou Navalhanaliga. Em 89 ganhou o Jabuti...

"Um poema pode demorar a vida toda para nascer e cinco minutos para ficar pronto" - assegura e na crença de que "quem cria tem uma sensibilidade meio andrógina".


Fonte: pagina rasgada de revista velha de consultório médico...

outubro 13, 2009

SDA

Perguntou se era mais razão ou mais paixão.
Não soube responder naquela hora do dia quando as pessoas sensatas confortam seus estômagos com algo mais do que um cafezinho. Nos despedimos e eu saí arrastando minha sombra, meu Outro, até o interior de um supermercado. Acabei descobrindo a resposta na gôndola das alcachofras: sou movida a impulso. Sou paixão. Imprevisivelmente sou.


E fodam-se as criaturas seriadas, organizadas por código de barra, seres dicotômicos que não percebem as nuances, os véus, os sussurros. E as ironias.
Sim, às vezes é pertubador.
Você até quer se adequar.
Quer deixar a onda rolar...
Mas não acontece.
Simplesmente isso.
Foi um impulso.
Semibreve paixão.
Uma casca.
Soluço.
Só.
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E a alcachofra?
Não tenho nem idéia de como se prepara.
Outro impulso, apenas.


outubro 04, 2009

ROGER DU GARD


"O pensamento só começa com a dúvida."


TB ADORO VOAR

Ah, Clarice... Li tão pouco. Quando a galera chega no 3º ano colegial, a professora de literatura deveria empanturrar seus alunos de Clarice. Ela é pós-pós-contemporânea se é que sim.
Pode-se ler desfragmentada ou por inteira. A garotada deveria entrar em contato com as interrogações clariceanas...Talvez o vazio de suas vidas não se tornasse um abismo.
Por falar em abismo, estou chegando bem perto de um.
Deito na beirada e observo lá embaixo as profundezas. É tentador. Como resistir? E por que?

"Gosto dos venenos mais lentos,
das bebidas mais amargas,
das drogas mais poderosas,
das idéias mais insanas,
dos pensamentos mais complexos,
dos sentimentos mais fortes…
tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!

Não me dêem fórmulas certas,
porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostrem o que esperam de mim,
porque vou seguir meu coração.
Não me façam ser quem não sou.
Não me convidem a ser igual,
por que sinceramente sou diferente.
Não sei amar pela metade.
Não sei viver de mentira.
Não sei voar de pés no chão.
Sou sempre eu mesma,
mas com certeza não serei a mesma pra sempre..."

Clarice Lispector

IMÃ


Ontem assisti o Grupo Corpo.
Seres de músculos e asas. Leveza. Uma congruência entre trilha, luz, figurino e movimento. Uma combinação sofisticada e criativa. Senti como se vivesse numa cadeira de rodas: por que não faço nada mais do que o óbvio?

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Alongar o braço para colher jabuticabas.

outubro 02, 2009

RUY CÂMARA

“...porque o silêncio não é somente ausência de barulho no espaço, mas a expressão tácita de uma cumplicidade.”

EDU & CHICO

O amor me conheceu
Se esfregou na minha vida
E me deixou assim
Homens, eu nem fiz a soma
De quantos rolaram no meu camarim
Bocas chegavam a Roma passando por mim
Ela de braços abertos
Fazendo promessas
Meus deuses, enfim!
Eles gozando depressa
E cheirando a gim
Eles querendo na hora
Por dentro, por fora
Por cima e por trás
Juro por Deus, de pés juntos
Que nunca mais...


TDA & pequenos transtornos...

Em algum museu de Londres... by Salvador Dalí.


No consultório do médico, uma revista velha, sem capa.
Leio a reportagem... Foi preciso a ciência se valer de imagens de ressonância magnética para comprovar aquilo que muita gente já descobriu na pratica: chove idéias quando os devaneios se libertam da pressão, prazos, rotina, obrigações...



“Conclusão: distrair-se não é só coisa de gente preguiçosa ou lunática. Pode ser o caminho certo para resolver um problema.” – garantiu um especialista da Universidade Estadual de Campinas, Fernando Cendes.

Ou seja, para ser criativo é preciso parar com tudo, dar um tempo:
“Sem esse momento de dispersão, o cotidiano fica frio, concreto e racional demais. E a mente não dá conta. A consequencia pode ser a erupção de um transtorno como o pânico”, alerta o psicólogo especializado em neuroendocrinologia Esdras Vasconcellos, da USP.



Então... o meu sistema límbico, teoricamente responsável pelas minhas fantasias - da qual decorre a criatividade - não tem se alimentado de tempo suficiente para criar pequenas coisas notáveis. Às vezes fico com raiva porque nunca aprendi a crochetar...



Fora que na última veja, as amarelas entrevistam uma psiquiatra que durante infância e adolescência sofreu com o déficit de atenção. Mais isso...


Falei para o médico do mesmo problema, mas ele disse que já era tarde e me chamou de sequelada. E sequelada continuo...

O SILÊNCIO DOS POETAS

Photo by Manuel Navarro Focada


“Já reparaste que tens o mundo inteiro
dentro da tua cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu mundo
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da minha cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu mundo
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos
mas através dos nomes
pois o que tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu tenho dentro da minha cabeça
são os nomes do mundo em brutal compressão
como um filtro ou coador
de forma que nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu que conheço o mundo
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra em ti e o qual entra em mim
através dos nomes que já tem...”

ALBERTO PIMENTA
1978