abril 09, 2010

ARSENI TARKOVSKI

Photo by Claudio Versiani


“Porque o destino seguia-nos o rasto
como um louco com uma navalha na mão


medo

. ontem de noite mataram mais um na minha cidade. ortotanasia. às vezes os médicos levam a injeção na maleta, junto com o estetoscópio, e exterminam com o paciente na sua própria casa. talvez, os familiares insinuam baixinho: não queremos que sofra. sim. esta deve ser a senha para apressar a morte. eu pensava que só morria quem baixava pelo sus, mas não. os que podem pagar também são assassinados, embora durem alguns dias a mais. chamam isso de caridade. a família guarda a senha fatal e quando se cansa do doente, assopra para o médico. e todos descansam. e a vida continua. menos para o morto. morrer liberta a família e aprisiona na eternidade o doente. aliás, o ex-doente.

MENTIRAS

arquivo pessoal
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O poeta Carlito Azevedo disse que se sente “como num episódio daquela série "Além da imaginação", me sinto como um personagem que de repente descobre que todas as pessoas na rua, em todas as ruas de todo o planeta, estão contando mentiras umas às outras, só que é a vida real, elas falam a mesma língua, mas suas vozes estão desconectadas de qualquer coisa que exista na realidade.

Para mim essa é a imagem do pior pesadelo, um pesadelo que não acaba.”


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. e não é? eu também conto mentiras quando na rua me cumprimentam, me chamam pelo nome e eu não sei quem é. o meu oi, tudo bem? não deixa de ser uma mentira. mas sofro com isso. não reconhecer, sequer associar a algum lugar. nada. caminho desconectada da realidade mais comezinha. até minha sombra parece mentir quando se esconde atrás do poste da esquina evitando encontrar aquela que vem de encontro. se conhecida, um espanto. estão todos mentindo? também eu que vivo com emplastros internos na memória ferida. por isso só saio à noite.