maio 19, 2009

IVAN LINS


Somos todos iguais nessa noite
Pelo ensaio diário de um drama
Pelo medo da chuva e da lama
É o circo de novo
Nós vivemos debaixo do pano
Pelo truque mal feito dos magos
Pelo chicote dos domadores
E o rufar dos tambores...



AUTORIA?

Hoje vi um caminhão-caixa de uma transportadora de Arroio do Meio. Em letras bem claras, e na parte alta, a inscrição:

"Amanhece e anoitece e o efeito permanece".

Gostei.

CINCO PROVOCAÇÕES

1 - Ando tão cansada tão.
Das comezinhas da vida: cobranças miúdas, padaria-todo-dia, de justificativas banais, da bagunça do meu quarto-escritório, do inverno que anoitece cedo, do início e do fim.

2 - Fui dar uma caminhada no domingo com uma amiga. De repente ela disse: por que tu ficou muda? Porque sou ridícula e passo mal. Por que? Porque to vendo que a Univates está destruindo todo esse mato e eu não suporto ver isso. Então vamos atalhar, ela sugeriu. Sim, porque lutar é suicídio, pensei.

3 – Hoje ele cozinhou. Melhor, requentou. Minhas propostas ainda são cruas e requentar é tão triste: lembranças, lençóis, sonhos. A existência em banho-maria. Não consigo seguir adiante.

4 - 39 cartas. No mesmo envelope antigo, duas ou três. Separo todas por data de envio, guardo uma por uma em envelope separado, preservando os originais amarelados por traças vagabundas. Enumero e dato todos. Não releio. Sofro por antecedência e com medo da decepção continuo no meu refúgio secreto. E as cartas, em um saco plástico da Valysére.

5 - Palco escuro. Barulho de “coisas” subindo a escada. A luz marca a “porta” que abre. Personagem entra empurrando um fogão. Sai. Silêncio. Uma “luta” com o colchão de casal na “porta”. Enfim, passa o colchão e ela o joga no meio do palco. Sai. Silêncio. Atriz entra com três malas. Sai. Silêncio. Personagem retorna com um som 3 em 1 e uma caixa de isopor. Desaba com tudo no chão. Chora, uiva, chora, soluça, geme, se arrasta até a porta e “fecha”. Deita no colchão fungando, suspira e dorme.



maio 12, 2009

Paul Léautaud

“Porquê dar conhecimento das nossas opiniões?
Amanhã, podemos ter outras.”



QUEM SÂO ESSES MENINOS...

Em 1994, o fotógrafo Manuel Roberto encontrou um menino num centro educacional em Chiahanga, na Tanzania, e fotografou. Ele é o PRISIONEIRO Nº 59018, que deixou de ser o menino de rua para se tornar “Propriedade do Governo”... Achei muito triste.
Aqui tambem se é prisioneiro.
Os nossos meninos são mortos pelo tráfico, pela polícia, pelos próprios pais que os jogam pelas janelas dos edifícios. Os nossos meninos se reúnem na av. beira rio de Lajeado para cheirar crack. Os nossos meninos são abusados nas instituições que deveriam proteger. Não basta os bailes e jantares do Lyons e Rotary para arrecadar verba para as instituições. É preciso acolher.
Alguém precisa avisar as madames.

A VIDA NÃO FOI JUSTA...

Bruno morreu.
Ele me encontrava pela rua sempre contente. Perguntava dos filhos, da mãe, da vida. E ainda dizia que eu nunca ficava velha. Quando eu chegava em casa e conferia a cara no espelho percebia o quanto o Bruno era generoso. No enterro de meu pai, Bruno discursou. Não lembro o que disse, mas quando o padre perguntou se alguém queria se manifestar, Bruno tomou coragem e elogiou a honestidade e o apoio que recebera dele.

O que será que faltou? Tudo. Carinho, encaminhamento, pai.
Bruno morreu.
Disseram que ele estava com câncer e que nos últimos tempos cheirava crack.
Não sei se é verdade. Não andei pela noite para investigar. Não frequentávamos as mesmas turmas. Nossos interesses de vida eram diferentes.
O que faltou para Bruno nessa vida que não falte na outra.

maio 07, 2009

Allan Stewart Konigsberg...

... ou Woody Allen

"Só aprendi que os seres humanos dividem-se em mente e corpo.

A mente abarca todas as aspirações nobres como poesia e filosofia.
Mas é o corpo que se diverte.”
in A Última Noite, de Boris Grushenko

maio 06, 2009

FRIEDRICH NIETZSCHE


"Não nos deixaríamos queimar por nossas opiniões:
não estamos tão seguros delas.
Mas, talvez, por podermos ter nossas opiniões
e podermos mudá-las."
in Humano, Demasiado Humano

ALMOÇO SOB OS PLÁTANOS

Para aguentar o marasmo da vida só bêbada. E esse céu de outono embriaga ainda mais os sentidos. Bêbada num dia de semana de outono é uma delicia. Olho p os plátanos e comungamos risadas. E o céu confirma: só bêbada. E meu amigo diz q ta com tanta tesão q o saco dói. Blue ball, já ouvi falar? Não. Nem quero saber. Um dia pesquiso no Google. Enche meu cálice, brother. Ele me olha desconfiado e eu me penalizo com a auto-censura. As portas estão com cupins, a cama quebrada, a geladeira estragada, a filha indignada, e eu bêbada escutando um cantor italiano chamado Paulo Conte. Até então o único que eu conhecia era o oftalmo. Esse cu de cidade a gente aguenta: mas bêbada e com trilha sonora. El cielo es azul. Ele me disse q a Dilma confiscou 200 mil na troca do embaixador. Só pra ela. The sky is blue. Depois ele disse que no MR8 não empunhou armas porque a garota só queria saber de transar. Achei muito inteligente da parte dela. Le ciel est bleu. Ele disse que ela gostava de apanhar na cama. Eu disse que pra ele calar a boca. Il cielo è blu. Ele disse que entre um velho de 80 e uma criança de dez a UTI apaga o de 80. Der Himmel ist blau. Ele disse que para suportar a solidão só bebendo. Sei. Na minha rua tem dois bêbados que entortam durante toda a semana. Terrível. Sou a das quartas.

AMIR HADAD

“Um verso bem dito como Shakespeare escrevia,
sempre é sucesso na rua.
Para o pobre, o verso fala à alma.
Para o burguês, não vale nada,
porque não vende.”

maio 05, 2009

ANTONIO JOSÉ FORTE

"Hoje alguém deu à manivela para nascer o sol"

Fantasmas sem memória

Não sei como a Clarice Lispector conseguia escrever em casa, com filhos e a louça na pia, cama por fazer, tulha entupida, casa bagunçada. Li que enquanto a rotina do lar respirava ela seguia escrevendo sobre os joelhos para não perder as idéias, o ritmo e o fio. Tento...
Sem vocação para Clarice me perco entre uma máquina de roupa suja e o varal, entre o fogão sujo de leite derramado e o telefone esquizofrênico, procurando meus óculos que caminham ou um rolo de barbante para amarrar um jasmim na antena parabólica - que é para isso que serve mesmo - e claro, não tenho a talentosa perspicácia clariceana de mundo.
No ano passado participei do Fronteiras e anotei uma frase do escritor Milton Hatoum, aquele que escreveu Dois Irmãos e que eu ainda não li:
“No fundo o que a gente escreve é a história de nossos fantasmas, dos espectros...”
É o que estou fazendo confusamente e sem saber onde chegar. Se é que vou descobrir um cais de regresso. Falo em ficção, mas enrustida por um fio original que trapaceia com o passado. É para alguns identificar suas alegrias, afinal, que graça tem não dividir o passado? Principalmente quando vivíamos tempos tão criativos sem internet e sem tevê à cabo e sem grana. Passando a régua, construímos uma identidade acomodada: do clube para casa, da casa para a pizzaria, da pizzaria para o trabalho e no final do dia uma passada na locadora de vídeo. Ou no super. Quem foi que disse que nossa identidade se define pelas escolhas que fizemos, pelas experiências que vivemos? Mas, assim amarrada ao pé da cama box...

maio 02, 2009

Charles Baudelaire


"Em meio a infortúnio, mágoa e veneno
Que tornam mais pesada esta vida brumosa
Feliz de quem puder com asa vigorosa
Alçar vôo no céu luminoso e sereno..."

Fabula da sereia e os bêbados

Ulysses and the Sirens - Herbert James Draper


Todos estes senhores estavam lá dentro
quando ela entrou completamente nua
Eles tinham bebido e começaram a cuspir nela
Ela não entendia nada, acabava de sair do rio
Era uma sereia que se tinha extraviado
os insultos corriam sobre a sua carne lisa
A imundície cobriu os seus peitos de ouro
Ela não sabia chorar por isso não chorava
não sabia se vestir por isso não se vestia
Tatuaram-na com cigarros e com rolhas queimadas
e riam até cair no chão da taberna
Ela não falava porque não sabia falar
Seus olhos eram da cor de amor distante

(...)

E de repente saiu por essa porta
Mal entrou no rio ficou limpa
Reluziu como uma pedra branca na chuva
e sem olhar para trás nadou de novo
nadou até nunca mais, até morrer.

Pablo Neruda
1958

O LEITOR QUE VIRÁ...

Culpas. A Alemanha expia as suas. Em “O Leitor” o jovem Michael mergulha num lago buscando um recomeço, uma nova vida, expurgando suas decepções, o passado recente.
O ano é 1958, o que me deixou muito perturbada.

O tema é um acerto de contas com a história. O meu tema...
“Todos sabiam” grita o colega de Michael “Nossos pais, os professores...”
Fiquei impressionada com o eco de meu próprio trabalho. É muita coincidência.
Também dias atrás escutei na Gaúcha que estão preparando um documentário sobre esse período na voz de seis personagens. Usaram os mesmos princípios de pesquisa: entrevistas, jornais, filmes, chegaram a citar os concursos de miss... Com uma diferença: eles sabiam e os meus personagens juram que não. E por nada saberem resta a vergonha.
Negam sua omissão histórica.
A impotência não carrega culpa; a alienação, sim.
Em 1992 fiz uma Oficina de Criação Literária.

Escrevi na época um conto sobre esse período. O coordenador disse que não tinha relevância, que era muito pontuado pela época. Desanimei. Sem encorajamento, não levei adiante.
Agora, me proponho fragilmente a resgatar.

Por tudo isso, “O Leitor”, com o ator revelação, o alemão David Kross, com a interpretação comedida de Kate Winslet e a boa surpresa da participação de Bruno Ganz, foi o filme da hora: preciso levar adiante meu projeto. Rever essa geração que descobria o sexo, as drogas e o consumo desconhecendo a obscura história a tão poucos quilômetros de distância...
Com tudo que tenho no sótão e no coração, embaralhado, impreciso, fantasioso e verdadeiro, filmes, cartas, o lúdico e o cruel, descascar a cebola como escreveu Günter Grass, mesmo que a minha cebola seja pequena e suas escamas mais superficiais.
Um canivete, por favor.