outubro 17, 2012

FANTASIAS



Às vezes sinto uma vontade de voltar no tempo.
Não para fazer diferente. 
Mas sim para resgatar um pouco mais de colo, tomar dedeira de nescau embaixo das cobertas de pena, sentir meu pai massagear meu peito com vick vaporub enquanto ouvia ele contar a história do lenhador que perdeu seu machadinho dentro de um lago profundo.
Então, esses dias me vi no porão da minha casa brincando de lavar as roupas da boneca Beijoca.  Lembro que ainda gritei:
 “Mãe, não tem mais Rinso?”

Juro, foi muito nítido. E muito rápido. E talvez você nem desconfie o que seja Rinso, não é?
Penso que junto com os produtos que sumiram das prateleiras, lá se foram também todas nossas mais absolutas crenças, sonhos e os desejos mais secretos, como uma eterna vontade de abandonar a cidade e botar o mundo nos pés.
Até consegui, mas acabei voltando para criar os filhos, sem desconfiar que daqui nunca mais sairia. Cruzes, onde será que foi parar minha coragem?

“Terminou a Kolynos?” pergunto à mãe atucanada com uma encomenda de docinhos que precisava entregar logo depois do meio-dia.
“Pega outra na despensa e depois corre para o Grupo, guria.”

Sim, naquele tempo toda casa tinha uma despensa, assim como um abacateiro ou cinamomo. E Grupo significava Escola Fernandes Vieira.

Certa vez no recreio queria brincar de pular corda, mas as “grandes” não deixaram, aí puxei a corda e com ela bati nas meninas. Deu o maior rolo. Cheguei em casa e levei uma tunda do meu pai. De castigo fui para o porão ler Robinson Crusoé. Ou seria tudo isso fantasia? Hoje não se leva mais surras e às vezes precisa um Conselho Tutelar para educar melhor os filhos da gente. Cruzes mesmo!

Sim, hoje também não existem mais porões frescos, com cheiro de umidade e mofo.
Nem se brinca de facão da meia-noite, porque as casas não têm mais escondedouros como quartinhos soturnos, os quintais não tem galinheiro fedorento, poço misterioso com água suspeita, mesa de cimento fixa embaixo de arvore frondosa, fornos de pedra abandonado, nichos nas cercas vivas e sombra de parreira para tomar chimarrão ouvindo a conversa dos grandes, sem se intrometer porque criança não fala quando adulto puxa causo.

Chove, preciso sair.
Da janela embaciada vejo lá fora uma menina espevitada e magricela, gritando:
“Mãeee, não acho minhas galochas!”
“Procura direito que elas não andam sozinhas por aí.”
Suspiro do fundo da alma perdida, mas reconciliada.
Feliz Dia da Criança para nós que um dia soubemos nos inventar.

* Minha crônica nos jornais A Hora, em Lajeado e Opinião,de Encantado.

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