Guardachuvadelaura
outubro 17, 2025
DO MEU BLOQUINHO
Esse ano completei 20 anos desde que lancei meu primeiro livro e único infantil. Queria achar uma forma de conversar com minha neta sobre separações e mortes. Uma espécie de bóia para o naufrágio familiar a sua frente. Outras submersões vieram, mas todas minhas. A literatura sempre me ajudou a respirar fora das águas encardidas da vida. Seja pelas leituras, escritas, oficinas... Tudo vira criação literária. Vira prancha para me salvar dos swells e das pororocas. Depois, o livro Contos da Colônia, com uma capa bonita do Alessandro Cenci, mas cheio de erros, publicado por uma editora paulista que não se comprometeu com a revisão. Em 2018, as crônicas Morrer é crescer devagarzinho para aproveitar os anos que escrevi de graça no jornal da cidade. No mesmo ano, um prêmio de 2º lugar no concurso Mario Quintana, com a crônica Boa de memória. Fiquei tão feliz! Na pandemia do covid, com o governo bolsonaro invocando o passado militar - caindo de maduro disse meu amigo Ismael - publiquei Engole esse choro, pela Libélula Editorial. Hoje, esgotado nas livrarias. Em 2023 aprontei às pressas Malvina, graças ao projeto Pró Cultura, do governo do estado. Não vou falar das coletâneas. São muitas. Mas só quando fui citada na coleção História da literatura do RS, no livro Longas durações, organizado por Luís Augusto Fischer, me convenci de que, talvez, eu seja realmente uma escritora de carne e ossos, de pus e vísceras e fluxos sanguíneos. Aguardo a fase pela qual muitas de nós passamos, a de que um dia tudo se ajeita. Apesar da dor, da saudade, dos arrependimentos e das culpas.
INSÔNIA E JABUTICABA
São duas da madrugada. Aguardo o temporal que os meteorologistas prometeram. Ontem, um luar tímido parecia cobrir de poeira a jabuticabeira na noite fria e úmida da primavera. O gambá atravessou o telhado e se fartou comendo e ainda derrubou meus vasos. São três horas e alguém transa nesse momento, alguém joga pôquer no celular, alguém netflixa o terceiro filme desde o entardecer por entre farelos de bolacha no sofá. Sem medo, abro a porta e o Caetano assopra o meu olhar vagabundo quer guardar o mundo atrás das estrelas prometidas - sonho acordada um sonho dolorido porque a realidade continua de forma estupidamente triste. Shakespeare escreveu tão bonito que nós somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos. Meu tecido esgarçou e virou pano de chão. O sonho encardiu. Quero me apagar, não tem por que estender o devaneio torturante que é continuar aqui. Aguardo o temporal. Eles prometeram. Minha tendência é acreditar em promessas. São três e vinte da madrugada e eu mastigo os pensamentos embrulhada num cobertor, agora tonta de tanto pó de lua. Quem sabe, o sono me carrega?
GUERRA E PAZ?
Sim,
como provinciana da cidade das enchentes não tenho nada que dar pitaco em
desgraça alheia. E essas não decepcionam... O caldo universal da dor.
Só vou postar o que li:
"Toda Gaza e cada criança em Gaza
devem morrer de fome."
Rabino Ruben Shaulov
E muito mais disse o sujeito que se diz religioso. Mas não é monstruoso isso? O que diria Hannah Arendt?
Cacumigo: não é um tratado de paz.
É uma janela comercial como essas que gente vê nos programas de tevê.
EXISTE?
Em 1796, Papa Pio
VI compôs a oração mais popular do Anjo da Guarda:
já que a ti me confiou a piedade divina,
sempre me rege, guarda, governa e ilumina.
Amém.”
Por que pincei isso? Porque assistia ontem “Para
sempre, Lilya”, que acreditava em anjo da guarda... Não consegui ver o filme
até o fim. A violência da realidade me atravessa de tal forma, que ando evitando a violência fílmica.







