janeiro 28, 2010

FARMACIA PEIXOTO

Quando era pequena passava os verões em Cruz Alta.
De manhã brincava no fantástico quintal da casa de meus avós.
De tarde, depois do lanche na cozinha - pão e nescau - meus primos e eu íamos para a piscina no Clube Arranca. Para chegar até o clube era preciso atravessar um matinho fechado, mas com uma trilha no meio. Eu o fazia com o coração suspenso: perigo, mistério, uma coisa de bruxa no meio do caminho, mas sempre caminhava por ali.

Em Cruz Alta havia uma farmácia. Do meu avô, João Peixoto.
No balcão ou na vitrine, lembro vagamente de um boneco de louça negro com jeito de malandro: calça branca, camiseta listrada e chapéu de palha. Não sei que fim deu. Mas gostaria muito de reencontrar. Muito mesmo.

Com meu avô trabalhava o boticário Voltolini, que receitava e aplicava injeções.

Sempre acreditei que aquela era a farmácia onde trabalhara Érico Veríssimo. E que atrás do balcão, o escritor teria rabiscado seu primeiro livro de contos: Fantoches, inspirado em leituras de Oscar Wilde, Anatole France...

Mas não era. Anos mais tarde eu visitaria Érico em sua casa na rua Felipe de Oliveira, em Porto Alegre, pedindo autorização para montar uma peça de teatro de sua autoria no colégio, sem pagar direitos autorais.

Reservado, recebeu minha colega e eu no seu gabinete que me pareceu escuro e sóbrio, com muitos livros na estante e duas poltronas. Foi tudo muito rápido e fomos recebidas pela esposa, d. Mafalda. Quase morri de vergonha por atrapalhar um homem tão famoso. Eu tinha na época 16 anos e fui logo dizendo que minha família era de Cruz Alta e o escritor chamou a esposa “Olha aqui, Mafalda, a neta da Normélia”. Sem saber o que dizer peguei o autógrafo num exemplar antigo do Tempo e o Vento e parti, aliviada. A visita não deve ter durado 15 minutos. E ainda levamos a autorização assinada por ele.

No início dos anos 20, a farmácia de meu avô se localizava numa casa bem antiga, de madeira. A frente dava para a rua do Comércio. Atrás moravam meus avós, com porta para a rua Mauriti. Depois que nasceu meu tio Marion e meu pai, a família mudou-se para a Vila Marília na rua Venâncio Aires, 1745. Marília, porque homenageava minha tia, a última filha nascida. Com minha avó não engravidando mais, o vô João trocou os muros altos por outro mais leve e bonito.



Não sei em que ano ele construiu o prédio da fármacia que até hoje resiste na esquina da rua do Comércio, em Cruz Alta. Em cima cuidou de projetar apartamentos que alugava.
Minha tia Marília conta que em sociedade com o sr. Carmeliano Miranda ainda construiria o Cine Rex e essa informação eu desconhecia. Fiquei feliz com a descoberta.
Muito tempo depois, meu avô venderia a Farmácia Peixoto parao agora gerente sr. Voltolini, e em seguida se mudaria definitivamente para o Rio, terminando com nossos veraneios no Arranca e divertidos carnavais d’água na rua.
Assim como na canção de Jorge Mautner:

“o tempo dá voltas e curvas
o tempo tem revoltas absurdas
ele é e não é ao mesmo tempo
avenida das flores
e a ferida das dores
e só então
de sopetão
entro e me adentro no tempo e no vento
(...)
das feridas das queridas despedidas
de quem sentiu todos os momentos”

* Fotos cedidas por dr. Alfredo Roeber

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