SUSPIROS DE NATAL
A vida anda tão corrida que o Natal é lembrado logo depois dos finados. (suspiro) Pelo menos comercialmente, não é? Você já comprou os presentes? (suspiro) Daqui exatos cinco dias aquele fuzuê de comilança, de sorriso amarelo no desembrulhar da lembrança de amigo secreto – um cd que você pode baixar da internet ou algo para casa que a gente mesmo compra nas vitrines de quinquilharias da cidade. O que fazer?
Disfarçar. (suspiro curtinho) E se você recebeu uma boa educação em casa, sorria o mais sincero esgar – e você consegue! – dizendo “era isso o que eu precisava...”
Às vezes penso em um Natal diferente:
Mesa posta no meio da praça convidando todos os bebuns que perambulam por aí para dividir a comilança e suas vidas libertas. (suspiro) Como eles continuarão sendo o que são, pelo menos nessa noite, a bebida será de melhor qualidade e servida em cálices, sem a cobrança hipócrita do se dirigir, não beba.
Em montar um pinheirinho no dia 24 para uma instituição de menores carentes. Com direito a Papai Noel e abraços verdadeiros e minha solidariedade de corpo presente. (suspiro)
Em preparar uma ceia especial para velhos sem destino e doar meu tempo inútil (suspiro em seco) para escutar suas histórias de abandono e desprezo.
Quem sabe um Natal numa aldeia de caigangues? (suspiro) Dói quando vejo as crianças acompanhando as mães na mendicância pelas ruas da cidade, oferecendo cestos e artesanato de cipó. Eles crescem e perpetuam o andejar miserento de suas mães. (suspiro)
Como curtir o Natal de mesa farta consciente da fomitura do Outro? Como se empanturrar de peru recheado, fios de ovos e arroz à grega (suspiro esperançoso) na consciência da solidão e da penúria de tantos?
Como cantar Noite Feliz reconhecendo as crianças abusadas dentro de sua própria família? Do filho alucinado correndo na noite atrás de pó? (suspiro profundo) Da filha prostituta que vende seu corpo para comprar leite em pó para o filho deficiente?
É muita opressão, muita injustiça social, muito político ladrão, muito rico corrupto, muita safadeza ambiental e quem deveria dar exemplo se esconde no manto da depravação pseudo-solidária.
Natal aí de novo, gente... (longo suspiro) Esse caco de mundo que não oferece perspectivas de crescimento cultural por um cultura de paz. O que fazer?
Vergonha, vergonha: eu não faço nada pelo Outro. Nada.
Olho, desafiadora, para o panetone em cima da mesa pronto para ser partido simbolicamente no dia de Natal - será que Jesus nasceu sabendo que a turma do Herodes andava atrás dele? (suspiro)
O panetone, minha fome, (suspiro raivoso), as desilusões de Natal. Pego uma faca e corto um pedação e engulo quase que inteiro. No seco.
Desculpe, juro que sentei para escrever uma crônica de Natal mais inspirada: de fé e esperança e, principalmente, de graças. Mas, um vazio descrente me habita.
Mesmo assim: (suspiro mais leve) paz e lucidez para todos.
(minha crônica nos jornais A Hora, de Lajeado e no Opinião, de Encantado)
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