ENCHENTE I
Na última Parêntese, texto do jornalista Alício de Assunção, sobre a enchente que viveu no ano passado:
MANHÃ DE PÂNICO
Dia 30 de abril de 2024, estava com minha esposa em nossa
casa, no distrito de Tamanduá, em Marques de Souza, onde construímos uma vida
desde 1997.
Tamanduá era um lugarzinho pitoresco, fundado em 1888 por
colonizadores alemães e com cerca de 400 moradores.
Uma ou duas vezes por ano era até "normal" a
ocorrência de pequenas enchentes por conta de um arroio que corta a localidade,
mas nada que afetasse muito nossas vidas.
Por volta das 5h daquela manhã, uma chuva intensa fez com
que as águas do arroio invadissem parte de nossa casa, porém com pouca
intensidade. Logo baixaram e sabíamos que uma simples limpeza resolveria tudo.
Até então não imaginávamos o que ainda viria.
Por volta das 9h, as chuvas se intensificaram e o arroio
transbordou novamente e trechos dos morros, no outro lado da rua, começaram a
ceder. Nossa residência foi tomada pelas águas em poucos minutos. Conseguimos
escapar para a casa da minha sogra, bem próxima, e um pouco mais alta que a
nossa.
Porém, as águas continuaram a subir.
Logo, nosso filho
vindo de Lajeado para ajudar, mais a minha sogra com 76 anos, a mãe dela com 99
anos, e três vizinhos, nos vimos em cima do telhado para salvar nossas próprias
vidas. Depois de seis horas alguém conseguiu jogar uma corda e nos
resgatar. “Perrengue” tenso, por tentarmos sair ilesos enquanto presenciávamos
a destruição do nosso lar.
Hoje residimos em um apartamento em Lajeado, e da
"vida anterior" nem uma caneta ou roupa restou. Minha biblioteca, com
cerca de 600 livros, acervo de histórias da região, não existe mais.
De sequelas, às vezes um sentimento de uma mudança não
planejada, um desapego forçado. Mas quando vejo pessoas que ainda não
resolveram suas situações de moradia, sinto gratidão pela nossa família, pelos
amigos e desconhecidos que nos ajudaram, mas indignação por ser tudo tão lento
para muitas outras pessoas.
Minha reflexão sobre a resiliência e a força dos gaúchos que se sentem superiores a brasileiros de outras regiões, é a de que sempre bom lembrar que, quando a água bateu no pescoço, vimos que não somos melhores e nem piores que ninguém. Recebemos ajuda dos nossos irmãos do Nordeste, muitas vezes discriminados pelo Sul.
Espero que alguma lição se tenha aprendido de tudo
isso.
Alício de Assunção
Tamanduá, Marques de Souza.
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