pEnsAndO Aki...
“Amigos telefônicos são preciosos. E por isso mesmo, raros.
Eu tenho três ou quatro, e bastam.
Amigo telefônico é assim: você só fala por
ele por telefone. Ou fala pessoalmente também, mas é completamente diferente.
Quando você encontra muito seguido um amigo telefônico, a amizade se divide em duas amizades paralelas:
a que acontece cara a cara, e a que acontece telefonicamente.
Esta sempre mais funda.
Há coisas que só se diz por telefone.
Telefone elimina rosto, gesto, movimento: a voz fica absoluta.
O que a voz diz, ao telefone, é tudo, porque por trás dela não acontece nada como um franzir de sobrancelhas, um riso no canto da boca.
E se acontece, você não vê. O que você não vê praticamente não acontece. Ou acontece tão vagamente que é como se não.
(...)
Amigo telefônico é noturno. A vontade de falar com ele
costuma acontecer quando não há mais nada interessante na TV, quando todos os
livros e todos discos do mundo não matariam a sede de ouvir uma voz humana
dizendo coisas que respondam ou complementem ou rebatam outras coisas que a sua
voz vai dizendo.
E vai dizendo sem preocupação de ordem, de lógica, de senso.
Com amigo telefônico, toda preocupação de parecer lúcido, consciente & equilibrado é inteiramente desnecessária. Se uma terceira pessoa ouvisse um papo entre dois velhos amigos telefônicos, provavelmente acharia completamente louco.
Na amizade telefônica, a lógica é tão sutil que parece não existir.
Mas existe.
Há também os silêncios.
Silêncio de amizade-cara-a-cara quase sempre soa (?)
constrangedor.
As pessoas desviam os olhos, acendem cigarros, fazem comentários tipo nada-a-ver,
só para quebrar o silêncio.
Em amizade telefônica, nunca:
um fica ouvindo a respiração do outro durante muito tempo. E não precisa dizer nada.
Caio Fernano Abreu
in Jornal O Estadão/ 27 de maio de 1986.
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