AMIGOS DO FEISSIBUKI...
Bem meu amigo Flavio veio ao mundo para Getulio sair dele. O
primeiro, Leão, o segundo Aries. Eu sequer, embrião. Meus pais casaram naquele
ano. Foi preciso uma autorização divina. Mas veio de Roma mesmo, mais pertinho.
Conheço bem esse meu amigo do feissibuqui: um coração enorme. Divergimos, mas
as risadas compensam qualquer estranhamento. No ano que meu amigo nasceu a
terra tremeu. Exatamente no Porto dos Gaúchos, em Mato Grosso. Não tremeu mais do que a Saudosa Maloca,
sucesso do ano pelo assobio de meu pai.
Se fosse menos virtual, diria Pô, Nelsinho, tu escreve bem
pra caralho. Mas o tempo passou e a gente não mais se reconhece e eu não tenho
mais idade para tietagem explícita. Ha cinco anos eu vivia, quando esse cara
nasceu. É impressionante como tenho amigos de Aquário. Por que será? Ele tem o
que não tenho: persistência. No ano de nascimento de Nelson fui morar numa
esquina da Tiradentes com a Bento, em
Lajeado. Num chalé com um lindo quintal verde e alguns mistérios. Na esquina em
frente, os Schilling, com seu filho com quem eu disputava a raiva. Talvez ele se
chamasse Nelsinho, talvez Carlinhos...
Quase
caí dura, a Carla nasceu no ano que não terminou, no ano bissexto, no ano das
barricadas em Paris, no ano que iniciou a Guerra do Vietnã, no ano que
assassinaram Martim Luther, no ano da
Tropicália, no ano que Martha Vasconcellos virou Miss Universo e no ano que
Raul Seixas lançou o primeiro disco. Tudo isso explica o seu olhar
diferenciado. Naquele ano minha mãe dava um duro danado para cuidar dos meus
irmãos gêmeos. No fogão, como vapores de um caldeirão de bruxa, ferviam as
fraldas de pano para não provocar assaduras nos dois. Naquele ano levei a maior
surra do meu pai: cheguei depois das seis horas da tarde em casa... Pensei que ninguém notaria um atraso inocente
já que a correria era grande. Pensei errado.
Quando Adão nasceu sete anos depois e aquariano como eu,
entrei na primeira série no grupo escolar, de guarda-pó branco e laço de fita
azul no pescoço numa daquelas escolas que o Brizola inaugurou durante o seu
governo. Da janela do banheiro, presenciei minha primeira dor. Uma menininha
chamada Cândida morreu atropelada. Meu amigo Adão, que não conheço em carne e
osso, mas em traço e tiras, nasceu no dia em que Nat King Cole ascendeu aos
céus eternizando para sempre “Unforgettable”.
Xandi e Eminem, aquele “você pode fazer
qualquer coisa se você definir a sua mente para o homem” nasceram no mesmo ano.
No fatídico ano do meu baile de debutantes, embaixo da maior chuva feito um batismo,
uma passagem marcante, de criança para adolescente. Ano fudido aquele... Todas queriam ser Liza Minelli. Ou
pelo menos algumas de nós. Mas, alguém
voltou dos Estados Unidos naquele ano e confidenciou sobre “O ultimo tango em
Paris”, causando o maior frisson na turma virgem. Naquele ano tão sinistro, meus avós viajaram de Cruz
Alta à Caxias, para a Festa da Uva e foram visto - ou se viram? - à cores na tevê brasileira. No ano Sesquicentenário
da Independência se torturava muito atrás dos muros e da telinha plim-plim. Xandi nasceu
e na sua trajetória brotou uma ferida.
Nasceu Aline quase de mão com o mano. Nasceu em plena
ditadura. Um ano falido. Sabe lá o que determina a sina da gente. Minha
amiga virginiana nasceu quando encarei o vestibular em Porto Alegre. Quando ela
descobriu o mundo aos três meses, o exército brasileiro terminou com o mundo de
três comunistas, numa emboscada na Lapa paulista. E ficou por isso mesmo.
Traição por traição, a covardia se entrega onde a confiança morre. Mas a minha
amiga do feissibuqui se inventou na poesia e no olhar íntimo de suas
desconfianças. Como Guimarães Rosa escreve interrogando a vida com um
fluxo de consciência perturbador.
Quando Elis canta “O bêbado com chapéu-coco fazia irreverências mil pra noite do Brasil. Meu Brasil! Que sonha com a volta do irmão do Henfil. Com tanta gente que partiu num rabo de foguete...” eu choro. Juro. Até hoje. A musica acabou em hino da anistia, essa que nunca me dei. Naquele ano eu era filha da Puc e ainda vi estudantes em frente à Engenharia da Ufrgs lançar bolitas no asfalto, espantando a cavalaria. Vi correria, ouvi gritos, sem saber das torturas e sevícias policiais nos subterrâneos de Porto Alegre. Fiquei mãe no ano em que meu amigo do feissi, Vinicius, também nasceu, separados por apenas uma semana de vida. Cresceram os dois meninos dividindo bola na rua e na pracinha.
Nelo
nasceu cinco dias depois do meu filho. Eu poderia ser mãe dele também. Os dois Peixes sonhadores e criativos. Um conheço, outro não. Naquele ano ainda me
sentia a Menina Veneno que tocava adoidado nas fms do país. Quando será que me
transformei em Miss Lexotan? No ano que
meu amigo nasceu foi preciso dar um tempo na faculdade e não pela grande seca
no Nordeste, mas pela maxidesvalorização
do cruzeiro mesmo. Sepultura e Raça Negra se lançaram naquele mesmo ano. Algo me diz que os gostos musicais de Nelo e
meu filho começaram por aí, cada um de um lado do vinil.
No ano que
surgiu a Wikipédia, Dani nasceu e eu também me vi avó. Logo depois do primeiro
ano desse novo século. Ela e minha neta,
a mesma idade. Só que uma nasceu no mesmo dia da boneca Bratz, com aqueles
olhos imensos, anos luz da Barbie que nunca ganhei. Fiquei vó quando a maioria de meus amigos se
viram pais. Adolescente trabalhei, logo cedi. Ainda é cedo, amor. Mal começaste a conhecer a
vida. Já anuncias a hora de partida.
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar... Ah, Cartola emociona. Agora acompanho as águas mudarem novamente
e um filme se projeta na areia da praia, no impulso das ondas. E me dá uma tristeza. Tudo continua muito
cedo.
Pensava nisso, nessa maioria de amigos e desconhecidos, com
seus sonhos e pesadelos.Com suas conquistas e derrotas. Às vezes no paraíso, outras, no inferno. Uma curtida nos separa. Um compartilhamento, comungamos. Um comentário honesto e somos deletados...
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