dezembro 14, 2016

CORPO IMPRÓPRIO



 Toranja

"Eu vivo num corpo que não é meu.
Para cada decisão sobre ele, preciso de duas vias autenticadas em cartório com firma reconhecida e autorização dos pais. Ou melhor, só do pai já serve. E do padre.

Para usar esse corpo tenho que consultar um manual, que se vende na banca e explica:
Os 10 alimentos
As 15 dietas
Os 45 exercícios
As 135 maneiras de enlouquecer seu homem na cama .

Esse corpo que eu ocupo é um corpo incorreto,
e a culpa é minha.
Ele deveria ser magro, mas não muito magro,
Alto, mas não muito alto,
Branco, mas não muito branco,
De preferência simétrico.
Silencioso
Sem cheiro
Sem gosto
Sem ocupar muito espaço."
Ilustra Fernanda Guedes

"Viver nesse corpo tem custo:
32% do meu salário se for branca
64% se for negra
Uma pena, porque dinheiro é bom pra comprar direitos:
Aborto, segurança, expressão, educação. Mas nunca um corpo completamente meu.

Esse corpo tem dono:
o pai, o filho e o espírito santo.
Sem dono ele é espaço público.
E se o dono assim quiser, está liberado fazer aquilo que se faz com as TVs velhas — bater até fazer funcionar adequadamente ou quebrar na porrada."

Ilustra Fernanda Guedes


"E a culpa é minha.
Tudo isso porque esse corpo calhou de ser daquele tipo que pode carregar outros corpos dentro dele,
obrigação compulsória.

Quem mandou usar esse corpo para ter prazer?
É claro que a culpa é minha.
Que bom seria realizar o sonho do corpo próprio."

Thais Fabris

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial