fevereiro 28, 2020

CONTARDO CALLIGARIS *


Luciano Salles

O presidente tem vocação para piadista de boteco.

Na frente do Alvorada, ele mantém um programa de auditório, em que tenta fazer rir uma turma que grita “mito, mito”. 

Nesses shows cômicos (para a tal turma), os objetos frequentes de escárnio e bullying são a imprensa e os/as repórteres,
os quais preenchem o mesmo lugar dos judeus nas cervejarias de Munique nos anos 1920-30 ou dos negros nos pubs para brancos do Alabama nos anos 1950.

À diferença de judeus e negros naqueles anos,
a imprensa é obrigada a presenciar sua própria zombaria.

As/os repórteres aguentam o desrespeito do presidente
e a estupidez cúmplice da claque dele
porque acreditam na função moral da imprensa:

informar mesmo os que não querem ser informados.

Laerte

Num desses shows, o presidente quis desacreditar a investigação de Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, sobre disparos ilegais de mensagens de Whatsapp nas últimas eleições.


Ele suscitou o riso de sua claque com a ideia de que Campos Mello teria tentado seduzir uma testemunha para conseguir as informações que ela procurava.


O que foi?
Será que o presidente se sentiu visado pela investigação?
Ou será que há mais alguma razão pela raiva presidencial?

Patrícia Campos Mello testemunhou os maiores dramas das últimas décadas;
escreveu do Afeganistão, da Síria, do Iraque, do Líbano
e de Serra Leoa durante a epidemia de ebola, em 2015.
Duke

Em “Lua de Mel em Kobane” (Cia das Letras), ela relata a história de um homem e uma mulher, sírios que ela conheceu quando tentavam sobreviver à expansão do Estado Islâmico. 
A experiência de Campos Mello nas piores guerras do século deve ser insuportável para um jovem que quis ser soldado e acabou reformado sem nunca ver a sombra de um combate (salvo seus protestos por melhores salários). 

Por competência e caráter, a desproporção é assustadora:

o presidente parece um defensor amador, numa pelada,
desistindo da bola e tentando chutar a canela de um craque de primeira divisão.


João Bosco

Alguns dirão que não precisa procurar longe:
o presidente é simplesmente grosso. 
Pode ser.

Mas a grosseria tem significação e consequências. Explico.

Dou muita importância às boas maneiras —faca na mão direita e garfo na esquerda,
esperar que as pessoas saiam do elevador antes de entrar, etc.
Crianças, no bonde, esperávamos que chegasse um idoso para ver qual de nós lhe ofereceria seu lugar mais prontamente.

Mas para o que servem as boas maneiras?
Por que não comer com as mãos e arrotar livremente?
(...)

As bananas, que ele fez diante das perguntas dos jornalistas, 
valem para todos nós,
os governados que poderiam questioná-lo,
e elas têm o mesmo sentido do “foda-se” que Augusto Heleno endereçou ao Congresso.

“República das bananas” adquire assim um novo sentido  —
não designa apenas pequenos países da América Central com ditadores que entregam os frutos da monocultura local à exploração estrangeira.
Simanca

Agora, república das bananas designa também o país onde quem governa faz bananas aos governados. 

O Brasil, apesar de sua economia diversificada e de seu tamanho, torna-se enfim uma república das bananas.

Psicanalista, autor de 'Hello Brasil!' , 'Cartas a um Jovem Terapeuta'  e 'Coisa de Menina?'.


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