UM ANO DEPOIS: A PRIMEIRA ENTREVISTA
O ex-presidente do Brasil conversa durante duas horas e dez minutos com jornalistas da Folha de São Paulo e El País, em sua primeira
entrevista desde a prisão, em abril de
2018.
Lula,73 anos, falou da
vida na prisão, da morte do neto, do governo Bolsonaro,
das acusações de corrupção, da Lava Jato, dos militares, dentre outros assuntos.
Destaco alguns trechos, com pesquisa de imagens por minha conta, quase todas do fotógrafo Ricardo Stuckert, disponíveis na internet.
imagina se todo mundo nesse Brasil fizesse uma autocrítica.
A elite brasileira deveria estar fazendo agora uma
autocritica.
‘Puxa vida, como é que a gente ganhou tanto dinheiro no
Governo do Lula?
Como é que o povo pobre vivia tão bem?
Como é que o povo pobre estava viajando pro Piauí, pra
Sergipe, pra Garanhuns, e agora nem de ônibus pode viajar?’.
Vamos fazer uma autocrítica pelo que aconteceu em 2018
naquela eleição.
O que não se pode é esse país estar governado por esse bando
de malucos.”
MAS O SR. LAVA A SUA
PRÓPRIA ROUPA, LAVA SUAS COISAS? E A PRISÃO MUDOU O SR. EM ALGUMA COISA?
É engraçado porque eu sempre tive vontade de morar sozinho.
Quando eu fiquei viúvo a primeira vez, em 1971, eu fiquei bravo com a minha mãe
[dona Lindu] porque meu sonho era alugar uma quitinete e morar sozinho. A
minha mãe morava com a minha irmã, a minha mãe abandonou a minha irmã, foi na
minha casa e exigiu que eu alugasse uma casa para morar comigo. E eu morei com
a minha mãe durante três anos e meio. Sabe aquele sonho de jogar a cueca para
qualquer lado a meia para qualquer lado, a camiseta, não ter que prestar
contas, não ter ninguém atrás de mim, "recolhe, põe no chuveiro"?
Hoje,
eu faço isso. Mas eu preencho o meu tempo vendo muita coisa.
Não. Eu mando para o meu pessoal lavar.
Mas eu curto a
solidão tentando aprender, mentalizar a minha espiritualidade, tentando gostar
mais do ser humano, tentar ficar um pouco mais humano.
Eu acho que eu
vou sair daqui melhor do que eu entrei.
Com menos raiva das pessoas.
Eu vou
sair um cidadão bom daqui. Bom e motivado para brigar.
O SENHOR SE SENTE INJUSTIÇADO POR EMPRESÁRIOS QUE CRESCERAM EM SEU GOVERNO FAZEREM DELAÇÕES PREMIADAS CONTRA O PT E O SENHOR?
(...) “Quem sabe um
jornalista bem informado como você possa ir aos Estados Unidos saber qual é a
intromissão do Departamento de Justiça americano nesse processo do Brasil. Qual
é o interesse dos americanos na Petrobras.
Você sabe qual é, mas temos que investigar. Temos que ir
atrás. Eles nunca engoliram o fato de eu dizer que a Petrobras era nossa, que o
petróleo era nosso, que o petróleo seria o passaporte do futuro, que 75% dos
royalties da Petrobras iria para cuidar da educação, e que a Petrobras teria
30%. Ou seja, quem quisesse entrar teria que pagar o que nós quiséssemos.
Aí o WikiLeaks [site que compartilha dados secretos na
internet] vaza aquele documento do [senador José] Serra ligando para
a Chevron [petrolífera dos EUA] dizendo "venha para cá [Brasil]
que nós vamos dar um jeito [de mudar o modelo]. E deram um jeito.
Como esse país vai para a frente se não tiver gente que se
respeita, que goste do país e que entenda que um país que tenha as riquezas
minerais que o Brasil tem, a floresta, o potencial de água doce, de petróleo,
quase 17 mil quilômetros de fronteira seca, 8 mil quilômetros de fronteira
marítima, petróleo a 200 milhas... foi a gente anunciar o pré-sal que os
americanos recuperaram a quarta frota que funcionou na Segunda Guerra
Mundial.
Qual foi a resposta que dei para os americanos?
Criei o
Conselho Sul-Americano de Defesa para juntar e não ter intromissão dos Estados
Unidos.
Eu estou achando estranho essa tal dessa milícia do Bolsonaro. Cadê aquele cidadão dos R$ 7 milhões [Fabrício
Queiroz, ligado a Flávio Bolsonaro]? Cadê a imprensa que
não está atrás do Queiroz?
Então, é o seguinte, o Brasil tem dois pesos e duas
medidas.
Eu, ex-presidente da República, sem nenhuma prova, foram na
minha casa, recebi vários policiais. O seu Queiroz não atendeu a nenhum
pedido [para depor no Ministério Público] e a Polícia Federal não foi buscar
ele ainda.
Os policiais do Exército dão 80 tiros num carro, matam um
negro. E vai [a imprensa] perguntar para o ministro da Justiça e ele fala:
“Isso pode acontecer”.
É por isso que eu não tenho o direito de baixar a
cabeça, de ficar esmorecido, fraquejar.
(Foto Wilton Junior)
COMO VÊ
O PROTAGONISMO DOS MILITARES?
Quando sair daqui eu quero conversar com os militares. Tenho
vontade de perguntar para o chefe da Marinha, da Aeronáutica, do Exército, qual
presidente da República que fez mais para eles do que eu fiz.
Quero perguntar para eles qual a razão do ódio que eles têm
do PT.
Quando eu cheguei na Presidência, em 2003, soldado
brasileiro saía [do trabalho] 11 horas porque não tinha dinheiro para
almoçar. Recruta não ganhava salário mínimo. Além de pagar salário mínimo, dar
almoço para eles, ainda criei o soldado cidadão para dar curso de formação.
Pergunta para o general o que era o batalhão de engenharia
do exército brasileiro. As máquinas estavam todas quebradas, não tinha nem
caminhão. Pergunta para eles o que eu fiz.
Pergunta para a Aeronáutica como era a situação quando eu
cheguei na Presidência. O avião da presidência era chamado de
"sucatão". Você ia viajar para a Europa e quando parava em Cabo
Verde, nas Ilhas Canárias, tinham 18 mecânicos dentro do avião para catar
parafuso que caía no aeroporto.
(Foto Agencia Brasil)
Eu quero perguntar para a Aeronáutica como era avião que eu
emprestava para levar autoridade em casa. Quando levantava voo em Brasília,
pegava fogo no avião. Tinha que descer rapidamente, senão explodia. O
Celso Amorim perdeu uma pasta porque ela queimou dentro do avião.
Quando eu comprei o avião novo [para viagens presidenciais],
é porque eu me respeito. Eu se pudesse ia de jegue para a Europa.
Como eu não podia, tive a coragem de comprar um avião. Hoje eu me arrependo de
não ter comprado um Airbus 140. Comprei o menor, devia ter comprado um grandão.
Peguei 15 ou 20 aviões da [empresa aérea] Rio-Sul, que não
pagou o BNDES, e dei para a Aeronáutica. Deixei a Aeronáutica com cara de força
aérea.
Pergunte para a Marinha. Eu fui visitar o [navio] Barão
de Teffé na base brasileira na Antártida. Eu cheguei lá,
[concluí que] um país grande não pode ter um navio de pesquisa daquele. Se o
cara entrasse com a barriga, a bunda ficava para fora num lugar que
tem que fazer pesquisa. Nós autorizamos o almirante a comprar um navio
descente.
O governo não dava dinheiro para enriquecer urânio. Pergunta
para ele quem garantiu R$ 30 milhões por mês para funcionar Caparaó. Eu
não sou contra militar fazer política, não. Quer fazer política? Sai do
Exército, vai para a reserva.
Aliás, é importante lembrar que a política no Brasil começou
com o Marechal Deodoro da Fonseca. Eles fazem política no Brasil, só
não tiveram participação no poder decisivo no governo do Fernando
Henrique, no meu e no da Dilma [Rousseff]. No restante [dos governos
brasileiros], eles tiveram.
Pode ser que eles não voltem para a caserna. Se você
tiver um militar tecnicamente competente e especialista numa coisa, não tem
problema que ele vá para o governo. O que não pode é do jeito que tá. Não
dá. Não dá. Eu não sei a qualificação das pessoas, que estão lá.
Agora mesmo eu vi no noticiário que o ministro do Meio Ambiente desmanchou não sei o que lá no Instituto Chico Mendes
e colocou não sei quantos cabos, soldados, militares.
Para cuidar de meio
ambiente, você coloca gente especialista. Tem especialista da Polícia
Federal, do Ministério Público, coloca técnico, coloca especialista, não tem
que militarizar o governo.
Não sou contra eles participarem do governo, não. Mas
militar tem que saber que eles têm um papel a cumprir pela Constituição.
O
militar tem que cuidar dos interesses desse país e da defesa da nossa sociedade
contra os inimigos externos.
Temos, entre fronteira seca e marítima, quase 22
milhões de quilômetros quadrados, é muita coisa para os militares cuidarem.
A
burocracia, vamos deixar para o burocrata.
O SENHOR TEM ACOMPANHADO OS MOVIMENTOS DO GENERAL MOURÃO?
Eu tenho. Eu não posso falar porque eu também não conheço o
Mourão. Eu sou agradecido, por exemplo, por um gesto dele na morte do meu
neto.
Ele foi um cara que disse que era uma questão
humanitária visitar [ir ao velório do] meu neto. Diferentemente do filho
do Bolsonaro, que postou uma série de asneiras no Twitter [dizendo que a
morte do menino vitimaria o ex-presidente].
Eu estou vendo a briga [entre Mourão e a família
de Bolsonaro].
Eu vou acompanhando. Ninguém nunca mais vai ter nesse
país uma dupla harmônica como Lula e [o ex-vice-presidente] Zé Alencar.
Um
sindicalista e um empresário que fizeram esse país ter orgulho. Que
fizeram esse país crescer.
Eu duvido que tenha um empresário nesse país tratado com
mais respeito, em qualquer governo, do que por mim. Duvido.
A diferença é que
eu tratava ele bem, mas também tratava os sem-terra, os sem-casa, os moradores
de rua bem. Tratava a sociedade brasileira.
“... isso eu aprendi com a dona Lindu [mãe do
ex-presidente], que nasceu e morreu analfabeta:
dignidade e caráter não têm em shopping, em
supermercado e você não aprende na universidade. Vem do berço.
E isso eu tenho, demais. E não abro mão. Esse
é meu patrimônio.
“...é preciso aprender a ouvir coisas de que você não gosta.
Suportar os contrários. Conviver na diversidade. Ele precisa aprender essa
lição mínima.”
“Nós estamos vendo [o governo] destruir a educação, cadê o
pessoal que não se manifesta? Eu acho que as pessoas têm que acreditar que
depende de nós, depende de cada um. Não adianta ficar xingando o Bolsonaro.
Em vez de ficar esperando que o Bolsonaro resolva o nosso
problema, nós temos, enquanto sociedade civil organizada, que começar a nos
mexer, a lutar, a brigar pelos nossos interesses."
E no Brasil, nós temos que fazer isso. Estão tirando os
nossos direitos. Estão desmontando, simplesmente destruindo os nossos
direitos.
É só gente favorável. É impressionante. Voltamos a ter um
pensamento único, favorável à reforma.
Esse Guedes daqui a pouco vai embora. Na hora em que ele
cair, vai morar nos EUA. Ninguém vai lembrar dele. Mas quem vai ficar com uma
vida desgraçada são mulheres e homens que trabalharam a vida inteira nesse
país. A hora de lutar é agora.
SE O SENHOR ALGUM DIA SAIR DAQUI...
Eu vou sair, querida. Espero que você esteja aqui.
(...) quero agradecer a vocês dois pela briga,
pela tenacidade e espero que tenhamos outras entrevistas. Se deixarem.
Muito
obrigado.”
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