SOCÓ
Assador de churrasco no Centro de Tradições da cidade,
aquele homem simples, melancólico, com suas culpas e sem maiores esperanças, um homem alto e magro, que vestiu bombacha e botas a vida toda, aquele homem de olhos mansos e escuros, nariz grosseiro e manchado,
hálito ruim que chegava através de trinta
cigarros por dia, de pescoço longo, voz grossa e rouca, de poucas palavras, daí
o apelido, Socó, era o meu vizinho. Era?
Foi assassinado nessa rua, que vai daqui até o cemitério. Foi abatido como uma ave no campo,
à sombra da madrugada de um domingo. Ninguém viu, mas
ouviu quem tem a soleira da porta junto à calçada. Três tiros e uma queda
silenciosa. Um lascou a parede lateral do Hotel. Dois acharam o peito de Socó.
Logo as venezianas abriram suas frestas, fachos suave dos lampadários se acenderam,
um grito de mulher rouquejou na porta aberta da oficina mecânica, os passos de chinelos apressados nas escadas dos chalés, também
o padre da canônica veio para fora. Alguém correu até a esquina da praça.
Alguém correu até a prefeitura e o guarda da noite ligou para o hospital. Demorou,
mas apareceu uma ambulância. Nem que
demorasse dois minutos, Socó não agonizou. Morreu com um espeto na mão,
trazendo para a mãe uma minga mal assada, agora suja de terra. Os vira-latas da
rua logo se encarregariam de sumir com a carne. Ninguém arredava, todos falavam
ao mesmo tempo até que chegou o fusca da patrulhinha. Minha mãe me abraçou e
disse vamos entrar. Ah, mãe... Entra! Amanhã tem que acordar cedo, tem aula.
O assunto rendeu dias na cidade. A imprensa provocou a
todos com suposições das mais sérias e outras tantas mais irônicas. Socó não
merecia. Ele sempre tão calado e discreto, tão diferente dos outros assadores
da cidade, agora na boca do povo.
Por fim, descobriu-se a culpada. Dona Floriana, mulher do
patrão do CTG, aquele que precisou honrar o casamento e matou Socó, quando ele voltava de um sarau de prendas, convocado para trabalhar nas
churrasqueiras.
Vingado, o patrão foi embora da cidade. E Floriana?
Virou macho. Porque essa cidade é terrível como a planície de Cistene.
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