FEISSINARCISO
.quando passo os olhos no feissibuqui, onde também estou e me incluo, não me omito à provocação: que humanidade narcisa seremos daqui a cinco ou dez anos? nessa rede estamos todos no pódium. todos na vitrine. todos na tela. todos no hall da fama. e somos todos voyeuristas. mesmo que só por divertimento, mesmo que por vaidade. mesmo que por meros punheteiros. e assim todo mundo vai entrando na casa de todo mundo para conhecer o quintal, vasculhar a sala, a cozinha, curtir a colcha na cama do quarto e, pasmo, até o banheiro, que lindo. curtir ou clicar e somos quase da família: conhecemos a vó, as cunhadas, os tios, os netos, os pais e os mano. os gatos, o cachorro e o periquito. todo mundo vendo o que você bebe, o que você come, o que você lê – ou vai ler. todo mundo conferindo o que você dramatiza, borda, pinta, ouve, desenha, escreve, toca, o que reza os santos que acreditamos, o parabéns que anunciamos. estamos ali para mostrar nossas viagens espetaculares, nossa amizade admirável, nosso carro, moto, cavalo, skate e prancha sem falar na ultima bolita que você quikou. eu, por exemplo, gostaria de mostrar um jipe antigo que um dia talvez tenha grana para comprar. sim, pra que ter tudo o que o dólar pode comprar se não dá para exibir ao redor? pra que viver um namoro, trocar alianças no noivado embaixo de uma cascata, um casamento de vogue, se não dá para mostrar ao mundo que me olha, às vezes lê, mas curte sempre? por isso pergunto o que será que vai acontecer com todos nós que nos expomos tão narcoticamente? o que será que vai acontecer com todos nós que não conseguimos deixar de ostentar? de representar essa vida bela? de esperar condolências? mesmo assim não consigo deixar de ver que o feissibuqui não poupa a nossa jequice. tenho a maior curiosidade em saber que tipo de seres humanos nos exibiremos no futuro. será que nunca mais se conseguirá resgatar o singular? será que seremos para sempre uma geração de inconscientes apaixonados pela nossa própria imagem? sei lá não sei, mas revela a mitologia que quando a mãe de narciso procurou tirésias para descobrir se o seu lindo filho viveria por muitos e muitos anos, o sábio da beócia, respondeu: "se ele jamais se conhecer..." o resto da história a gente sabe: narciso foi definhando aos poucos enlevado por sua própria imagem no lago até se suicidar. depois o próprio lago chamou narciso de tolo, convencido, um téspio babaca... será que penso nessas coisas por efeito e causa do novo ano que logo vai dar as caras? como mito, narciso é fascinante. como rede, uma espécie de estupro social by mark zuckerberg. evoé...
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