agosto 13, 2011

DATA OFUSCADA

 Queria tanto escrever sobre o dia dos pais. 
Ah, essas datas de encomenda.
É difícil. Talvez conseguisse se fosse apenas Dia do Pai.
Daquele que troca as fraldas, faz chá de erva-doce e massageia a barriga do filho para que ele solte puns de alívio.
Do pai que limpa o joelho ralado e as lágrimas do filho sem dizer “isso não dói nada.”
Sim, queria realmente escrever sobre o dia dos pais. Mas não tem jeito.
É uma data de apelo muito comercial e vivo tempos desajustados.
Penso que gostaria de escrever mesmo sobre o Dia do Pai porque “pais” reúne os carrascos, os desajustados, os insensíveis, os perversos. 
E Pai, não.
 Pai ajuda montar álbum de figurinha, conserta as rodinhas do carrinho, compartilha do videogame, do jornal e das meias.
Pai bate ponto na pracinha todo domingo enquanto segura a bicicleta da filha e diz “olha pra frente, olha pra frente”.
Pai bota o filho na garupa do cavalo e sai troteando no macio para  que ele se fortaleça de confiança e coragem no futuro. Ou do skate ou da prancha de surf.
Pai leva o filho ao estádio e vibram juntos com o seu time. Pai comunga atenção com a filha e ouve as revelações do seu universo-barbie.

Este domingo traz uma data idiossincrática e o tema é espinhoso e sei que vou decepcionar quando lembro dos pais que não assumiram ou sumiram, covardemente.
Dos pais que renegaram os filhos quando casaram com outra.
Dos pais que sequer conheceram os próprios filhos.
Sem falar dos pais que abusam dos filhos e estes ainda precisam fazer cartão na escola.
E os pais que perderam seus filhos por desamor, para a decadência e os desequilíbrios do destino?

O segundo domingo de Agosto foi reservado para solidificar os vínculos afetivos  entre pais e filhos. Só que de 1911 a 2011  muita coisa mudou, principalmente a família. Será que os profes não se deram conta? E quem tem pai? – pergunta uma mãe admirada com minha reflexão. Celebrem  em casa.  
 Para escrever sobre o dia dos pais  busco inspiração observando  a saída dos colégios: bando de mães esperando a galera na calçada. Mas tem o Pai que busca o filho de bicicleta. Senta a menina na carona, põe a mochila nas costas e sai pedalando pela rua. Ele contraria a regra dos pais sem tempo para buscar o filho no término da aula. Aliás, tem aqueles pais que devorados por compromissos nunca buscaram o filho na escola, nunca pisaram no pátio do recreio e a professora não tem um rosto para eles. Mas esses pais continuam cada vez mais ricos e proporcionalmente mais miseráveis, sem reserva espiritual para transmitir ao filho.

Sim, também li a reportagem que 1,3 milhões de pais brasileiros moram sozinhos com os filhos – conforme dados do IBGE. São mãe e pai, amigos de balada e confidentes e freqüentam o mesmo terapeuta numa simbiose total: a tua paranóia é a minha paranóia.

Desculpe, não posso escrever sobre os pais privilegiados quando há tantos filhos sem o privilégio de contar com a presença do Pai. Mas a data está aí. É comemorada nas festinhas escolares, no churrasco de domingo, numa visita ao cemitério quando o filho chora pelo Pai, quando não mais triste, o contrário mais doído ainda.
Eu sabia que não conseguiria escrever sobre o dia dos pais. Juro que tentei.
Mas que fique o registro: a todo Pai amoroso que inspira o filho para descoberta de sua existência, nessa vida às vezes tão alegre vida, louvores.

Minha crônica: jornais A Hora, Opinião e site Região dos Vales

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