ARQUIVANDO A VIDINHA
Esta semana promovi uma faxina nas minhas anotações de percurso em agendas, blocos, cadernetas, bilhetinhos e passei para o computador tudo que achei interessante. Armazenei – armazém? prateleiras, compotas, caixinhas! - numa pasta reclassificada de “bloquinho”. Em função dessa limpeza escriturada encontrei uma anotação de 2009 que tem muito a ver com minha crônica da semana passada quando escrevi sobre Lajeado e o passado que desmorona. Literalmente. Por acaso não diferente em Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul, Encantado ou Estrela.
Anotei que Amberieu-en-Bugey é um vilarejo francês, com não mais de 13 mil moradores onde pesquisadores de uma Associação pela Autobiografia e pelo Patrimônio Autobiográfico escolheram o lugarzinho charmoso para sediar o encontro: “Escrever a sua Vida”. Lááá em 2009! Qual o objetivo?
Preservar.
Preservar qualquer escrito autobiográfico porque, dizia Freud, a escrita é a linguagem de quem está ausente.
Assim, vale qualquer narrativa ou testemunho de pessoas comuns que abordam suas próprias existências. Entram diários, cartas, telegramas, fotos, acontecidos que legaram memória nas décadas de 1920-30 e que dão forma ao mosaico que é cada indivíduo.
Muito interessante. Enfim, nós, os comuns, temos vez!
*
Daí lembrei do colega Alicio de Assunção que está ouvindo, e transcrevendo relatos, de pessoas do interior da nossa região. Contou um caso no último encontro da Academia Literária do Vale do Taquari. Há pouco tempo testemunhou a emoção de uma senhora comentando que nunca alguém lhe deu “voz”.
Ou seja, nunca lhe perguntaram sobre seu cotidiano e sua condição de cidadã.
Achei muito triste porque realmente todo mundo só quer saber mesmo é de ouvir a si próprio, nesses tempos ególatras. Afinal, quem vai querer ouvir o Outro? Só o Alicio.
*
Agora, imagine leitor, se não preservam os prédios nas cidades, vão preservar testemunho?
Pensando bem, talvez sim.
Prédios derrubados geram futuros investimentos. Lucro absurdo para muitos.
Preservar testemunho não gera nada. Quando muito, identidade de uma época.
É sabido que os “ilustres” ganham certificação no wikipédia, no google, nos livros empoeirados dos arquivos da cidade. E se lá não estão, ainda restam os blogues, verdadeiros diários de intenções autobiográficas.
Ao povo que paga carnê do Sus e chora os seus; a humanidade que ama, trai e vota ordinariamente, resta o suspiro de saudades.
Ou não.
Então que se preservem testemunhos biográficos - de biscateiros, médicos, colonos, barbeiros, parteiras, professores, enfim, gente que fez essa região - para que ninguém venha nos cobrar falta de sensibilidade no futuro, não é?
Porque, talvez, nem toda a cultura dos antepassados chegue até nossos descendentes pelos impulsos do World Wide Web.
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