MAS NÃO ERA O CASO DE UM PRONUNCIAMENTO EM REDE NACIONAL?
Foi seguramente o fato mais grave da nossa vida política
desde o atentado do Riocentro, aquela frustrada tentativa de recrudescimento da
linha dura, ainda durante os estertores da dita-cuja, que só terminaria
(formalmente) alguns anos depois. Sem eleição direta, apesar do clamor
nacional. Sem Tancredo, internado no dia da posse, para ter a morte anunciada
no Dia de Tiradentes. E sem – muito menos, imagine – qualquer julgamento dos
responsáveis pela perseguição, prisão, tortura e morte dos opositores do
regime.
A recente descoberta do plano de golpe, com um triplo
assassinato – dos presidente e vice-presidente eleitos e do então presidente do
TSE –, urdido por militares membros do governo recém-derrotado nas eleições, o
caso mais grave da nossa vida política desde o Riocentro não seria motivo para
um pronunciamento em rede nacional?
(Eu ia dizer “cadeia nacional”, mas preferi evitar o
duplo sentido para não excitar expectativas).
Um pronunciamento curto e contundente, em que o
Excelentíssimo Senhor Presidente da República fizesse saber que a Polícia
Federal havia descoberto a trama golpista e assassina, que era mais grave do
que se pensava, que por um triz não levou o país a mergulhar em novo período de
trevas, que as investigações prosseguiam e os acusados seriam julgados nos
termos da lei?
Um pronunciamento por acaso (e aqui não vai ironia)
coincidente com a reunião do G20, e que por isso teria repercussão
internacional, apesar da desleal concorrência das peripécias na Ucrânia?
Um pronunciamento que animasse entidades da sociedade
civil, outrora tão atuantes, a se manifestar? Que pudesse despertar nas pessoas
a consciência da importância da democracia e da necessidade de sair às ruas
para defendê-la?
Não. Melhor aparecer sorridente, na estética “paz e
amor”, melhor trazer para o lado pessoal, “humano”, dar graças a Deus por estar
vivo, mostrar que é boa gente, um cara legal que escapou de boa e não quer
envenenar ninguém, só quer o bem de todos e a felicidade geral da nação.
Melhor despolitizar.
Não foi assim agora, agorinha mesmo, quando se desautorizou
qualquer evento oficial que demarcasse os 60 anos do golpe?
Não é assim que se mantém na Defesa um ministro que
insiste na tese dos “fatos isolados” e das “ações individuais”? Porque afinal
não foi a instituição, foram apenas “CPFs” que conspiravam contra a democracia?
Não é assim que o ministro “iluminista” abre a sessão do
CNJ com o cenho franzido e muito polida e delicadamente se diz “estarrecido”
com a notícia daquela manhã, quando soubemos que estivemos “mais próximos do
que imaginávamos do inimaginável”, mas que aquele atentado nada tinha a ver
“com ideologia ou com opções políticas”, pois era “apenas a expressão de um
sentimento antidemocrático e do desrespeito ao Estado de Direito”, e o que se
estava descobrindo eram meros “crimes previstos no Código Penal”?
Devemos então entender que uma conspiração contra as
instituições democráticas não tem nada a ver com ideologia ou política, é uma
coisinha pouca, um crime comum, não um atentado à Constituição? É assim que
pretendemos continuar a bebericar em paz nosso cafezinho?
Costuma-se dizer que as coisas são assim porque a
correlação de forças é desfavorável.
Certamente é.
Se não se trabalha para alterá-la, se não se age com a
devida contundência quando o momento exige, quando vai mudar?
Sylvia Debossan Moretzsohn em Come Ananás
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