HISTÓRIAS DA LITERATURA
Amadeu de Queiroz, escritor, farmacêutico e político
brasileiro considerado um dos pioneiros do conto regionalista, escreveu:
“Encontrei-me num concerto com Mário de Andrade e, de passagem, ele me disse sem mais comentários:
"Mandei-lhe uma escritora novíssima - tenha paciência com ela."
Alguns dias depois
fui procurado pela novíssima, moça de óculos, retraída, falando pouco: o indispensável
para expor o que pretendia - era Ruth
Guimarães Botelho - como se apresentou.
Até aquele momento não a conhecia, nem de vista, nem de nome, não sabia da sua existência.
Contou-me ela que havia procurado Mário de Andrade para
lhe pedir opinião sobre seu trabalho folclórico e que ele lhe havia dito que
andava muito atarefado na ocasião, mas me procurasse, que eu, em matéria de
folclore, era tanto como ele (pois sim!). Não conversamos mais porque a moça
era de pouca prosa, e recebemos os originais, marcamos prazo para outro
encontro.
O trabalho que escreveu era de quem começa, tinha apreciável merecimento, mas não me agradou muito - por motivos que agora não vem ao caso - e isso ela percebeu quando nos encontramos mais tarde e lhe dei minha opinião; não só percebeu como entristeceu também um pouco. Então lhe perguntei, por simples curiosidade, se não tinha algum outro trabalho escrito, e ela me respondeu com firmeza e simplicidade: "Tenho um romance”.
Ora, eu que sempre fui curioso dessas coisas e gosto de procurar o que os outros evitam achar, pedi os originais para ler e, no dia seguinte, ela voltou com eles. Com a minha habitual disposição encetei a leitura e, ao chegar à página quatro voltei atrás para reler com toda a atenção, e assim fui indo - avançando e retrocedendo - até o fim do romance, alcançado em poucas horas.
Não encontrei nele o que censurar, suprimir, acrescentar - a escritora havia escrito um romance, e dizendo isto tenho dito tudo. Só não gostei do título: chamava-se "Mãe d'Agua," Ou" Mão do ouro", não me lembro bem.
Contei-lhe o caso da moça e do romance, disparei-lhe em cheio o meu entusiasmo, ele também me disparou um olhar de espanto porque, tanto ardor assim, da minha parte, era de se espantar! Guardou os originais que lhe confiei, depois leu o romance e, a seu pedido, outras pessoas leram, inclusive o Jorge Amado, que andava por aqui e que foi até o meio [..] e todos, por fim, sem discrepância gostaram do livro.
A escritora foi chamada, recebeu os merecidos cumprimentos de vários escritores, assinou um contrato com a Globo e o romance foi publicado com o título de Água Funda.
O resto é sabido.
Não descobri nem emendei, não corrigi nem apadrinhei a escritora Ruth Guimarães, encontrei-a moça de vinte anos e já romancista."
Ruth e Guimarães
* Apesar da crítica, a escritora não desistiu. E Ruth Guimarães tornou-se a primeira mulher negra a publicar um romance pós abolição, alcançando reconhecimento e ocupando mais tarde uma cadeira na Academia Paulista de Letras.
Quando Guimarães Rosa lançou a obra Corpo de Baile, Ruth compareceu e ganhou uma dedicatória:
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