julho 07, 2024

HISTÓRIAS DA LITERATURA

Amadeu de Queiroz, escritor, farmacêutico e político brasileiro considerado um dos pioneiros do conto regionalista, escreveu:

“Encontrei-me num concerto com Mário de Andrade e, de passagem, ele me disse sem mais comentários:

"Mandei-lhe uma escritora novíssima - tenha paciência com ela."

 

 Alguns dias depois fui procurado pela novíssima, moça de óculos, retraída, falando pouco: o indispensável para expor o que pretendia - era Ruth Guimarães Botelho - como se apresentou.

Até aquele momento não a conhecia, nem de vista, nem de nome, não sabia da sua existência.

Contou-me ela que havia procurado Mário de Andrade para lhe pedir opinião sobre seu trabalho folclórico e que ele lhe havia dito que andava muito atarefado na ocasião, mas me procurasse, que eu, em matéria de folclore, era tanto como ele (pois sim!). Não conversamos mais porque a moça era de pouca prosa, e recebemos os originais, marcamos prazo para outro encontro.

O trabalho que escreveu era de quem começa, tinha apreciável merecimento, mas não me agradou muito - por motivos que agora não vem ao caso - e isso ela percebeu quando nos encontramos mais tarde e lhe dei minha opinião; não só percebeu como entristeceu também um pouco. Então lhe perguntei, por simples curiosidade, se não tinha algum outro trabalho escrito, e ela me respondeu com firmeza e simplicidade: "Tenho um romance”.



Ora, eu que sempre fui curioso dessas coisas e gosto de procurar o que os outros evitam achar, pedi os originais para ler e, no dia seguinte, ela voltou com eles. Com a minha habitual disposição encetei a leitura e, ao chegar à página quatro voltei atrás para reler com toda a atenção, e assim fui indo - avançando e retrocedendo - até o fim do romance, alcançado em poucas horas. 

Não encontrei nele o que censurar, suprimir, acrescentar - a escritora havia escrito um romance, e dizendo isto tenho dito tudo. Só não gostei do título: chamava-se "Mãe d'Agua," Ou" Mão do ouro", não me lembro bem.

(meu exemplar comprado ontem!)


Cheio de entusiasmo por ter dado com um verdadeiro talento, procurei
  o Edgard Cavalheiro, crítico de longa prática, conciso e desabotoado, ao mesmo tempo representante da Livraria do Globo, de Porto Alegre. 

Contei-lhe o caso da moça e do romance, disparei-lhe em cheio o meu entusiasmo, ele também me disparou um olhar de espanto porque, tanto ardor assim, da minha parte, era de se espantar! Guardou os originais que lhe confiei, depois leu o romance e, a seu pedido, outras pessoas leram, inclusive o Jorge Amado, que andava por aqui e que foi até o meio [..] e todos, por fim, sem discrepância gostaram do livro. 

A escritora foi chamada, recebeu os merecidos cumprimentos de vários escritores, assinou um contrato com a Globo e o romance foi publicado com o título de Água Funda.

O resto é sabido.

Não descobri nem emendei, não corrigi nem apadrinhei a escritora Ruth Guimarães, encontrei-a moça de vinte anos e já romancista."

Ruth e Guimarães

* Apesar da crítica, a escritora não desistiu. E Ruth Guimarães tornou-se a primeira mulher negra a publicar um romance pós abolição, alcançando reconhecimento e ocupando mais tarde  uma cadeira na Academia Paulista de Letras.

Quando Guimarães Rosa lançou a obra Corpo de Baile, Ruth compareceu e ganhou uma dedicatória: 

 “A Ruth Guimarães – parenta minha; e uma das pessoas mais simpáticas que encontrei na vida; e que escreve como uma fada escreveria – com grato apreço e a amizade do Guimarães Rosa”

 


 


0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial