OS DESAGRADÁVEIS E AS MINHAS DÚVIDAS
De sabor amargo. Amaritude. Azedume. Um travo na alma. Um
ranço no discurso. Um amargor que destila não só o hálito mas o olhar. Os donos
da razão, as donas das convicções. Do alto da cathedra cibernética, apontam as
falhas – dos outros, sempre dos outros. Defendem a autenticidade e disfarçam a
própria exaltação.
Amargura de amor, de sexo, de corpo, do extraordinário – não
conseguem perceber que nos cacos de um vidro quebrado o sol também brilha.
Imagino o tamanho da ferida, que nunca seca.
A frustração, essa prima cética, sorri amarelo para tudo que
não é do próprio agrado e, como o crítico e desiludido Fradique, de Eça, bate
sempre na mesma tecla.
Com o tempo vamos absorvendo e a admiração se dilui, porque
o amargo é incapaz de se botar no lugar do outro, com suas fraquezas, desejos e
delicadezas. Tem um português, um tal de Saramago, que escreveu: “Se tens um
coração de ferro, bom aproveito. O meu fizeram de carne, e sangra todos os
dias.”
Mas, mas, mas... voltando as mazelas terrenas, dou graças a
Zeus que já vivi num país melhor!
Tinha mais emprego, menos pobreza, menos fome. Não tinha?
A gasolina era mais barata, o gás era mais barato, a carne
era mais barata e a gente podia viajar. Não era?
Tinha incentivo à educação e à pesquisa. Verdade?
Tinha respeito à população indígena e negra. Lembram?
Tinha admiração do exterior. Ou não?
O que não melhorou? A violência e a corrupção.
Mas agora não tem mais nada e a violência e a corrupção
continuam em alta. Tô errada?
A educação, a cultura e a arte, zerada. A Amazônia em
chamas, o desmatamento incontrolável, o incentivo ao armamento um país em
declínio. Mortes, milhares de mortes, e um governo indiferente. Algo mais?
Posso entender o pessimismo do moderno Fradique.
Mas essa
amargura, esse sarcasmo raivoso, bah, tá difícil de engolir.
Quem muito se acha, pouco me impressiona – dizia minha vó
Florinda. Amém?
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