maio 16, 2020

OS DESAGRADÁVEIS E AS MINHAS DÚVIDAS



De sabor amargo. Amaritude. Azedume. Um travo na alma. Um ranço no discurso. Um amargor que destila não só o hálito mas o olhar. Os donos da razão, as donas das convicções. Do alto da cathedra cibernética, apontam as falhas – dos outros, sempre dos outros. Defendem a autenticidade e disfarçam a própria exaltação.

Amargura de amor, de sexo, de corpo, do extraordinário – não conseguem perceber que nos cacos de um vidro quebrado o sol também brilha. Imagino o tamanho da ferida, que nunca seca.

A frustração, essa prima cética, sorri amarelo para tudo que não é do próprio agrado e, como o crítico e desiludido Fradique, de Eça, bate sempre na mesma tecla.

Com o tempo vamos absorvendo e a admiração se dilui, porque o amargo é incapaz de se botar no lugar do outro, com suas fraquezas, desejos e delicadezas. Tem um português, um tal de Saramago, que escreveu: “Se tens um coração de ferro, bom aproveito. O meu fizeram de carne, e sangra todos os dias.”


Mas, mas, mas... voltando as mazelas terrenas, dou graças a Zeus que já vivi num país melhor!

Tinha mais emprego, menos pobreza, menos fome. Não tinha?

A gasolina era mais barata, o gás era mais barato, a carne era mais barata e a gente podia viajar. Não era?

Tinha incentivo à educação e à pesquisa. Verdade?

Tinha respeito à população indígena e negra. Lembram?

Tinha admiração do exterior. Ou não?

O que não melhorou? A violência e a corrupção.

Mas agora não tem mais nada e a violência e a corrupção continuam em alta. Tô errada?

A educação, a cultura e a arte, zerada. A Amazônia em chamas, o desmatamento incontrolável, o incentivo ao armamento um país em declínio. Mortes, milhares de mortes, e um governo indiferente. Algo mais?

Posso entender o pessimismo do moderno Fradique. 

Mas essa amargura, esse sarcasmo raivoso, bah, tá difícil de engolir.

Quem muito se acha, pouco me impressiona – dizia minha vó Florinda. Amém?


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